Na tese de doutoramento que defendeu em 2013, o atual deputado do Chega, André Ventura, defendeu uma série de conceitos e de argumentos anti-populistas que entram em aparente contradição com o discurso político que agora adotou e que o levou à Assembleia da República nas passadas legislativas de 6 de outubro. Ao Diário de Notícias, que teve acesso à tese de doutoramento, André Ventura nega contradições, afirmando que a tese é uma questão de “ciência” enquanto o discurso político é “opinião”.

Em causa está a tese de doutoramento concluída em 2013 na Universidade de Cork, na Irlanda, que o Diário de Notícias consultou, mas cuja versão digital tem restrições de acesso, pedidas por André Ventura, até 2022. O agora deputado explica que essas restrições de acesso se devem ao facto de estar a pensar passar a tese para livros, devendo sair um volume em 2020. O tema da tese são as políticas anti-terrorismo que se seguiram ao 11 de setembro e o modo como essas políticas “do medo” transformaram os sistemas judiciais e policiais do Ocidente, criando, segundo André Ventura, uma espécie de “lei criminal do inimigo” que, diz, põe em risco os fundamentos-base da democracia.

Segundo defendia André Ventura no trabalho académico, as políticas anti-terroristas são “medidas restritivas e altamente intrusivas das liberdades dos cidadãos, que nunca seriam possíveis num contexto normal”, e que encontram o seu fundamento apenas “no medo”, o que provoca uma “alta conflitualidade social e um aumento da suspeição em relação a determinadas comunidades”. Nesse contexto, André Ventura, académico, mostrava-se então preocupado com a discriminação e a “estigmatização” das minorias e alarmava-se com a expansão dos poderes policiais, criticando nomeadamente as detenções “sem provas concretas”.

A tese em causa, de 267 páginas, foi o resultado de uma investigação financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e orientada por Caroline Fennell, membro do conselho executivo do Centro de Lei Criminal e Direitos Humanos da Universidade de Cork, que pertence à Comissão Irlandesa para a Igualdade e Direitos Humanos. O título, em inglês, é “Towards a new model of criminal justice system in the era of globalised criminality: the biggest challenges for criminal process legislation” (“Para um novo modelo de sistema de justiça criminal na era da criminalidade globalizada: os grandes desafios para a lei de processo penal”).

O autor da tese é o mesmo que, agora, foi eleito deputado à Assembleia da República, pelo Chega, com um programa eleitoral que se assume como “partido securitário” e da “direita identitária”, que defende “uma política comum de defesa contra a invasão maciça dos países do sul do mediterrâneo”, e que defende a abolição das “autorizações de residência para proteção humanitária”. Mais: é o mesmo que, em 2016, logo após o ataque terrorista de julho em Nice, defendia “um olhar diferente sobre as comunidades islâmicas na Europa”. “Poderemos fazer qualquer prevenção que seja quando estas comunidades são, em alguns países, de milhões de habitantes ou, em algumas cidades, 25% da população? Creio que não… e por isso mesmo não vejo outra solução que não seja a redução drástica da presença islâmica na União Europeia”, escrevia na altura no Facebook.

Questionado pelo Diário de Notícias sobre as aparentes contradições, André Ventura rejeita a ideia. “A minha tese não é uma questão de opinião, é uma questão de ciência”, disse. “Sempre distingui muito bem a parte científica da parte opinativa”, acrescentou ainda quando questionado por aquele jornal.

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