Quando não se imaginava que, em 2020, o mundo estaria a lidar com a pandemia de Covid-19, Manuel Sobrinho Simões — convidado por Marcelo Rebelo de Sousa para presidir à comissão organizadora da edição de 2017 das comemorações do 10 de Junho, Dia de Portugal — escolheu discursar na cerimónia, que decorreu na cidade do Porto, sobre doenças transmitidas por genes alterados que surgiram em portugueses e, depois, “fruto da diáspora, se espalharam pelo mundo”. A dispersão dessas doenças, segundo o fundador do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular e Celular da Universidade do Porto, “reproduzem os padrões das (e)migrações portuguesas”.

E deu alguns exemplos, como a doença dos pezinhos, identificada por Corino de Andrade, e que é possível encontrar, por exemplo, no Japão, na Irlanda e “chegou a esses países no século XVI através de variadíssimos tipos de portugueses errantes”, ou a doença de Machado Joseph, “conhecida popularmente por doença do tropeção”, iniciada na ilha das Flores, nos Açores e “levada” por emigrantes nos séculos XIX e XX para a América do Norte e o Brasil. Mais recentemente, segundo Manuel Sobrinho Simões, uma alteração genética causadora de cancro da mama hereditário, e surgido numa família portuguesa, foi encontrado não só em Portugal como também em França e noutros países.

No discurso, Sobrinho Simões explicava, ainda, que não há genes portugueses, mas sim “genes humanos alterados que, por azar, ocorreram em portugueses” e, depois, foi o comportamento migrante que se encarregou de os espalhar pelo mundo. “O que os portugueses têm é uma mistura notável de genes com as mais variadas origens. Se há algo único, ou quase único, em nós, é essa mistura genética”. Acrescentando, ainda, que, pelas leis da genética populacional, os portugueses deveriam ser “mais homogéneos, mais monótonos em termos genéticos que outros povos europeus”. E não são. Pelo contrário, concluiu Sobrinho Simões. “Somos de uma extraordinária diversidade genética porque incorporámos, ao longo de séculos, judeus e berberes vindos de Espanha e do norte de África, porque nos misturámos com árabes, porque tivemos escravatura de povos da África subsariana no nosso país e nas colónias, com uma grande expressão e durante centenas de anos”.

E foi neste ponto que Sobrinho Simões se focou para, em 2017, abordar o problema dos refugiados. “Deveríamos ser capazes de integrar gentes que se veem obrigadas a fugir de casa, comportando-nos como uma comunidade inclusiva e solidária. Uma comunidade que tem de perceber o valor sociocultural, económico e até demográfico da integração dos migrantes”. E concluía o discurso a elogiar os “ingredientes”, dos genéticos e ambientais aos socioculturais e tecnológicos, que os portugueses têm para aproveitar, pela positiva, “os tempos difíceis que se vivem na Europa e no mundo”.

Para este 10 de junho, o Presidente da República escolheu o teólogo e poeta madeirense José Tolentino Mendonça, entretanto elevado de arcebispo a cardeal, para presidir à “cerimónia simbólica” comemorativa do Dia de Portugal, que se realizará no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, com apenas oito presenças.

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