A “ideia liberal” está obsoleta e o seu propósito está ultrapassado, defende Vladimir Putin numa entrevista ao Financial Times por ocasião da reunião do G20, em Osaka. O líder político russo defende que, hoje em dia, as pessoas não querem fronteiras abertas e multiculturalismo, portanto “os liberais não podem, simplesmente, querer dar ordens sobre tudo a toda a gente, como tentado fazer nas últimas décadas”.

É neste contexto, defende Putin, que Merkel cometeu um “erro crasso” quando decidiu deixar entrar mais refugiados na Alemanha, sobretudo provenientes da Síria. “O ideário liberal defende que não é necessário fazer nada. Defende que os migrantes podem matar, pilhar e violar com impunidade, porque os seus direitos enquanto migrantes estão salvaguardados”, atira Putin.

Comparando os refugiados a criminosos, Putin defende que “todos os crimes têm de ter um castigo” e, por essa razão, “a ideia liberal tornou-se obsoleta e choca com os interesses da esmagadora maioria da população”.

A entrevista ao Financial Times foi concedida em Moscovo, mas o enviado especial do jornal britânico à cidade japonesa onde decorre a reunião do G20 confrontou o presidente do Conselho Europeu, o polaco Donald Tusk, com as palavras de Putin. Tusk diz “discordar fortemente” com o líder russo, contrapondo que “aquilo que eu considero verdadeiramente obsoleto é o autoritarismo, o culto da personalidade e o poder dos oligarcas”.

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“Os traidores à pátria têm de ser punidos”

Os jornalistas do FT confrontaram ainda Vladimir Putin com o chamado caso Skripal — o duplo agente russo que, juntamente com a sua filha, foi alvo de uma tentativa de homicídio por envenenamento em Salisbury no Reino Unido. O caso tem provocado uma tensão diplomática entre britânicos e russos devido à reivindicação do Governo de Theresa May de que sejam entregues os dois russos (Alexander Petrov y Ruslan Boshirov) que são dados como os principais suspeitos da tentativa de homicídio.

Putin repetiu o que sempre disse (“não há provas do envolvimento do governo russo”) mas acrescentou:

A traição [à pátria] é o crime mais grave que pode ser cometido e os traidores têm de ser punidos. Não estou a dizer que o incidente de Salisbury é a forma mais indicada de o fazer… mas os traidores têm de ser punidos.”

Serguei Skripal foi condenado na Rússia por espionagem, tendo sido alvo de uma troca de espiões entre o Governo de Putin e o Reino Unido.

Sobre o tópico do liberalismo, ainda, Vladimir Putin rejeitou, também, as acusações de que o regime que lidera reprova e combate a diversidade sexual. “Não temos quaisquer problemas com as pessoas LGBT. Por amor de Deus, deixem-nos viver como quiserem”, diz Putin, recusando qualquer rótulo de homofobia. Porém, “algumas coisas parecem-nos excessivas, como eles dizerem que as crianças podem ter vários géneros, como cinco ou seis géneros diferentes”.

Devemos deixar toda a gente ser feliz, não temos qualquer problema com isso. Mas isso não pode ser mais importante do que a cultura, as tradições e os valores familiares de milhões de pessoas que constituem a maioria da população”.

Vladimir Putin rejeitou, ainda, as acusações de interferência nas eleições norte-americanas ou em outras votações no Ocidente — são “mitos”, garante — e mostrou preocupação com os riscos de confronto entre os EUA e o Irão. Essa é uma situação que se tornou “explosiva” e, na opinião do líder russo, tem origem no “unilateralismo” dos EUA e, também, na aparente falta de regras seguidas pela comunidade internacional. Até na Guerra Fria, diz Putin, havia um conjunto de regras que as grandes potências procuravam seguir, “agora parece que não existem quaisquer regras”.