Sete meses depois, Jorge Jesus estava mesmo num jogo do Vasco da Gama mas, ao contrário do que se pensava nessa altura, a área técnica por onde andava era a contrária ao clube. Mais: era mesmo do principal rival. Recuando a fita neste ano louco do treinador português, entre as muitas abordagens que recebeu depois de sair do Al Hilal uma delas foi da formação carioca, à procura de um novo rumo depois da derrota no Estadual e do mau início de Campeonato. A questão salarial acabou por ser o grande entrave antes de se chegar à fase decisiva e após um primeiro contacto de Alexandre Faria, diretor do futebol. A seguir, pouco mais de um mês depois, Jesus assinou pelo Flamengo. E não demorou a assumir um plano de destaque tal que se tornou o centro do “Clássico dos Milhões”.

Quando o português fez o primeiro dérbi entre Flamengo e Vasco da Gama, no Mané Garrincha, estava ainda a tentar recuperar da distância pontual para o primeiro lugar (quando perdeu com o Bahia, duas rondas antes, ficou a oito pontos do topo), vencendo por 4-1 no segundo jogo de uma série que se tornaria histórica nunca os rubro-negros tinham alcançado sete vitórias seguidas no Campeonato, registando nessa série oito triunfos consecutivos. Agora, 18 partidas depois, com a conquista de 50 dos 54 pontos que disputou, chegava a este dérbi antecipado por causa da final da Taça dos Libertadores e a poder fazer a festa do título no domingo em caso de vitória.

Depois de desbloquear o jogo com o Bahia, Reinier era titular com o Vasco da Gama

As contas são simples: em caso de vitória esta quarta-feira perante o Vasco, o Flamengo teria de ganhar ao Grémio — que eliminou nas meias-finais da Libertadores — no domingo e esperar que o Palmeiras não vença o Bahia. Mas a Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas, citada pela FOX brasileira, garante que as chances de essa conjugação acontecer não ultrapassam os 16%. E primeiro, era preciso ganhar no Maracanã ao Vasco da Gama de Vanderlei Luxemburgo, do ex-FC Porto Guarín e do ex-Benfica e Sporting Bruno César.

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Na antevisão, Jorge Jesus não criou artimanhas. Disse que tinha o plantel inteiro à disposição e que o plano para o dérbi do Rio de Janeiro era atuar “na máxima força”. Até porque, numa análise rápida, ganhar ao Vasco da Gama significava ficar confortável o suficiente para poder gerir a equipa no domingo, na última partida antes da final da Libertadores. Jesus lançava então aquele que deverá ser o onze inicial na final de Lima, no Peru, contra o River Plate: trocando apenas De Arrascaeta, ainda limitado fisicamente, pelo jovem Reinier, que desbloqueou o último encontro com o Bahia depois de sair do banco.

Na antecâmara do jogo com o Vasco da Gama, o Ninho do Urubu, a caixa-forte do Flamengo, recebeu a visita de Zico, o jogador brasileiro que era a grande figura da equipa que conquistou a única Libertadores da história do clube, em 1981. Jorge Jesus, ao receber Zico, perguntou-lhe se estava “pronto para jogar” esta quarta-feira e garantiu que vai tentar repetir o que o grupo de há quase 40 anos conseguiu — ganhar a Libertadores. Mas não precisou de Zico nem sequer de um minuto de jogo para chegar à vantagem perante o Vasco. No primeiro lance da partida, antes ainda de o relógio apontar 40 segundos desde o apito inicial, Reinier arrancou pela esquerda e deixou vários adversários para trás para cruzar para a zona da pequena área; Gabigol desviou ligeiramente e o capitão Éverton Ribeiro, ao segundo poste, disparou para inaugurar o marcador.

Ainda assim, e apesar de ter arrancado a partida praticamente a perder, o Vasco da Gama não abdicou da estratégia que tinha delineado para o jogo e mostrou desde logo uma reação exemplar, com um meio-campo muito sólido que alavancava subidas rápidas de Rossi ou Marrony e procurava a profundidade nas costas da defesa do Flamengo. A equipa de Jorge Jesus, confortável e relaxada depois do golo inaugural, estava a cometer erros desnecessários de critério e decisão — com principal expoente em Bruno Henrique, que estava muitos furos abaixo do habitual — e oferecia praticamente toda a iniciativa ao Vasco, que jogava sem um ‘9’ destacado e não tinha pruridos em tentar chegar ao último terço adversário. Mais perto da baliza do conjunto de Vanderlei Luxemburgo, Gabigol estava muito móvel e recuava de forma constante para oferecer linhas de passe e levar jogo para a grande área, mas não ou não era solicitado ou acabava por ficar sem soluções: o que levava Jorge Jesus à loucura. No banco de suplentes, o treinador português agia como se não estivesse a ganhar. E bastaram quatro minutos para se perceber porquê.

