Há quatro meses, Jorge Jesus era uma nova peça no Brasil. Hoje, Jorge Jesus é a peça no Brasil. Pelo meio, teve de sair do autocarro perante uma manifestação de desagrado dos adeptos no aeroporto e foi batendo uma série de recordes no Campeonato. Pelo meio, Rodrigo Caio subiu tanto de rendimento que voltou à seleção, Rafinha teve um elixir da juventude na lateral direita, William Arão passou de patinho feio a cisne para a exigente torcida do Flamengo, Gabriel Barbosa tornou-se o melhor ‘9’ do país com golos em jornadas e jornadas seguidas, Vitinho foi mostrando o porquê do pesado investimento, o jovem Reinier chegou ao conjunto principal. Depois, há Bruno Henrique, exemplo paradigmático do trabalho do português desde que chegou ao Rio de Janeiro.

O avançado é um dos raros casos de jogadores que chegam aos principais clubes brasileiros sem terem formação base de “grande”. Aliás, neste caso foi mesmo futebol amador, com as exibições pelo Inconfidência, do bairro Concórdia, a abrirem as portas do Cruzeiro. Não foi a melhor experiência, mudou-se depois para o Uberlândia, esteve cedido ao Itumbiara, subiu para o Goiás, teve a primeira e única temporada na Europa ao serviço dos alemães do Wolfsburgo a troco de 4,5 milhões de euros, voltou ao Brasil no ano seguinte via Santos por quase o mesmo valor. Esta época, assinou pelo Flamengo. E está no melhor momento da carreira aos 28 anos.

“Sei da importância que é estar no caminho de Deus. A minha família é toda da Igreja. Vou contar um testemunho do que aconteceu comigo em 2017 no Santos. Estava no auge, cotado para seleção, para equipas grandes da Europa, e no primeiro jogo do Paulista lesionei-me. Tive uma lesão na vista que me deixou afastado por sete meses. Fiquei pensando: por que tinha acontecido isso comigo? A gente não deve justificar com Deus quando as coisas acontecem. Hoje entendi o porquê – fizeram “macumbaria” para não chegar ao meu sucesso. Deus falou para ter paciência, que o melhor estava por vir. E hoje posso contar que foi o melhor que aconteceu na minha vida: ter sido chamado para a seleção e jogando na melhor equipa do mundo.Não conquistei nada ainda, mas se Deus quiser vai ser coroado com chave de ouro esse ano”, contou o avançado numa palestra na Igreja do Recreio, instituição evangélica da Zona Oeste do Rio, na semana passada.

Com ou sem “macumba”, é em Jesus que está o segredo para o momento de Bruno Henrique: explosivo, veloz mas com carências daquelas onde se nota a falta de “base” nos primeiros anos, o dianteiro tem estado com a mira afinada mas destaca-se sobretudo por ser a primeira barreira defensiva de uma equipa que estabilizou a nível de golos sofridos e fez disso a sua maior força para fazer a diferença na frente. William Arão, logo aos dez minutos, recuperou uma bola à entrada da área mas o remate acabou por sair fácil para Léo; em cima do intervalo, o avançado pressionou a saída a partir de trás, recuperou a bola e fez o 1-0 (45′). A meio, Lucas Silva foi carregado na área, o árbitro assinalou penálti mas voltou atrás

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O Athl. Paranaense, que à exceção de um período de 15/20 minutos em que preferiu não arriscar na primeira parte manteve-se sempre fiel aos seus princípios de jogo, ainda teve três bons remates para defesas complicadas de Diego Alves mas não conseguiu empatar até ao intervalo, apesar das tentativas do conjunto de Tiago Nunes que no início do consulado de Jesus eliminou o Flamengo da Taça, no desempate por grandes penalidades. Algumas nos primeiros 45 minutos, muitas mais no arranque da segunda parte: os visitados, sobretudo com Thonny Anderson a beneficiar das melhores chances, carregaram por completo no meio-campo contrário e foram vendo Diego Alves evitar o empate perante as substituições que Jesus (que viu amarelo) promovia na defesa.

Depois dessa fase de “sufoco”, onde a Arena da Baixada esteve próximo várias vezes de festejar o empate, a entrada de Piris da Motta para o lugar de Lucas Silva conseguiu estabilizar o Flamengo e deu mesmo duas grandes hipóteses no último quarto de hora com Éverton Ribeiro e Bruno Henriques, a dupla que vai falhar o próximo jogo em Forteza, na próxima quarta-feira, a ficarem perto do 2-0. A vantagem mínima no sintético onde Jesus se tinha estreado com um empate para a Taça do Brasil ia prevalecendo, Bruno Henrique bisou mesmo em cima do minuto 90 a passe de Éverton Ribeiro e o português voltou a bater mais um recorde, quebrando uma série de 45 anos sem vitórias para as provas nacionais na Arena da Baixada.

Há quatro meses, Jesus agarrou no Flamengo com a equipa a cinco pontos do líder, o Santos. E depois do desaire com o Bahia, o único sofrido pelo português no Campeonato (a que se juntam 13 vitórias e dois empates), esteve a oito pontos do primeiro lugar. Quatro meses depois, o conjunto do Rio de Janeiro comanda a prova, tem mais oito pontos do que o Palmeiras e leva já dez a mais do que o Santos, que empatou sem golos com o Internacional. Os números e os recordes ajudam o português no objetivo de criar um legado no Flamengo e no futebol do país sul-americano mas é por exemplos como o de Bruno Henrique que passa o principal segredo.