Miguel Matos acordou esta segunda-feira por volta das 8h da manhã e a primeira coisa que fez foi falar com a família, que está no Norte do país. Foram menos de oito horas de sono para este português, um dos 20 cidadãos — 16 portugueses residentes em Wuhan, dois diplomatas também portugueses e residentes em Pequim e duas cidadãs brasileiras também de Wuhan— que chegaram ao final do dia e domingo ao aeroporto de Figo Maduro, vindos da China.

Chegou ao Hospital Pulido Valente, onde irá passar as próximas duas semanas em isolamento profilático, já passava da meia noite. Ao Observador, contou que esta manhã, depois de falar com a família, tomou o pequeno-almoço sozinho no seu quarto, como ditam as regras de segurança. Essas mesmas normas obrigam-no a andar de máscara sempre que quiser sair do seu quarto, mas pode vestir a sua própria roupa. Durante a manhã, esteve com os restantes 15 portugueses que também estão no hospital — os outros cinco estão no Parque da Saúde de Lisboa, também em isolamento —, numa sala comum com televisão, “cadeiras confortáveis” e sofás.

“Estivemos a falar uns com os outros, a tentar ver as notícias”, conta o treinador de futebol, de 43 anos, que foi um dos portugueses que pediram para regressar ao país por causa do coronavírus, que já matou mais de 360 pessoas. “Estamos a estudar entre nós a melhor forma de passarmos o tempo.

As normas obrigam a andar de máscara sempre que quiser sair do seu quarto, mas Miguel pode vestir a sua própria roupa

A verdade é que este é apenas o primeiro dia de 14 que estes repatriados estarão sem contactos com o mundo exterior:

Queremos que este tempo passe para voltarmos às nossas vidas“, diz o português, natural de Guimarães, que ao Observador recordou a “muito longa viagem” de regresso a Portugal.

“Foi muito longa, porque tivemos de atravessar uma série de controlos de saúde”, relata. O primeiro controlo foi logo feito em Wuhan, a cidade chinesa que é o epicentro do vírus e onde vivia Miguel Matos. Um controlo “muito apertado” e demorado: “Éramos 25o passageiros”, recorda. “Depois, em Marselha, foi mais simples. Os franceses foram para um lado e as outras nacionalidades para outro.”

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Miguel Matos relata a viagem de regresso a Portugal

O grupo de 20 cidadãos foi depois encaminhado para “o avião português” e, à chegada a Portugal, tudo foi mais calmo. “Fomos recebidos por três médicos ainda em Figo Maduro. Tivemos as nossas consultas individuais, em que quiseram, no fundo, retificar aquilo que já tínhamos dito em Wuhan“, conta o português. “Uma conversa” em que os médicos perguntaram aos cidadãos se tinham algum tipo de sintomas e como passaram os últimos dias para saber se havia probabilidade” de terem contraído o vírus.

Fatos de proteção, passageiros isolados e 30 horas de trabalho. Os detalhes do regresso dos portugueses de Wuhan

De seguida, Miguel Matos e outras 15 pessoas foram encaminhadas “nas carrinhas do INEM” para o Hospital Pulido Valente. “Aí fizemos análises mais pormenorizadas. Fizemos análises de sangue e análise da cavidade oral e nasal. Depois cada um foi para o seu quarto, descansar”, diz o português, que descreve como sendo “um quarto normal de hospital para condições de quarentena”.

“Não é nenhum hotel de 5 estrelas, é um quarto normal, com televisão.“, revelando que tem consigo aquilo que trouxe da China, incluindo um computador — que ainda não ligou. Segundo o próprio, ninguém os proibiu de levar o que quer que fosse para o hospital: “Não nos foi dito nada, porque tínhamos noção de que vínhamos para uma quarentena. Estamos preocupados com a nossa saúde e com a saúde dos outros.”

A chegada dos repatriados ao Hospital Pulido Valente, onde irão ficar em isolamento profilático durante 14 dias (Sara Matos / Global Imagens)

A notícia do resultado das análises foi dada aos repatriados esta manhã pela equipa de médicos: “Felizmente, acusou negativo para todos”, conta o treinador de futebol, acrescentando que estes profissionais de saúde passam pelo hospital “periodicamente” e, caso seja necessário, também é possível entrar em contacto com eles. “Estamos a ser bem acompanhados desde o início. Está a haver um certo cuidado porque não é um caso vulgar.”

Miguel Matos conta como foi a viagem até ao Hospital Pulido Valente

Miguel Matos pouco mais soube adiantar sobre os profissionais de saúde, mas Luís Estanislau, outro português que está em isolamento no Pulido Valente, contou ao Expresso que estão sempre dois enfermeiros “de máscara, luvas e bata”, além de “coisas na cabeça e óculos.”

O convívio entre estes cidadãos de quarentena tem de ser feito sempre respeitando as normas de segurança: “Não podemos sair do quarto sem máscaras, temos de desinfetar as mãos a toda a hora, mas conseguimos circular.”

Miguel Matos descreve normas de segurança e como contacta com a família

“Estão a fazer tudo para que, no fundo, possamos passar o tempo da melhor maneira possível. Estão a tentar criar um ambiente agradável“, relata Miguel Matos, que aproveita para “agradecer à embaixada em Pequim” e aos diplomatas — “que estão aqui connosco” — tudo o que fizeram pelos cidadãos portugueses. “Sei que foi o trabalho deles, mas foi um trabalho bem feito e de bom grado.

Relativamente ao que irá fazer depois dos 14 dias em isolamento, Miguel Matos não hesita: “Vou logo diretamente para o Norte, para estar perto da minha mulher, da minha filha, da minha mãe, dos meus irmãos, para poder desfrutar estes dias em Portugal”. Não sabe dizer quanto tempo vai ficar no país, mas considera que, “antes de 30 a 45 dias”, a situação em Wuhan “não volta à normalidade”.

Está confiante que ainda terá o seu emprego quando regressar, até porque foi a sua entidade patronal que lhe disse para regressar ao seu país para estar com a família. “Ninguém treina na China, os campeonatos foram cancelados. Embora o problema fulcral seja em Wuhan, em toda a China aparecem casos e as pessoas estão preocupadas“, conta o português.

Tenho dito aos meus amigos que isto é como os filmes que vemos, com cidades fantasmas e em que ninguém pode sair de casa. Infelizmente, isso aconteceu-me e aconteceu numa cidade de 12 milhões de pessoas, que está praticamente parada.”