Já para lá da meia-hora, o Vasco da Gama lançou-se num dos inúmeros contra-ataques que tinha tentado depois do apito inicial — e aproveitando o facto de Pablo Marí, um dos centrais, estar muito adiantado no terreno — por intermédio de Rossi. Tombado na esquerda, o avançado cruzou já no vértice da grande área; Marrony, na zona central, aproveitou um primeiro toque para rematar e empatar (34′). Apenas dois minutos depois, sem que o Flamengo pudesse sequer reagir ao golo sofrido, Pikachu assinou um lance individual delicioso na direita e acabou por ser travado em falta por Rodrigo Caio já dentro da grande área. Na conversão, o próprio capitão do Vasco bateu Diego Alves e confirmou a reviravolta no Maracanã (38′).

Até ao intervalo, o Flamengo procurou reagir e acabou por conseguir repôr a igualdade na altura mais importante — o último lance da primeira parte. Gabigol começou uma jogada ensaiada, com origem num livre em zona central, Rafinha recebeu em desmarcação na direita mas a bola desviou num jogador do Vasco e entrou na baliza (45+5′). No fim do primeiro tempo, o Flamengo não estava a perder graças a um lance caricato e de sorte e precisava de fazer mais para chegar à vitória e evitar que o Vasco da Gama se adiantasse, já que a equipa de Vanderlei Luxemburgo estava bem na partida e não parecia pronta para abdicar do resultado.

O capitão Éverton Ribeiro marcou o primeiro golo do jogo logo durante o primeiro minuto

No regresso para a segunda parte, Jorge Jesus provou que não era bluff quando falou de máxima força na antevisão e trocou Reinier por De Arrascaeta, numa decisão que tinha como objetivo claro chegar à vitória. Mesmo com uma entrada forte, personificada por dois lances de velocidade de Gabigol, o Flamengo acabou por voltar a ver-se em desvantagem logo nos primeiros minutos da segunda parte, numa jogada que deixou visíveis a fragilidade defensiva da equipa nesta quarta-feira, provocada por uma certa desconcentração e apatia. Rossi e Pikachu tiveram todo o tempo do mundo para combinar na ala direita, temporizar, esperar e tomar a melhor decisão: foi o avançado, depois de assistir para o primeiro golo do Vasco, que voltou a fazer o passe decisivo para Marcos Júnior, que apareceu totalmente sozinho na grande área e só precisou de rematar de primeira para bater Diego Alves (52′).

Mesmo em desvantagem, o Flamengo ia mostrando dificuldades em pegar no jogo e continuava a cometer erros alarmantes no setor mais recuado — como principal boa notícia, Jorge Jesus tinha a entrada oficial de Bruno Henrique na partida, já que o avançado brasileiro acordou da primeira para a segunda parte e assinou várias das habituais travessias vertiginosas no corredor esquerdo. Foi desta forma, graças à velocidade de Bruno Henrique, que o Flamengo acabou por conseguir chegar novamente ao empate sem ter feito muito por isso. O avançado recuperou uma bola na zona do meio-campo, conduziu de forma rápida até à grande área, solicitou De Arrascaeta na esquerda e o uruguaio assistiu de primeira para o remate final de Bruno Henrique (65′), que recebia assim a recompensa por 20 minutos de bom aproveitamento.

O terceiro golo sofrido fez com que o Vasco da Gama começasse a abrir espaço entre os dois centrais e na faixa central, algo que ainda não tinha acontecido durante toda a partida, e partisse para uma dimensão mais física e quezilenta do jogo para não permitir que o Flamengo, superior a nível individual, conseguisse chegar com perigo à grande área de Fernando. O desbloqueio, tal como tinha acontecido com o terceiro golo, apareceu por intermédio de Bruno Henrique, que apareceu ao segundo poste a concretizar um lance que começou com um cruzamento de Vitinho desviado por Gabigol (80′).

Naquela que já vem sendo uma tendência neste Flamengo de Jorge Jesus, a equipa do Rio de Janeiro realizou uma segunda parte muito acima da primeira e acabou por conseguir superiorizar-se a um Vasco da Gama que causou muitos problemas a uma defesa adormecida e desconcentrada — um facto que acabou por roubar a vitória aos rubro-negros. Já no terceiro de seis minutos de descontos, o Vasco conseguiu chegar novamente ao empate por intermédio de Ribamar, num lance onde Diego Alves e os centrais não se coordenaram e acabaram por permitir que o adversário ganhasse uma bola no meio dos três (90+3′).

Jorge Jesus, com as substituições que empreendeu, as entradas de De Arrascaeta e Vitinho, esteve muito perto de resolver a partida, já que potenciou o jogo do quase decisivo Bruno Henrique, que ficou soltou no corredor, onde consegue explodir de forma mais recorrente. No próximo domingo, contra o Grémio — onde não vai ter Bruno Henrique, Arão e Gerson, todos castigados por acumulação de amarelos –, o Flamengo vai realizar a última partida antes da final da Libertadores mas ainda não poderá ser campeão. O dérbi do Rio de Janeiro, que teve oito golos, 48 faltas e 11 cartões amarelos, terminou ainda com confrontos entre os jogadores das duas equipas, ainda no relvado, depois de uma provocação de Ribamar a Pablo Marí que teve rapidamente a intervenção de Ricardo Graça: Jorge Jesus correu imediatamente para dentro de campo para afastar os próprios jogadores do conflito e tudo ficou sanado em poucos segundos, apesar dos ânimos exaltados.