O nome Richard Dean Anderson diz lhe alguma coisa? Se sim, é provável que tenha crescido a ver as mirabolantes aventuras e desventuras de MacGyver, o agente secreto norte-americano que tinha o dom de conseguir libertar-se das situações mais complexa e enrascadas com a ajuda da sua criatividade e do companheiro que trazia sempre com ele — um vermelho e bojudo canivete suíço. Essa série foi um sucesso, de tal forma que é quase impossível dissociar o nome desse mesmo Anderson do espião engenhocas que ele interpretava, efeito quase síndrome que afetou outros atores como Rowan Atkinson (para sempre o eterno Mr. Bean), Mark Hamil (o jedi Luke Skywalker) ou Arnold Schwarzenegger, o “Exterminador”.

Muitos consideram esta realidade quase que uma prisão, uns grilhões que prendem o ator à personagem e os torna num só. Pois bem: Quem diria que bastava um jogo como o deste sábado, em que o Benfica venceu o Tondela em casa por uma bola a zero, para mostrar que essa maldição pode ser quebrada? Passemos à explicação.

Um homem que se vê numa situação inesperada, perigosa. Tudo parece correr mal e quase nada à sua volta aparenta querer ajudar a que a segurança seja alcançada. De repente, surge uma ideia, a que se sucede uma teoria e consequente aplicação. Finalmente, o sucesso — tudo corre bem quando acaba bem. Esta cadeia de ideias pode parecer não ter sentido, mas calma. Pense em MacGyver: isto é quase uma sinopse de todos os episódios da série, não? Agora olhe para Bruno Lage: não é impressionante a forma como tudo faz sentido?

O técnico dos encarnados aterrou naquele cargo no meio de um marasmo de futebol, de uma desvantagem pontual desmoralizante. Os jogadores que tinha à sua volta pareciam não dar uma para a caixa, como se costuma dizer, até que, do negrume, Lage consegue começar a safar-se. Com muitas invenções e ideias quase ridículas, foi saindo do buraco onde estava enfiado e tudo isso mostra que o antigo treinador das camadas jovens benfiquistas libertou o tal Richard Dean Anderson de dentro dele: agora, ele também é MacGyver e até tem um canivete suíço que o ajuda a fugir aos maiores apertos. O seu nome é Haris Seferovic e voltou a fazer das suas, ao selar mais uma vitória do Benfica que, por momentos, pareceu nunca vir a chegar.

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Os amantes de futebol não tinham forma de se queixar desta 27.ª jornada da Liga NOS: emoção não iria faltar no sábado, em que os principais concorrentes ao título jogaram todos, uns contra os outros. Primeiro foi o FC Porto, que conseguiu vencer o SC Braga por um emocionante 2-3. Logo de seguida foi a vez do Sporting consolidar a terceira posição no campeonato (mesmos pontos que os bracarenses, mas em vantagem no confronto direto) ao vencer o Chaves 1-3. O Benfica versus Tondela seria o jogo que encerraria o dia e muita coisa podia acontecer, caso os encarnados não se conseguissem impor — mudar a liderança do campeonato, por exemplo, passando os Dragões a segurar o pódio. A pressão sobre os benfiquistas era alta e a expectativa dos adeptos era maior ainda. Iriam os homens de MacGy… Quer dizer, Bruno Lage… Cumprir com o que era esperado deles? Os primeiros quinze minutos pareciam apontar para o “sim”.

Ficha de jogo

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SL Benfica – CD Tondela, 

27.ª jornada da Primeira Liga NOS

Estádio da Luz, em Lisboa

Árbitro: Carlos Xistra (AF Évora)

SL Benfica: Vlachodimos, André Almeida, Rúben Dias, Ferro, Grimaldo, Pizzi (Taarabt, 71′), Samaris (Seferovic, 45′), Gabriel, Rafa (Jota, 78′), Félix e Jonas

Suplentes não utilizados: Cervi, Gedson Fernandes, Svilar e Corchia

Treinador: Bruno Lage

CD Tondela: Cláudio Ramos, David Bruno, Ricardo Costa, Jorge Fernandes, Joãozinho; Bruno Monteiro, João Pedro, Murillo (Pité, 66′), Delgado e Xavier (Patrick, 77′), Tomané (S. Peña, 63′)

Suplentes não utilizados: T. Bang, Mendes, F. Moufi, Pedro Silva

Treinador: Pepa

Golos: Seferovic (84′)

Ação disciplinar: cartão amarelo para Tomané (35′) e Taarabt (90+1′)

Assim que soou o apito inicial, houve uma invasão vermelha no meio-campo da equipa beirã, com o Benfica a pressionar alto e a ver isso funcionar a seu favor. O menino João Félix, logo aos três minutos, aparece com espaço pela direita, feito uma flecha, e remata contra as malhas laterais. Toda a Luz celebrou com a ilusão de ótica. Logo de seguida foi o endiabrado Rafa a furar pela defesa do Tondela, numa jogada individual pela esquerda, que se fez seguir por um remate forte que não passa muito longe do poste da baliza de Cláudio Ramos. No espaço de meros minutos, nova ameaça de João Felix, que apenas consegue pentear a bola que André Almeida tinha cruzado. Tudo parecia bem encaminhado, mesmo tendo em conta os frequentes contra-ataques rápidos do Tondela (que culminavam quase sempre em chutões de longe) e o penálti que ficou por assinalar no seguimento de uma falta cometida por João Pedro sobre Samaris — a Luz ainda estrebuchou, mas o forte caudal ofensivo que prometia goleada (quase) desmotivou. Por uns tempos.

