A adaptação dos sistemas de validação de títulos, a delimitação dos espaços nas estações dos metropolitanos e o reforço da oferta são fundamentais para minimizar a propagação do novo coronavírus nos transportes públicos, sustenta uma especialista em Mobilidade.

O final da vigência do estado de emergência, decretado na sequência da pandemia, vai levar ao regresso ao trabalho de vários segmentos da população que, principalmente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, utilizarão os transportes públicos nas deslocações diárias.

“Nada mais será como era anteriormente” ao nível da utilização dos transportes públicos, referiu à agência Lusa Ana Bastos, professora do Departamento de Engenharia Civil da Universidade de Coimbra.

A pandemia, sublinhou, provocou “a perda de clientes, a alteração de hábitos e o receio de utilização” dos transportes públicos, pelo que é necessário recuperar a “confiança no sistema de transportes públicos”.

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Em relação aos autocarros, a reintrodução da validação dos bilhetes é “extremamente importante” — de “outra maneira não há sustentabilidade económica possível” para os operadores -, mas é preciso manter a suspensão da venda de bilhetes a bordo.

“Não é seguro o manuseamento por parte do motorista [dos bilhetes e do dinheiro], além de impor demoras indesejáveis à própria operação dos autocarros”, precisou, considerando que também é imperativo que as entradas e saídas sejam feitas pela porta traseira — o que já foi implementado, por exemplo, pela Carris, em Lisboa.

As máquinas de validação de título também têm, no seu entender, de ser transferidas para a porta traseira dos autocarros e a validação tem de ser “meramente ‘touch'”, ou seja, encostando o título de viagem à máquina.

A investigadora advertiu, no entanto, que a transferência destas máquinas vai impedir o controlo de validações por parte do motorista, havendo, por isso, necessidade de reintroduzir a fiscalização humana, que deve igualmente ser feita “por via ‘touch'”, sem contacto entre o fiscal e o passageiro.

Ana Bastos considerou, ainda antes da apresentação do plano de desconfinamento do Governo, que todas os operadores deveriam implementar “alguma proteção acrílica” que impeça o contacto com os passageiros, o que alinha com o que foi determinado na quinta-feira pelo executivo: a imposição de uma cabine para os condutores.

A utilização de máscaras pelos utilizadores dos transportes e a disponibilização de desinfetante “em quantidade suficiente” para que as pessoas, “quer à entrada, quer à saída, possam higienizar as mãos” (medidas também já determinadas pelo Governo a partir de segunda-feira) poderão diminuir também o risco de contágio, tal como o arejamento regular dos veículos.

Questionada sobre como será possível preservar o distanciamento social em estações de metro ou paragens de autocarro, Ana Bastos disse que, no caso dos autocarros, sendo a paragem ao ar livre não há necessidade de medidas adicionais.

Em relação às estações dos metropolitanos de Lisboa e do Porto, a investigadora recomendou a sinalização com faixas pintadas “no pavimento que garantam o distanciamento social”, uma vez que nestes espaços, por serem geralmente subterrâneos, é mais complicado renovar o ar que circula.

O número de passageiros em simultâneo, acrescentou, também deve ser reduzido — entre “50% e 60%” -, porque “não podem ir completamente lotados como andavam noutros tempos”, mas a oferta e a frequência de passagem dos transportes têm de ser maiores. “Esta capacidade deve ser mais estudada pelos médicos do que pelos engenheiros”, vincou.

O plano de desconfinamento apresentado na quinta-feira indica que a partir de segunda-feira os transportes públicos circulem com a lotação máxima de dois terços da sua capacidade.

Recordando que as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto “já têm bilhética integrada”, que permite a compra e renovação de títulos “praticamente à distância” -, Ana Bastos reconheceu a necessidade de implementar este sistema em todo o território, já que no resto do país “tudo continua a ser feito com o bilhetinho que as pessoas levam na mão”.

A professora universitária considerou ainda que a recuperação deste setor “vai ser feita de forma muito mais lenta do que a própria retoma social e económica” porque muitas pessoas trabalham agora a partir de casa e não precisam de se deslocar aos seus postos de trabalho.

Algumas pessoas, “por uma questão até profilática, vão preferir andar a pé” ou vão “passar, infelizmente, para o transporte individual”, decisões que poderão significar um retrocesso ao nível da evolução da rede de transportes públicos em Portugal.

A “queda vertiginosa na procura”, decorrente da pandemia, também poderá tornar inviável a redução do preço dos passes, implementada no ano passado, através do Programa de Apoio à Redução Tarifária (PART).