Maria (Beatriz Barbosa) é jovem, trabalha como empregada doméstica e, como tantos outros da sua geração, não larga o telefone, nem a realidade virtual que por lá se vive. Porque deseja outra vida, em especial a da sua instagramer favorita, Inêsperada (Teresa Tavares), e tudo o que esta personagem aparenta ter, ao percorrermos os seus posts. Mundos opostos que não se tocam à primeira vista, mas que se cruzam assim que Maria abre um portal, dentro de um caixote do lixo, que a leva para a vida da sua influencer preferida. A partir daqui, abre-se uma nova porta entre universos que, por se tocarem, vão agora transformar-se.

Porque neste mundo virtual, todos são clones de utilizadores, com emoções reduzidas, fabricadas pelo seu perfil de conta. Ou seja, as redes sociais ganham um corpo e uma forma — e também consequências negativas. Cai, por instantes, a máscara da #felicidade, dos emojis sorridentes, das últimas tendências e das vidas glamourosas. Esta é a história de “Instaverso”, nova aposta da RTP Play, com estreia marcada para esta segunda-feira. Gravada em dezembro do ano passado, quando a pandemia da Covid-19 ainda não tinha entrado na nossa realidade, “Instaverso” foi realizada por António Cerqueira e escrita por Rodrigo Prista.

Para Teresa Tavares, a estreia da série não podia calhar numa altura mais irónica. “Já nem podemos falar em distopia agora, é muito estranho ter esta conversa sobre a série nesta altura. Porque esta história fala de como não te podes aproximar do mundo virtual, porque quando lá chegas, é como se se começasse a partir à tua frente, porque dá-te uma ilusão da realidade que não existe”, começa por contar ao Observador. A atriz, que confessa que seria “impensável pensar na realidade que vivemos na altura em que foi gravada”, acredita, porém, que nestes tempos novos, existe um luxo ainda maior: o da intimidade, o do toque, do abraço.

[o trailer de “Instaverso”:]

Essa intimidade que desejamos hoje ao estarmos fechados em casa, e que só se concretiza através de um ecrã, acaba por se concretizar em “Instaverso”. Sim, quebra-se a quarta parede, mas de uma forma falsa e plástica, já que Maria deseja ser como a Inêsperada, viver a sua vida, mas acaba por se afastar de si própria. “ Quando ela se aproxima do que deseja, percebe que afinal não é uma ‘princesa’, mas sim uma ‘bruxa’. Foi algo que discutimos durante a criação das personagens, porque muito do que tu gostas ou vês, é porque te estás a reconhecer naquilo. É a ideia de ‘eu quero ser como aquela pessoa’, mas acabas por te afastar de ti próprio, e também não te aproximas da outra pessoa, porque se trata de uma ilusão”, afirma.

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A série tem, portanto, um lado mais negro, que faz muito lembrar “Black Mirror”, série distópica que ganhou visibilidade global na Netflix e que é um dos maiores sucessos de ficção dos últimos anos, por nos transportar para realidades distantes, que, afinal de contas, não estão assim tão longe. Em “Instaverso”, que conta com cinco episódios de 15 minutos, a narrativa é, contudo, diferente, por ser só uma.

As consequências deste choque entre universos apresenta-se primeiro com um tom provocatório e cómico, mas, depois, torna-se cada vez mais subversivo.

“Há um lado de ironia constante, já o negro vai-se descobrindo. No início percebes o fascínio da Maria pela minha personagem, o lado meio robótico de todos aqueles clones que vivem no instaverso. Depois alarga mais para uma outra reflexão. Mas acho que para quem vê, se vai passar do patamar de simpatia ou antipatia, para uma coisa em que pensas: ‘caraças, para onde é que estamos a caminhar?’”, diz.

Porque tanto a distopia de uma pandemia que agora é realidade, como a ficção desta série, acabam por deixar todos a pensar se falta assim tanto para chegarmos àquilo que nos habituámos a ver em filmes, livros ou séries. “De repente, vemos tudo isso a acontecer e quando acontece tem este lado de normalidade, que é o mais desconcertante. De um dia para o outro, o mundo está a mudar, e tu estás lá no meio a ir comprar o pão”, comenta a atriz. Porque assim que o estado de emergência terminar, e assim que os cinco episódios de “Instaverso” terminarem, fecha-se, por momentos, o universo virtual, e temos todos de voltar para a rua, em sociedade, sem poucas ou nenhumas certezas.

Primeiro, porque “o futuro é uma incógnita”, e depois porque para Teresa Tavares, é difícil ter “um discurso positivo, de instagramers”, tal como aquele que tem a sua personagem. E não é pelo medo de que as pessoas não queiram consumir cultura, é mais em que condições é que isso será feito.

“Estamos todos ávidos de criar, de sair de casa, não imagino o que vai ser fazer um espectáculo a seguir a isto, até fico arrepiada, como se fosse a primeira vez. Mas será feito em que condições?”, conta. Apesar do entusiasmo visível, a atriz não deixa de colocar a si própria mais questões. “Como vamos lidar com isto? Com o medo? Com a desconfiança do outro? Como vamos voltar a lidar com a vida?”, pergunta.

Agora que “Instaverso” vai finalmente estrear-se, Teresa Tavares vê com bons olhos que a ficção portuguesa se desdobre em várias plataformas, dando palco a projetos mais pequenos, que não precisam de grandes produções como as que são feitas para o primetime. Mesmo que nos próximos tempos, com uma crise económica a caminho, essas produções possam ter diversos obstáculos. “Até acho que se devia fazer mais, e assim também se desenvolve a ideia de experimentar, o que é importante. Em países como Portugal, onde há pouco dinheiro para a cultura, se não tiveres espaço para experimentar, não chegas a lado nenhum, porque vais ter sempre a pressão de obter resultados”, finaliza.

“Instaverso”, foi produzida pela Pixbee e conta ainda com Luís Garcia, Pedro Lacerda e participações especiais de Nuno Markl e Sónia Araújo. Os episódios vão estar disponíveis na plataforma RTP Play.