Até esta segunda-feira, Portugal só tinha jogado quatro vezes com a Sérvia. Desses quatro jogos, venceu apenas dois: mas não são propriamente os resultados que a história recorda no que toca a embates entre portugueses e sérvios. Em setembro de 2007, em jogo a contar para o apuramento para o Euro 2008, a Seleção Nacional recebeu a Sérvia em Alvalade e o encontro terminou empatado a uma bola. Já após o final da partida, Luiz Felipe Scolari agrediu o defesa sérvio Dragutinovic e acabou suspenso por dois jogos. A justificação do então selecionador nacional foi simples, caricata e ficou na memória de todos os portugueses: “Estava a defender o menino. Ele ia bater no menino”. O menino era Ricardo Quaresma, então com 24 anos. 12 anos depois, Fernando Santos não convocou o já não tão menino Quaresma, não tinha o menino João Félix e precisava de fazer melhor do que Scolari fez em 2007 para esquecer o empate frente à Ucrânia.

Depois do nulo com os ucranianos, Portugal recebia a Sérvia e era necessário vencer para não perder de forma perigosa o fio à meada que é o apuramento direto para o Campeonato da Europa. Os sérvios, que folgaram na primeira jornada e só disputaram um particular contra a Alemanha, apresentavam-se na Luz com Luka Jovic, avançado emprestado pelo Benfica ao Eintracht Frankfurt, no banco de suplentes e Dusan Tadic, médio do Ajax que destruiu o Real Madrid na Liga dos Campeões, saltava para o onze inicial.

Na Seleção Nacional, Fernando Santos (que não tinha então João Félix, devido a lesão) fazia três alterações em relação ao onze que enfrentou a Ucrânia: saíam Rúben Neves, João Moutinho e André Silva, entravam Danilo, Rafa e Dyego Sousa. O médio do FC Porto jogava uns passos atrás de William, na ligação defesa/meio-campo, Bernardo ocupava a ala direita, Rafa o corredor esquerdo e Dyego Sousa atuava ao lado de Cristiano Ronaldo, numa espécie de 4x4x2 com o capitão português sempre muito móvel.

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Ficha de jogo

Portugal-Sérvia, 1-1

Qualificação para o Campeonato da Europa de 2020

Estádio da Luz, em Lisboa

Árbitro: Szymon Marciniak (Polónia)

Portugal: Rui Patrício, João Cancelo, Pepe, Rúben Dias, Raphael Guerreiro, Bernardo Silva, Danilo, William, Rafa (Gonçalo Guedes, 84′), Cristiano Ronaldo (Pizzi, 30′), Dyego Sousa (André Silva, 58′)

Suplentes não utilizados: Beto, José Fonte, Nélson Semedo, Mário Rui, João Mário, Rúben Neves, Diogo Jota, João Moutinho

Treinador: Fernando Santos

Sérvia: Dmitrovic, Rukavina, Spajic, Milenkovic, Mladenovic, Maksimovic, Gacinovic (Radonjic, 21′), Lazovic (Zivkovic, 69′), Tadic, Lajic (Milinkovic-Savic, 87′), Mitrovic

Suplentes não utilizados: Vasiljevic, Veljkovic, Mitrovic, Jovic, Lukic, Pavkov, Luka Jovic

Treinador: Mladen Krstajić

Golos: Tadic (gp, 7′), Danilo (42′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Pepe (45+1′), Mladenovic (77′), Spajic (79′), Tadic (86′)

Portugal entrou em campo com a intenção clara de marcar primeiro e partir da vantagem embrionária para uma vitória tranquila. William, que já contra a Ucrânia apareceu diversas vezes em zona de finalização (chegou ainda a marcar, mas estava em posição de fora de jogo), foi o primeiro a beneficiar de uma grande oportunidade logo aos quatro minutos: João Cancelo puxou um cruzamento largo na direita, a bola ficou perdida à entrada da pequena área e o médio do Betis rematou rasteiro e com pouca força ao lado da baliza sérvia. Era o primeiro aviso de uma seleção que não procurava nada mais senão a vitória — mas Dusan Tadic tinha outras ideias. Aos seis minutos, o médio do Ajax isolou Gacinovic na cara de Rui Patrício; o médio do Eintracht Frankfurt, que vai encontrar o Benfica nos oitavos da Liga Europa, ainda conseguiu tentar o chapéu ao guarda-redes do Wolverhampton mas Patrício acabou por chocar com o sérvio. O árbitro da partida não teve dúvidas e assinalou grande penalidade a favor da Sérvia, que Tadic não desperdiçou.

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Antes ainda de o relógio marcar dez minutos de jogo, Portugal já perdia com a Sérvia e precisava agora de realizar um jogo praticamente inteiro em formato remontada. Cristiano Ronaldo respondeu de forma quase imediata, com um remate de fora de área que Dmitrovic defendeu (9′), Rafa também proporcionou uma boa defesa ao guarda-redes sérvio (15′) e o capitão português voltou a falhar a concretização depois de uma assistência de calcanhar do extremo do Benfica (23′). Portugal estava a ir contra uma exibição inspirada de Dmitrovic mas não era só isso que estava a falhar: a seleção portuguesa parecia estar a jogar sob a lógica do impulso, sem grandes ligações entre a defesa e o meio-campo e com o jogo a desenvolver-se principalmente a partir da ala direita mas sem consequências de maior. Danilo, muito preocupado em asfixiar Tadic mas sem ser bem sucedido, estava desligado de William; o médio do Betis andava perdido entre o setor intermédio e os dois elementos mais avançados; Raphael Guerreiro não mostrava o entendimento com Ronaldo que ficou patente no jogo com a Ucrânia e Bernardo, ainda que mais influente do que no encontro de sexta-feira, continuava pouco decisivo. Rafa era mesmo o elemento em destaque da equipa portuguesa e Dyego Sousa, ainda que sem alcançar efeitos práticos, ia conseguindo ganhar espaços na grande área.

