“A nuvem negra sobre o final do ano letivo ainda não se dissipou.” A nuvem negra é a metáfora usada por diretores de escolas para se referirem às greves do terceiro período que, neste momento, são como a previsão de chuva em dia de aguaceiro: tanto podem acontecer, como nunca chegar a cair. O motivo para os protestos mantém-se inalterado desde o ano letivo passado — os docentes querem a recuperação integral do tempo em que a carreira esteve congelada, ou seja, os 9 anos, 4 meses e 2 dias que já ganharam forma de crachá e não saem do peito dos dirigentes da Fenprof.

Para o final do período, há uma greve anunciada, a partir de 6 de junho, às reuniões de avaliação, tal e qual como a do ano anterior, e que só avança se o tempo congelado não for integralmente devolvido. Se esse protesto acontecer, o mais certo é que outros se seguirão, em catadupa, nos últimos dias antes de as escolas fecharem para as férias de verão.

Se haverá chuva ou céu azul nos meses de junho e julho, é previsão que nenhum dos sindicatos de professores quer arriscar. O desfecho está nas mãos dos deputados. E é sobre eles que colocam a sua pressão. Se no Parlamento, até 15 de maio, for encontrada uma alternativa à solução unilateral do Governo — a devolução de 2 anos, 9 meses e 18 dias — as escolas terminam o ano com tranquilidade.

Se não houver, tanto Mário Nogueira (Fenprof) como João Dias da Silva (FNE) assumem que a pressão será para manter o que, em linguagem de sindicalista, se traduz em greves e manifestações. Apesar disso, a perspetiva nas escolas é de que tudo se resolva de acordo com os interesses dos professores.

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“Eu tenho esperança que tudo se resolva. Esta nuvem negra, criada pela falta de acordo entre sindicatos de professores e Ministério de Educação, não foi dissipada e se nada for feito vai começar a largar água. O final do ano passado foi caótico e espero que se evite um cenário igual. Como a discussão está na Assembleia da República, a responsabilidade está mais partilhada e tenho fé de que os problemas se resolvam”, diz Filinto Lima, presidente da associação dos diretores de agrupamento e escolas públicas (ANDAEP).

Professores ameaçam com greve às avaliações a partir de 6 de junho

É exatamente por a discussão estar já a ser feita no Parlamento, na Comissão de Educação e Ciência, que tanto Fenprof como FNE estão confiantes de que os deputados vão encontrar uma solução antes de 15 de maio, altura em que se suspendem os trabalhos da comissão na sequência da campanha eleitoral para as europeias. As reuniões são retomadas na segunda-feira seguinte às eleições (27 de maio), altura em que para cumprir os prazos legais o pré-aviso de greve às avaliações tem de estar na tutela. Daí, a importância de um acordo antes disso.

Como o seguro morreu de velho e o desconfiado ainda vive, nem Mário Nogueira, líder da Fenprof, nem João Dias da Silva, da FNE, arriscam lançar já os foguetes de vitória. Na memória têm o memorando de entendimento de 18 de outubro de 2017, assinado com o atual governo, que parecia, na opinião dos sindicatos, garantir a devolução integral do tempo. Isso nunca aconteceu e a discussão em torno da semântica, do que estava prometido e do que ficou por prometer, consumiu os últimos meses de negociações com o Ministério da Educação, sem nunca se chegar a um entendimento. Intransigência foi o insulto que mais se ouviu, de parte a parte.

Agora, na Assembleia, depois de pedida a apreciação parlamentar do decreto lei do Governo pelos vários partidos, a discussão dos deputados pode seguir muitos caminhos. O pior cenário possível, na ótica dos professores, é nunca chegar a haver um acordo e, a 6 de junho, no dia do início da greve, a única solução em cima da mesa ser o diploma que prevê a recuperação de 2 anos, 9 meses e 18 dias.

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O pior cenário possível: professores avançam com greves

“Sinceramente, não sei dizer como é que as coisas vão correr. Se até 15 de maio a discussão não ficar resolvida é porque algo correu muito mal. E há as interferências do Presidente da República e de Mário Centeno pelo caminho…”, diz Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof.

As interferências de que fala são a ida, na próxima terça-feira, do ministro das Finanças à Comissão de Educação, a pedido do PS. Centeno irá apresentar, segundo as contas do governo, os custos orçamentais de recuperar todo o tempo de serviço congelado dos professores. Os números não deverão trazer grandes novidades: 600 milhões de euros, valores há muito anunciados pelo primeiro-ministro e contestados pelos sindicatos.

Para o líder da Fenprof, o objetivo da audiência a Centeno é tentar influenciar o PSD, partido do arco da governação, e evitar que a comissão viabilize a recuperação integral dos 9 anos. Pelo caminho, critica também Marcelo Rebelo de Sousa que, numa entrevista à RTP 3, na passada semana, deixou um alerta: a decisão que venha a ser tomada sobre a contagem do tempo de serviço dos professores vai ter consequências para o atual Governo ou transformar-se num “caderno de encargos” para futuros Executivos.