O Benfica lançou ataque atrás de ataque, sem parar, durante quase 30 minutos, mas nada parecia correr de feição. Falhanços óbvios como o de Rafa ao minuto 15, que consegue isolar-se e deixa Cláudio Ramos defender (bela exibição do keeper dos amarelos e verdes) iam recordando os benfiquistas que o FC Porto tinha vencido e estava à frente no campeonato, caso nada acontecesse. Ora este pensamento foi se intensificando e as águias foram ficando nervosas: passes falhados, perdas de bola e outros disparates foram se sucedendo e a equipa dirigida por Pepa foi-se apercebendo de duas coisas: a primeira foi de que a sua tática estava a funcionar, a segunda é que no desespero crescente do adversário podia estar a janela para o golo. O Tondela foi crescendo, o Benfica fez o contrário e, nos minutos que antecederam o intervalo, as duas equipas estiveram quase de igual para igual, no que a rendimento diz respeito.

O clima no balneário do Benfica durante o tempo de paragem deve ter sido tenso, de tal forma que Lage fez aquilo que quase nunca faz: decidiu mexer na equipa e começar o segundo tempo com o seu fiel e recém recuperado canivete suíço, Haris Seferovic, o homem que marcou em todos os jogos que fez sob os comandos de Lage, menos num, contra o Porto, no Dragão. O avançado rendeu Samaris e serviu de mensagem para toda a equipa (e adversários): estava na hora de carregar no acelerador. Mas o nervosismo ainda lá estava e prova disso foi a entrada tremida que viu Jhon Murillo, ex-Benfica e atual atacante dos de Tondela, fazer dois lances de enorme perigo: um que deu golo, mas foi anulado por fora-de-jogo, aos 48′; outro que surgiu dois minutos mais tarde, com o jogador venezuelano a fazer uma bonita jogada individual pela direita, que deu origem a um passe venenoso desperdiçado por Tomané, que rematou à figura de Vlachodimos.

Tudo podia ter mudado de rumo aos 52 minutos, quando Jonas põe a bola no fundo da baliza do Tondela, mas o VAR (e uma acidental-ou-não mão na bola de André Almeida) invalidou a vantagem. A partida entra numa fase meio pingue-ponguiana onde quase que era golo de um lado como quase que era do outro. A equipa de Pepa tinha a sua lição bem estudada, fazia uma linha de seis defensores sempre que Benfica avançava (solução semelhante à empregue pelo Beleneneses), para compensar a subida dos laterais Grimaldo e Almeida. Quase que era fácil fechar os caminhos a um Benfica cada vez mais estouvado e partir para o contra-ataque, (quase) sempre eliminado pelos atentos Rúben Dias e Ferro. Naquele que terá sido o período em que Bruno Lage mais demonstrou nervosismo, não faltaram emoções: uma delas surgiu ao minuto 71, quando Pizzi dá lugar a Adel Taarabt, que, depois de três complicados anos de águia ao peito, se estreou pela equipa principal do SLB. O marroquino foi recebido com palmas e, por falar em aplausos, não há como ignorar o fantástico remate de Xavier, aos 73′, que forçou Vlachodimos a uma defesa brilhante.

Tudo parecia difícil. Jonas ainda esteve perto por duas vezes (aos 79′ e 82′), mas a solução, lá está, saiu da cabeça de Haris “canivete” Seferovic. Nunca se soube muito bem se “MacGyver” era um primeiro ou último nome ou se haveria mais alguma precedê-lo ou antecedê-lo. Perante esse vazio e as impressionantes semelhanças entre o personagem e o treinador benfiquista, é aceitável supor que o criativo “desenrasca”, que tem num canivete (ou num gigante ponta-de-lança) o seu melhor amigo, pode muito bem assinar Bruno MacGyver Lage.

No lance desse tento, Grimaldo levou a bola pela esquerda e, a meio do meio-campo dos adversários, atirou um cruzamento fantástico que encontrou o jogador suíço no coração da área. O marcador desbloqueou-se a seis minutos dos 90, mas, nos quatro de compensação que se seguiram, o Tondela agigantou-se, pressionou forte e mostrou mais uma vez que não veio a Lisboa para perder ou empatar. Patrick (que tinha entrado por Xavier, aos 77′) teve nos pés a oportunidade de empatar, que desperdiçou, e o apito final lá soou, deixando a nação benfiquista respirar de alívio e o Tondela a acreditar que não é por estar nos últimos lugares do campeonato que não deve ser visto como uma equipa intimidante.