O espaço Fábrica Braço de Prata, em Lisboa, que acolhe exposições, concertos, espetáculos performativos e aulas de estímulo à criação cultural, publicou esta quinta-feira um comunicado com críticas corrosivas às últimas medidas de contenção impostas pelas autoridades devido à propagação do surto do novo coronavírus.

No comunicado publicado esta quinta-feira à noite, em que anuncia encerrar atividades desta sexta-feira em diante, a Fábrica Braço de Prata defende que “todas as medidas sanitárias impostas pela epidemia do Coronavírus respondem a uma agenda política securitária” e acusa: “Em nome da proteção dos cidadãos, suspendem-se todos os seus direitos políticos“.

O caso da China é o mais revelador. Mas, diante do vírus, não apenas Xi Jinping, mas Putin e Trump tornam-se os heróis do momento. Eles querem convencer-nos que tudo deve ser sacrificado à necessidade de salvaguardar a saúde de cada um de nós”, lê-se no texto publicado nas contas oficiais do espaço nas redes sociais.

Falando num “colapso induzido” e garantindo que foram adotados no espaço “desde o início todos os cuidados sanitários”, a Fábrica Braço de Prata reage assim à posição assumida pelo primeiro-ministro esta quinta-feira à noite, em conferência de imprensa: “Com o anúncio da decisão governamental de encerrar todas as escolas e de apelar a uma quarentena generalizada, deixou de fazer sentido a nossa luta por manter abertas as nossas salas de concerto, a nossa livraria e o nosso restaurante. Em assembleia geral, decidimos por unanimidade encerrar todas as atividades (…) até 31 de março”.

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O espaço diz ainda que o dia de encerramento da Fábrica Braço de Prata “será a pior sexta-feira 13 da nossa longa história”. E acrescescenta: “Com esta decisão estamos a adiar, e em alguns casos simplesmente a anular, mais de 60 concertos, uma dezena de laboratórios de performance, vários lançamentos de livros, para não falar em quase uma centena de aulas da nossa escola de música. É uma catástrofe para os músicos que contavam com as nossas bilheteiras, uma catástrofe para os nossos vizinhos que se habituaram a almoçar e jantar a baixo custo no nosso restaurante, uma catástrofe para os nossos alunos que fizeram da Fábrica o seu habitat quotidiano, onde estudam, ensaiam e comem”.

Façamos, então, todos quarentena, mas uma quarentena de combate. Contra aqueles que nos querem convencer que vivemos tempos onde a política se tornou uma governação biológica, é urgente mostrar como a vida que é importante salvar é a vida das experiências de criação e de festa, a vida dos encontros, a vida que procura sempre novas formas de vida”, lê-se ainda.

O comunicado termina do seguinte modo: “Que a quarentena da Fábrica seja apenas o recuo para um salto civilizacional”.

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Contra vírus e marés Sabemos que todas as medidas sanitárias impostas pela epidemia do Coronavírus respondem a uma agenda política securitária. Estamos sob um “estado de excepção”. Em nome da protecção dos cidadãos, suspendem-se todos os seus direitos políticos. O caso da China é o mais revelador. Mas, diante do vírus, não apenas Xi Jimping, mas Putin e Trump tornam-se os heróis do momento. Eles querem convencer-nos que tudo deve ser sacrificado à necessidade de salvaguardar a saúde de cada um de nós. A Fábrica do Braço de Prata tem resistido a este colapso induzido. Adoptámos desde o início todos os cuidados sanitários. Conseguimos assim manter até hoje toda a nossa programação. Não cancelámos um único concerto, um único evento performativo, uma única aula da escola de música, uma única exposição. Hoje, porém, fomos confrontados com uma situação absolutamente nova. Com o anúncio da decisão governamental de encerrar todas as escolas e de apelar a uma quarentena generalizada, deixou de fazer sentido a nossa luta por manter abertas as nossas salas de concerto, a nossa livraria e o nosso restaurante. Em assembleia geral, decidimos por unanimidade encerrar todas as nossas actividades a partir de amanhã, e até 31 de Março. É uma forma de proteger os nossos colaboradores do perigo de contágio. Mas é também uma limitação dos cenários públicos de pequenas multidões. Encerrar a Fábrica a partir de amanhã será a pior Sexta-feira 13 da nossa longa história. Com esta decisão, estamos a adiar, e em alguns casos simplesmente a anular, mais de 60 concertos, uma dezena de laboratórios de performance, vários lançamentos de livros, para não falar em quase uma centena de aulas da nossa escola de música. É uma catástrofe para os músicos que contavam com as nossas bilheteiras, uma catástrofe para os nossos vizinhos que se habituaram a almoçar e jantar a baixo custo no nosso restaurante, uma catástrofe para os nossos alunos que fizeram da Fábrica o seu habitat quotidiano, onde estudam, ensaiam e comem. [Continua nos comentários]

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Esta quinta-feira à noite, o Governo colocou o país em “estado de alerta” devido à propagação da epidemia do novo coronavírus, que já matou quase cinco mil pessoas em todo o mundo. Foi ainda decretado o encerramento das escolas, apoios fiscais a empresas, fecho de discotecas e limitações ao número de clientes em restaurantes e centros comerciais. “Esta é uma luta pela nossa própria sobrevivência”, apontou mesmo o primeiro-ministro António Costa.

Ao todo, Portugal tem já 112 casos confirmados de infeção com o novo coronavírus. Há 11 cadeias de transmissão ativas, 1.308 casos suspeitos de infeção, 172 pessoas à espera de resultados de testes e 5.674 contactos de infetados a ser vigiados pelas autoridades.