A contagem dos votos dos emigrantes foi concluída esta quinta-feira e uma das grandes surpresas foi a percentagem de votos nulos. Dos 158.252 boletins recebidos de emigrantes portugueses, 22,33% (35.331) foram anulados — quase tantos como os votos no PSD (23,42%). Nas legislativas de 2015, não tinham sido validados 3.071 votos de residentes no estrangeiro (10,83% do total). Porquê esta diferença? As mudanças nos procedimentos do voto por correspondência, que não foram entendidas por muitos emigrantes, e o aumento do número de eleitores ajudam a explicar os valores, diz ao Observador João Tiago Machado, porta-voz da Comissão Nacional de Eleições (CNE).

Antes destas legislativas, cada eleitor português com residência no estrangeiro que optasse pelo voto por via postal recebia em casa um envelope com: um boletim de voto, um envelope verde (dentro do qual teria de colocar apenas o boletim), um envelope branco (no qual caberia o envelope verde com o boletim, e a cópia do documento de identificação) e uma carta com as instruções.

Só que as regras mudaram e nestas legislativas os eleitores receberam apenas três documentos: o boletim de voto, o envelope verde e uma carta explicativa do procedimento que serviria, ela própria, de envelope. Para isso, o eleitor teria de colocar o documento de identificação e o envelope verde com o boletim sobre a carta, dobrá-la em três e colar as margens.

Mas “essa carta não foi entendida por muitas pessoas como um envelope“, explica João Tiago Machado. Por isso, muitos emigrantes acabaram por introduzir a cópia do documento de identificação no envelope verde, juntamente com o boletim de voto, e colocaram no exterior os dados do destinatário. “O voto é logo anulado, porque dentro do envelope verde só pode estar o boletim”, de forma a garantir que o voto é sigiloso, refere o responsável. Noutros casos, os eleitores enviaram um envelope com o boletim, mas sem o documento de identificação. E assim o voto também não pode ser validado.

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“O grosso dos votos nulos tem estas duas razões. Claro que houve aqueles nulos clássicos, em que a pessoa escreve um protesto, faz comentários menos próprios ou engana-se e põe a cruz fora do quadrado”, acrescenta.

[Veja o vídeo explicativo divulgado pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna antes das eleições]

João Tiago Machado justifica ainda o aumento dos votos nulos com o facto de o número de eleitores no estrangeiro ter subido devido ao recenseamento automático, que inscreveu nos cadernos eleitorais todos os portugueses residentes  no estrangeiro e que têm cartão de cidadão. No círculo da Europa, o número de inscritos passou dos 78.253 em 2015 para os 895.515 este ano — são 11 vezes mais eleitores. Já fora da Europa, estavam registados há quatro anos 164.273 portugueses; agora são 570.435.

Muita gente estava perante uma realidade nova — o voto por correspondência. Outros já estavam familiarizados, mas confrontaram-se com uma situação em que pensaram que só havia um envelope, por não perceberem que a carta em si era também o envelope”, conclui o porta-voz da CNE.

Entretanto, o Livre já pediu um “inquérito urgente” aos votos dos emigrantes, argumentando que “a complexidade do processo e das instruções fornecidas compôs outro obstáculo, desincentivando ao voto de alguns e levando a votos não intencionalmente nulos de outros. A alarmante percentagem de 22,3% de votos nulos é um reflexo desta complexidade desnecessária”.

O Observador contactou a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna para perceber a razão das alterações no procedimento de voto postal, mas ainda não obteve resposta.

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