Faltava critério e oxigénio à Seleção Nacional e tudo se tornou mais difícil à meia hora, quando Cristiano Ronaldo — que nessa altura tinha já quatro remates, mais do que toda a equipa sérvia –, pediu para ser substituído depois de sofrer um desconforto durante um sprint. Entrava Pizzi e Portugal regressava ao 4x3x3 do jogo com a Ucrânia, com o médio do Benfica a juntar-se a William e Danilo no meio-campo e Bernardo e Rafa a jogarem mais no apoio a Dyego Sousa, ainda que sempre mais encostados às alas. A saída de Cristiano Ronaldo motivou um maior protagonismo de Bernardo Silva, que assumiu o papel criativo da equipa e tentava ligar o setor intermédio com os homens mais adiantados. Portugal ia permitindo as transições rápidas da Sérvia, sempre sob a batuta de Tadic, que fazia o que queria entre as linhas portuguesas, e não conseguia ter acerto nas oportunidades que ia criando mas que acabavam sempre com um remate fraco, uma bola perdida ou um alívio da defensiva sérvia. Já nos cinco minutos finais da primeira parte, quando Fernando Santos já olhava para o relógio e pensava naquilo que iria dizer no balneário, Portugal chegou ao empate da forma mais improvável e por intermédio do jogador mais inusitado.

Danilo Pereira, que não é um goleador e nem sequer estava a realizar uma grande exibição, muito preso à marcação a Dusan Tadic para conseguir pensar o jogo, avançou pelo corredor central, seguido de perto por muitos jogadores sérvios mas sem uma oposição real. Quando chegou perto da grande área, o médio do FC Porto atirou de pé direito sem qualquer hipótese para Dmitrovic e levou o resultado empatado para o intervalo. A primeira parte terminou ainda muito partida, com Portugal a suster a respiração nos últimos instantes graças a uma sucessão de pontapés de canto a beneficiar a Sérvia, mas a Seleção Nacional conseguiu mesmo aguentar o empate e regressaria para a segunda parte com um balão de oxigénio que amenizava uma exibição pouco conseguida.

Fernando Santos voltou para a segunda parte sem fazer alterações e Portugal continuou a jogar da mesma forma: sem explorar o corredor central, a lateralizar demasiado o jogo, com cruzamento sempre muito largos e sem a agressividade que o selecionador nacional havia pedido na conferência de imprensa de antevisão. A Sérvia respondeu com dois remates rasteiros que Rui Patrício encaixou mas ao quarto de hora do segundo tempo, quando Portugal trocou Dyego Sousa por André Silva, recuou as linhas e deixou de querer ter a bola no pé, o que afastou Tadic das zonas mais perigosas e atraiu a seleção portuguesa para terrenos mais adiantados.

A falta de ideias, contudo, era gritante. Portugal chegava à entrada dos últimos 30 metros do meio-campo sérvio e estagnava, sem linhas de passe nem desmarcações. Essa era, aliás, a principal falha e a principal diferença entre as duas equipas: a Seleção Nacional tinha 12 remates contra oito dos sérvios mas só cinco das tentativas portuguesas tinham sido feitas dentro da grande área. Do outro lado, só um dos remates da Sérvia é que tinha sido feito fora da área de Rui Patrício. Portugal jogava totalmente dentro do meio-campo adversário mas não materializava essa posse em oportunidades, tal como havia acontecido contra a Ucrânia.

Portugal ia permitindo várias recuperações de bola por parte dos sérvios ainda no meio-campo defensivo e tremia sempre que se via a defender o empate. A cerca de vinte minutos do fim, o árbitro da partida ainda assinalou uma grande penalidade que parecia caída do céu aos trambolhões para garantir a vitória portuguesa mas o polaco Szymon Marciniak consultou o árbitro de baliza e reverteu a decisão. Tudo na mesma, Portugal sem ideias, a Sérvia a resguardar-se para manter o empate e Fernando Santos a deixar passar os minutos sem efetuar alterações. Gonçalo Guedes entrou para o lugar de Rafa já nos últimos cinco minutos do tempo regulamentar e não chegou a conseguir ser influente: Portugal não evitou o empate e somou cruzamentos inconsequentes, remates fracos e sem direção e lances desperdiçados com últimos passes sem critério.

A Seleção Nacional empatou pela quarta vez consecutiva em jogos oficiais, ainda não conseguiu vencer no apuramento para o Euro 2020 e mostra níveis exibicionais muito abaixo da qualidade individual dos jogadores. Ao contrário daquilo que a história nos contava antes do apito inicial, Portugal não conseguiu responder de forma positiva a uma escorregadela na primeira jornada e esbarrou com impacto na muralha sérvia, que defendeu de forma exemplar no segundo tempo. Não falta esforço nem dedicação, falta entrosamento e esclarecimento. Desta vez, e ao contrário do que aconteceu em 2007, o que fica para contar é mesmo o empate que o marcador assinalou no final da partida.