Não há milagres. Nem tratamentos milagrosos. Mas há duas fases para tentar a cura: primeiro, estanca-se a hemorragia, depois, quando a dor já estiver estabilizada, injetam-se milhões. Mas dor, vai haver sempre. Foi assim que António Costa se apresentou na entrevista que deu esta noite à TVI, minutos depois de ter apresentado, em conferência de imprensa o plano de estabilização da economia, que vai ser discutido e votado na Assembleia da República.

“Não há plano que nos salve da dor, esta crise está a doer e vai doer. Mas esta é a fase de estancar a hemorragia, que é fundamental para passarmos à fase seguinte”, disse o primeiro-ministro, admitindo que a fase seguinte só começará para o ano, quando chegarem as verbas que deverão ser aprovadas pela Comissão Europeia, apesar de alguns dos programas, como o ‘React’,  já poderem ser usados a partir de outubro.

Costa, o “otimista irritante”, diz que não é otimista no que a esta crise diz respeito. “Prever uma recessão de 6,9% é um cenário negro”, disse, sublinhando que “não é uma questão de ser otimista ou pessimista, mas perante uma realidade diferente, temos de agir. Temos de nos guiar pelo bom senso”. O “bom senso” é a chave, mas Costa admite que “calibrar” tudo o que ouviu nas reuniões de auscultação com os partidos “nem sempre é fácil”. Bom senso e “confiança”. “Nesta fase temos de estabilizar a situação até ao final do ano, para que a confiança se vá instaurando”, disse. “É fundamental estabilizar a expectativa e dar confiança às pessoas”, sublinhou.

Parte da entrevista serviu para explicar melhor as medidas do programa de estabilização que tinha apresentado minutos antes, depois de 10 horas de reunião do Conselho de Ministros para finalizar o documento. No que diz respeito aos mecanismos de apoio ao rendimento, “o abono de família é para todas as pessoas que estão nos 1º, 2º e 3º escalão, e haverá depois um abono suplementar em setembro, que é o mês crítico com o regresso às aulas, ou seja, nesse mês haverá dois”. Já sobre o complemento de estabilidade, explicou, “é para mitigar de alguma forma a perda de rendimento que as pessoas tiveram ao longo destes meses, estando abrangidos os que estiveram em layoff em abril ou maio, e vai variar consoante a perda de rendimento que tiveram (havendo um mínimo de 100 euros e um máximo de 300)”.

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Questionado sobre se acreditava mesmo na possibilidade de criar um verdadeiro Banco de Fomento, como está previsto no Plano de Estabilização, Costa admitiu que não seria possível criar se o Governo não tivesse feito “o trabalho de casa” junto da UE. “Já temos uma aprovação provisória da Comissão”, disse, explicando que o banco se destina a canalizar fundos públicos para financiamento às empresas, sendo isso decisivo para a modernização do tecido empresarial, recusando fazer, pelo caminho, qualquer crítica ao setor bancário português.

Já sobre o novo regime de layoff, que vai vigorar a partir de agosto, Costa admite que é complexo, por isso é que não vai ser implementado mais cedo, mas diz que é “mais justo” por diferenciar entre as horas trabalhadas (pagas pela entidade patronal) e as horas não trabalhadas (pagas pela Segurança Social). “Se o trabalhador trabalhar mais horas recebe mais horas a pagar a 100%, se trabalhar menos horas recebe mais horas pagas a 70%”, disse, garantindo que, com isto, acaba a talhada de um terço do salário que atingiu os trabalhadores que estiveram até aqui em layoff.

Os números da evolução portuguesa do surto não preocupam o primeiro-ministro, que prefere olhar para o indicador dos novos casos em comparação com o aumento do número de testes: se à medida que se aumenta a testagem não dispara a curva dos novos casos, estão é porque não estamos assim tão mal. Mais, não há critério onde Portugal esteja pior do que a generalidade dos restantes países europeus, afirmou ainda o primeiro-ministro, que se mostrou confiante de que no próximo dia 15 vai ser dada ordem para reabrir todos os serviços que permaneceram fechados na região de Lisboa.

Certo é que na região de Lisboa continuam a não ser permitidos ajuntamentos de mais de 10 pessoas, mas, ainda assim, o PCP prepara-se para realizar este fim de semana um comício em plena capital. Sobre isso, contudo, o primeiro-ministro desvalorizou o sinal aparentemente contraditório, afirmando que há exceções para esses ajuntamentos, sendo uma delas a da “liberdade política”.

Já no final da entrevista, uma pergunta sobre o ministro das Finanças Mário Centeno. Ainda é o seu ministro ou está em layoff? “Tenho a certeza de que ele é o meu ministro de Estado e das Finanças, estive 10 horas com ele hoje para confirmar isso”, ironizou. Mas até quando? “Durante o tempo que for, todos nós estamos a prazo na vida a partir do momento em que nascemos e todos nós estamos em funções até deixarmos de estar”. Costa não levanta a ponta do véu sobre a saída prevista de Centeno, que seria depois de finalizado o Plano de Estabilização. Deixa apenas uma garantia: “Se um dia houver uma remodelação, se houver, isso não há-de ser segredo”.