A violência voltou a sair às ruas de Hong Kong esta segunda-feira, com os manifestantes a envolverem-se em novos confrontos com a polícia. Já há registo de 82 detidos, a polícia carregou e lançou gás lacrimogéneo e balas de borracha sobre a multidão em vários pontos da cidade e um carro feriu uma pessoa quando avançou sobre uma barreira. É a nona semana de protestos contra a polémica lei da extradição, com os manifestantes a pedirem ainda a demissão de Carrie Lam, líder do Executivo.

Para além dos protestos — que reuniram 30 mil pessoas em Sha Tin contra a lei da extradição, e milhares de outros manifestantes desorganizados por toda a cidade — o movimento pró-democracia marcou para esta segunda-feira uma greve geral que está a causar grandes perturbações nos transportes. O metro está paralisado em várias linhas e o serviço de comboio rápido que liga o centro da cidade ao aeroporto foi suspenso. Mais de 200 voos foram também cancelados.

Carros sobre a multidão, manifestantes atacam esquadra e há novo ataque das tríades

Às 10h locais, um carro avançou sobre uma barricada montada pelos manifestantes. Os populares tentaram bloquear a passagem do veículo, mas o condutor acelerou e rompeu a barreira. “O condutor ignorou as pessoas e continuou a acelerar” relatou ao The Guardian uma testemunha no local. Uma pessoa ficou ferida na sequência do atropelamento.

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Vários outros carros, entre eles dois táxis, acabaram por fazer o mesmo, ao não respeitarem as barricadas montadas pelos manifestantes. Não feriram ninguém por pouco, razão pela qual num dos locais a multidão reagiu em fúria, partindo os vidros do carro e esmurrando o condutor, de acordo com o editor da Bloomberg Aaron Mc Nicholas, que estava no local.

Os carros descontrolados não foram os únicos momentos de tensão ao longo desta segunda-feira. Vários vídeos que estão a circular nas redes sociais mostram momentos de confronto entre os manifestantes e a polícia, que utilizou gás lacrimogéneo e balas de borracha em pelo menos cinco locais diferentes.

À medida que o dia foi avançando, a violência foi subindo de tom. Quando já tinha caído a noite, os manifestantes atiraram tijolos a uma esquadra da polícia em Tuen Muen e provocaram pequenos incêndios à porta. As ações foram praticadas ao som do grito “Libertem Hong Kong, a revolução da nossa era”, segundo conta o jornalista do South China Morning Post Victor Ting.

De acordo com o mesmo jornal, foram ainda vandalizadas esquadras de polícia noutros locais, como Kwun Tong e Lam Tin.

Em North Point, a violência foi protagonizada não pelos manifestantes nem pela polícia, mas sim por pessoas não identificadas, vestidas de branco, que bateram nos manifestantes com barras de ferro. A forma de funcionamento é semelhante à que foi adotada pelas tríades (máfia chinesa) há cerca de duas semanas, quando atacaram manifestantes numa estação de metro.

“Alguns dos residentes disseram-nos que foram cerca de 20 tipos, com camisolas brancas e barras de ferro na mão, que estavam aqui neste cruzamento”, contou Cheung, um manifestante, à correspondente do Guardian no local. “Gritámos uns para os outros e eles precipataram-se sobre nós, agarraram-se às barricadas e bateram-nos. Depois mais de nós apareceram, eles correram por aquela estrada acima, para dentro daquele edifício e esconderam-se. Os residentes dizem que eles são gangsters de Fujian.

O que se passa em Hong Kong?

Desde o início dos protestos, há nove semanas, a polícia já deteve 420 pessoas, das quais 82 foram detidas já esta segunda feira. A polícia de Hong Kong anunciou também que lançou gás lacrimogéneo sobre os manifestantes em mil ocasiões e disparou cerca de 160 balas de borracha neste período.

A líder do executivo de Hong Kong já tinha alertado esta segunda-feira para o facto de a cidade estar “à beira de uma situação muito perigosa” devido aos protestos, reafirmando que o governo está determinado a garantir a ordem pública. Carrie Lam assegurou, no entanto, que não se vai demitir. Disse também que as ações de protesto estão a atingir sobretudo a classe trabalhadora, a desafiar o princípio “um país, dois sistemas” e a prosperidade da cidade, onde se vive o caos e a violência.

Hong Kong vive há dois meses um clima de contestação social desencadeado pela apresentação de uma proposta de alteração à lei da extradição, que permitiria ao Governo e aos tribunais da região administrativa especial a extradição de suspeitos de crimes para jurisdições sem acordos prévios, como é o caso da China continental.

Hong Kong: os mais de 20 detidos não impediram que milhares voltassem às ruas

A proposta foi, entretanto, suspensa, mas as manifestações generalizaram-se e denunciam agora aquilo que os manifestantes afirmam ser uma “erosão das liberdades” na antiga colónia britânica.

A transferência de Hong Kong e Macau para a República Popular da China, em 1997 e 1999, respetivamente, decorreu sob o princípio “um país, dois sistemas”, precisamente o que os opositores às alterações da lei garantem estar agora em causa. Para as duas regiões administrativas especiais da China foi acordado um período de 50 anos com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário, sendo o Governo central chinês responsável pelas relações externas e defesa.

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