Keep calm and carry on. Não foi esta a frase escolhida pelo Governo de Boris Johnson para acalmar os britânicos, mas o espírito da declaração do ministro Chris Skidmore é o mesmo da mítica expressão de 1939 que pretendia encorajar os cidadãos a não perderem a calma, caso os nazis invadissem a Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial. Agora não se trata de um invasão, mas antes de uma saída. Com o Brexit e o adeus à União Europeia a serem mais reais de dia para dia, as consequências diretas para a vida dos britânicos ganham nova dimensão. O fim do Erasmus, o programa que permite aos europeus estudar no estrangeiro, é um deles. E as redes sociais não gostaram da notícia.

Na quarta-feira à noite, o Partido Conservador de Boris Johnson travou uma emenda proposta pelos Liberais Democratas, rejeitada com 344 votos contra e 245 a favor, com a qual pretendiam que a continuação do Erasmus fosse vista como uma prioridade na negociação do acordo de saída, avança o The Guardian. O resultado da votação foi lido pela opinião pública como uma vontade política do primeiro-ministro de abandonar o programa da União Europeia de troca de estudantes.

As reações negativas nas redes sociais não se fizeram esperar e foi também com uma publicação no Twitter que o ministro de Estado das Universidades, Ciência, Pesquisa e Inovação tentou acalmar os ânimos.

“A votação de ontem à noite — um jogo dos partidos da oposição — não acaba nem termina com a participação do Reino Unido no Erasmus depois da saída da UE. Mantemos-nos abertos à participação e este tema fará parte das futuras negociações com a UE — valorizamos muito o intercâmbio internacional de estudantes”, escreveu o governante, já ao final da manhã de quinta-feira.

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Depois da publicação da Câmara dos Comuns na sua página oficial do Twitter, onde dava conta do chumbo da cláusula referente ao Erasmus, os internautas foram duros nas críticas. “As perspetivas de futuro dos meus filhos acabaram de ficar consideravelmente limitadas”; “Só a elite rica britânica poderá ter os filhos a estudar no estrangeiro e só os europeus ricos poderão estudar no Reino Unido”; “A Câmara dos Comuns devia envergonhar-se”; “Um dia negro para a Democracia”.

Entre os muitos tweets de resposta, há até um em que o utilizador revela que conheceu a sua mulher graças ao programa Erasmus. “Por favor, desculpem-me se neste momento odeio a democracia parlamentar britânica por tomar decisões como esta.”

Tanja Bueltmann, professora da Northumbria University e especialista em história de migração e da diáspora, escreveu: “O Erasmus fez de mim quem sou. Permitiu-me, enquanto estudante da classe operária, e sem ter outros meios que me permitissem passar um ano no exterior, estudar na Universidade de Edimburgo. Foi aí que me interessei pela história e pela migração escocesa. Sem Erasmus, não estaria a fazer o que faço hoje. Isto  parte-me o coração.” A alemã que vive atualmente no Reino Unido é conhecida pelas suas posições públicas anti-Brexit.

O jornal britânico The Guardian cita uma fonte oficial do Departamento de Educação para afastar a possibilidade de o Erasmus ter os dias contados: “O governo está comprometido em continuar o relacionamento académico entre Reino Unido e UE, inclusive através do próximo programa Erasmus+, se for do nosso interesse fazê-lo. A votação não muda isso.”

A 28 de março do ano passado, o Parlamento Europeu aprovou o programa Erasmus+ para 2021-2027, com a intenção de triplicar o seu financiamento. Dias antes, a 13 de março, os eurodeputados concordavam manter o financiamento de todas as atividades de mobilidade para fins de aprendizagem Erasmus+, caso o Reino Unido saísse da UE sem acordo.

Nesta quinta-feira, horas depois da primeira publicação, o ministro Chris Skidmore voltou ao assunto no Twitter: “A participação no Erasmus está protegida pelo acordo de retirada e estamos abertos à participação no programa que sucede o Erasmus a partir de 2021 — isto fará parte das futuras negociações com a UE quando o esquema for finalizado.”

Assim, tudo indica que o Erasmus será para manter, desde que os contornos do novo programa sejam do interesse ao Reino Unido.