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Também nas palavras do Presidente, Mário Nogueira vê avisos de navegação ao PSD, que apresentou a proposta de alteração ao decreto lei do governo que considera ser menos favorável aos docentes.

“Acredito que é possível encontrar uma solução, tenho receio que não seja a nossa solução”, acrescenta, do lado da FNE, João Dias da Silva. “A discussão agora está na Assembleia da República. Sabemos que o ministro das Finanças irá apresentar os números do governo, mas há uma pressão muito forte do nosso lado para que tudo se resolva até 15 de maio. Para já, em cima da mesa, estão apenas as greves às avaliações a começar a partir de 6 de junho, mas há outras possibilidades que estamos a explorar caso a Assembleia não chegue a um consenso. Vamos esperar para ver.”

Mário Nogueira lembra que apesar de o pré-aviso ter de ser entregue até 22 de maio, a greve pode ser desconvocada no próprio dia. Para isso bastará que haja fumo branco no Parlamento. O que não será desconvocada é a manifestação de professores marcada para 5 de outubro, véspera de eleições legislativas. “Essa certamente acontecerá, até porque é Dia do Professor e iremos sempre convocar a manifestação em defesa da carreira. Aconteceu, por coincidência de calendário, ficar colada às eleições. Mas o Dia do Professor é aquele, não vamos agora alterar datas”, argumenta o líder da Fenprof.

Em curso está, e estará, a greve às horas extraordinárias que os sindicatos cumprem em defesa das 35 horas semanais, horário que acusam de ser constantemente desrespeitado.

Solução do PSD: mesmo pior, é sempre melhor

Mesmo que os partidos não se entendam, a pior solução possível a sair do Parlamento é, apesar de tudo, melhor do que aquilo que os professores têm atualmente, argumentam os dois sindicalistas. Se tudo o resto falhar, acreditam que pelo menos as alterações propostas pelo PSD serão aprovadas.

Segundo fonte parlamentar, a discussão no seio do partido social-democrata sobre este tema não tem sido fácil, e os elementos mais ligados à área das Finanças têm sido contra a ideia de que a proposta de alteração do PSD faça referência à devolução do tempo integral. Chegou a estar sobre a mesa a menção a apenas 7 anos, contados entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017, não sendo contabilizado o congelamento de dois anos entre 2005 e 2007. Os defensores dos 9 anos venceram, mas não convenceram os demais a introduzir limites temporais para a recuperação do tempo integral. E poderão nunca convencer.

A questão mais complexa, onde poderá ser mais difícil haver consenso, é encontrar um limite temporal para a devolução de todo o tempo, seja esse limite 2023 ou 2025”, esclarece João Dias da Silva.

“Mas há matérias em que todos os partidos estão de acordo como a contagem integral do tempo e esta será de 9 anos e não de 7, como se chegou a falar. Estar quantificado é um grande avanço, assim como a afirmação de que a primeira tranche [os dois anos do Governo] é para vigorar já em 2019, com efeitos a 1 de janeiro”, acrescenta o secretário-geral da FNE.

Mário Nogueira faz a mesma análise. “Nas propostas de alteração do PCP e do Bloco de Esquerda está previsto quantos dias são devolvidos em cada ano. Nas do CDS e do PSD isso não é dito. O que lá está é que o tempo deve ser todo devolvido. Depois, ano a ano, consoante os constrangimentos orçamentais, logo se discute quanto é que se pode dar aos professores. Em nosso entender, o melhor seria uma proposta como a da Madeira em que se prevê quantos dias se recuperaram por ano, apesar de haver uma alínea que remete para a situação financeira do país.”

O líder da Fenprof quer acreditar que, se mais nada passar, será sempre aprovada a solução do PSD. Não sendo ideal, é melhor do que aquilo que os professores têm agora: “A pior situação é o PSD inviabilizar todas as outras propostas, mas acabando sempre por aprovar a sua. O que é que nós temos agora? Temos o apagão de mais de 70% do tempo congelado e a hipótese de escolher de que forma queremos ser roubados. No final, seja qual for a escolha, o número de dias é sempre o mesmo.”

Professores têm opção entre recuperar o tempo na totalidade ou faseadamente

Depois de aprovar o diploma para a recuperação do tempo congelado de outras carreiras especiais, o governo abriu a possibilidade de os professores poderem optar por esta última solução. A principal diferença é se a recuperação do tempo é gradual ou de uma só vez.

Se não conseguirem que uma das propostas da esquerda seja aprovada, o secretário-geral antevê problemas para os próximos anos. “A solução sem dias estabelecidos tem um problema. Atira para uma negociação anual o tempo a ser recuperado. Isto quer dizer que todos os anos lá vamos para negociação outra vez, sem saber o que vai acontecer: podemos recuperar 30 dias, 300, ou nenhum. É estar a pôr uma pressão desnecessário, de um problema que podia ficar já resolvido, nos próximos anos”, argumenta Mário Nogueira.

Essa pressão, já se sabe, é como a atual nuvem negra: pode continuar a trazer ameaça de greve em todos os anos letivos.