Manuel Sigauque, 16 anos, começou a ter “manchas estranhas” na cara e nos braços, manchas que quase o deixaram deformado, no início de novembro, duas semanas antes de lhe ser diagnosticado pelagra, uma doença associada a desnutrição.

“Eu sentia muita dor, tinha febres altas e estava sempre fraco”, descreve à Lusa.

Antes de ser levado a um hospital foi assistido por uma curandeira, porque a família acreditava que “aquelas ‘queimaduras’ podiam ser fruto de feitiçaria”.

Sem progressos, o adolescente acabou no centro de saúde em Munhinga, nas entranhas do distrito de Sussundenga, centro de Moçambique.

A família abandonou as crenças quando uma mulher adulta da aldeia, a dois quarteirões, foi diagnosticada com os mesmos sintomas e recebeu uma prescrição de reposição vitamínica, e recomendação de consumo de mais legumes.

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Os dois casos constam das estatísticas classificadas como “preocupantes” pelas autoridades de saúde da província de Manica, porque o surto de pelagra está associado à deficiência nutricional, agravada pelos efeitos do ciclone Idai.

Milhares de hectares agrícolas, que são base da alimentação da região, ficaram perdidos na época de colheita, por causa da destruição causada pelo ciclone em março de 2019 nas províncias de Manica e Sofala.

Dados da direção provincial de Saúde de Manica indicam que desde a eclosão da doença, em julho, 66 casos foram diagnosticados, com tendência a subir nos distritos de Sussudenga – com maior prevalência – seguidos de Macate, Chimoio, Tambara, Gondola, Mossurize, Guro e Vanduzi.

“A doença não é comum nas comunidades e há muito tempo que não era diagnosticada”, precisou à Lusa, Xavier Isidoro, chefe de Saúde Pública em Manica, adiantando que, desde que foi identificado o primeiro caso, as autoridades sanitárias iniciaram buscas que permitiram diagnosticar novos casos.

“Os distritos estão a fazer buscas ativas dos casos e rastreio da doença nas comunidades”, acrescentou Xavier Isidoro.

Sendo a doença de base nutricional, prosseguiu, as unidades sanitárias e outros grupos comunitários estão a fazer demonstrações culinárias com base em produtos locais para corrigir a deficiência da vitamina B3 no organismo.

“Fazemos uma mistura que pode tornar os alimentos ricos em vários nutrientes e com isso melhorar a saúde da população”, disse.

A diretora nacional adjunta para Saúde Pública, Maria Benigna Matsinhe, alertou, em entrevista à emissora estatal Radio Moçambique, que, caso não se altere o quadro nutricional da população nas províncias de Manica e Sofala, estima-se que 60 mil pessoas poderão desenvolver pelagra até maio.

Agora com uma dieta rigorosa, Manuel Sigauque, trocou o prato mais comum da aldeia, xima (farinha de milho com peixe seco) e aprendeu a comer papas de inhame ou banana verde com folhas de abóbora e amendoim, entre outros “cocktails” de legumes.