As contas do Estado têm uma queda aparatosa, mas ainda não caíram com estrondo. A pandemia até já tem um importante reflexo nos dados da execução orçamental até abril, com o défice a atingir 1.651 milhões de euros — mais 341 milhões do que no mesmo período do ano passado. Só que, tendo em conta os dados divulgados esta terça-feira, o ministro das Finanças sabe que a maior fatura está reservada para depois.

Os efeitos da pandemia valem para já 660 milhões de euros. Do lado da receita, apesar de esta crise ter já retirado 320 milhões de euros ao Estado — por causa do alargamento dos prazos de entrega das retenções na fonte de IRS, IVA e IRC — o maior impacto nos impostos ainda fica adiado para os próximos meses.

Abril, o mês do estado de emergência e do confinamento, foi marcado por uma forte quebra na atividade económica, com alguns setores a terem quedas superiores a 40%, como o comércio e retalho. A dimensão do tombo foi tão grande que o ministro das Finanças admitiu mesmo, no início deste mês, que “as quebras de atividade em abril podem ter retirado ao PIB anual qualquer coisa como 6,5 [pontos percentuais] em 30 dias”. O indicador de confiança dos consumidores e o indicador de clima económico, do Instituto Nacional de Estatística, atingiram mínimos de 2013.

É por isso evidente que as quebras na receita fiscal registadas neste boletim de execução orçamental não incorporam ainda o real efeito da crise — ainda que todos os impostos sobre o consumo tenham tido quebras.

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O Governo sublinha que são efeitos indiretos da pandemia, “associados à desaceleração da economia”, mas o IVA caiu apenas 1,2%, o imposto sobre produtos petrolíferos (ISP) 0,7%, o imposto sobre o tabaco 6,4% e o imposto sobre as bebidas 4,4%. Muito pouco, tendo em conta a quebra registada no PIB em abril.

No caso dos impostos petrolíferos verifica-se claramente um delay face às quedas muito acentuadas no consumo que coincidiram com o mês do grande confinamento. Há indicadores que apontam para quedas até 80% no tráfego de autoestradas e as vendas de combustíveis rodoviários baixaram para quase metade em abril, face ao mesmo mês do ano passado. Há ainda o impacto da descida do preço final na cobrança de IVA sobre os combustíveis.

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As maiores quebras na receita fiscal são registadas no imposto sobre a venda de veículos (-32,1%), e no IRC (-29,5%). Esta variação no imposto sobre o lucro das empresas é explicada pelo adiamento da entrega e liquidação do Pagamento Especial por Conta para junho de 2020 e da declaração periódica de rendimentos para julho de 2020. Há ainda uma queda no Imposto Único de Circulação (-3,1%).

As únicas receitas fiscais que sobem até abril decorrem da coleta de IRS, do imposto de selo e de outros impostos diretos. Só que o IRS — que vale neste período cerca de um terço de todo o dinheiro arrecadado — enviesa a análise à receita total. O que o Estado arrecadou a mais com este imposto (+17,8%) está associado ao atraso do início dos reembolsos de IRS, ocorrido em pleno estado de emergência. Algo que “será corrigido nos meses seguintes”, explica o ministério das Finanças.

Gastos com ‘layoff’ ainda estão longe do previsto

Com a despesa a subir 6,1% até abril — mais do que a receita — o Governo conta, para já, com um acréscimo 345 milhões de euros por causa da crise. Estão em causa os apoios para o ‘layoff’ simplificado (144 milhões de euros), para a aquisição de equipamentos na saúde (128 milhões) e outros apoios suportados pela Segurança Social (54 milhões).

Mas, apesar de tudo, também aqui estes são efeitos ainda reduzidos, tendo em conta o que o próprio Governo espera para estes meses. No ‘layoff’ simplificado, por exemplo, o executivo inscreveu no Programa de Estabilidade um total de 563 milhões de euros por cada mês em que a medida é aplicada (entre apoio à manutenção de contrato de trabalho e isenção de Taxa Social única das empresas). Valores que se distanciam bastante dos 144 milhões de euros reportados até agora pelo Ministério das Finanças. A diferença é explicada pelo tempo que demorou a operacionalizar este medida, que só no início de maio teve um número mais expressivo de aprovações de pedidos.

No caso dos equipamentos para a saúde, a diferença não é tão vincada, mas existe: o Governo conta no Programa de Estabilidade com uma fatura mensal de 155 milhões de euros em proteção individual (máscaras, luvas, batas) e um gasto único de 60 milhões de euros em equipamentos para as Unidades de Cuidados Intensivos, como ventiladores.

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O ministério das Finanças revela ainda que as contribuições para a Segurança Social “apresentaram um acréscimo de 4%, mantendo a tendência de desaceleração face aos meses pré-Covid-19”. Isto, depois de um crescimento de 7,4% nesta receita até fevereiro. Do lado da despesa, houve uma subida de 8,9% na Segurança Social, “dos quais cerca de 200 milhões associados à Covid-19”. Está em causa um acréscimo de gastos em várias rubricas, nomeadamente pensões (+4,6%) e outras prestações sociais, como a ação social (+7,5%), a prestação social para a inclusão (+31,6%) — para pessoas com deficiência —, subsídio por doença (+15,4%) e abono de família (+15,2%).

Tal como no mês passado, o Governo destaca o crescimento da despesa do Serviço Nacional de Saúde, com subida de 12,0% face aos mesmos quatro meses do ano passado — um valor muito semelhante ao da execução orçamental até março (+12,6%); e a maior despesa com salários dos funcionários públicos (+4,5%), também em linha com o mês anterior (+4,0%).

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As contas até ao final do primeiro trimestre ainda apresentavam um saldo positivo, de 81 milhões de euros, porque as medidas de confinamento só começaram na segunda quinzena de março. Em todo o caso, já representava um agravamento de 762 milhões de euros face ao mesmo período do ano anterior. Antes, em fevereiro, foi atingido um excedente recorde de 1.274 milhões de euros.

No ano passado, até abril, o défice atingiu 1259 milhões de euros, representando então uma melhoria de 786 milhões face aos mesmos quatro meses de 2018. O ano terminaria com um excedente de 0,2% do PIB, a mesma meta inscrita no Orçamento do Estado para este ano.

Atualizado às 22:30, depois de ter sido publicado o boletim de execução orçamental