O número de consultas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) diminuiu entre janeiro e abril de 2020, em relação ao período homólogo, mas a quantidade de embalagens de medicamentos vendidas nas farmácias disparou nos meses de confinamento. Os encargos do SNS e dos utentes com fármacos também subiram, tendo-se registado um pico na despesa no mês de março.

Estes são alguns dos dados que constam no relatório de “Monitorização do Consumo de Medicamentos” em meio ambulatório do mês de abril, que foi divulgado pelo Infarmed esta sexta-feira.

Nos primeiros quatro meses deste ano, realizaram-se 13,5 milhões de consultas, ou seja, menos 1,1 milhões do que entre janeiro e abril de 2019, o que corresponde a uma diminuição de 7,5%. Na mesma altura, contudo, foram dispensadas mais embalagens de medicamentos nas farmácias: foram vendidas um total de 56,9 milhões de embalagens, mais 1,9 milhões entre janeiro e abril de 2020 do que no período homólogo, o que corresponde a um aumento de 3,4%.

O maior aumento registou-se no mês de março. Se de janeiro para fevereiro de 2020 houve uma diminuição na utilização de medicamentos no SNS, de 14,8 milhões para 13,6 milhões — valores semelhantes aos de 2019 —, em março houve uma subida abrupta, passando para 16,7 milhões de embalagens utilizadas — muito acima dos meses anteriores e do mesmo mês em 2019. Em abril, contudo, denota-se uma queda acentuada, com a utilização de medicamentos no SNS a atingir os 11,7 milhões de embalagens.

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Praticamente metade das unidades de medicamento dispensadas correspondem a medicamentos genéricos”, lê-se no relatório.

Infarmed: pandemia e confinamento podem ter levado a “reforço da aquisição de medicamentos”

O Observador questionou o Infarmed sobre se existe alguma relação entre o aumento da venda de medicamentos e o confinamento da população — por, eventualmente, os utentes terem tido receio de uma eventual escassez, procurando fazer stock em casa.

Em resposta, a autoridade nacional do medicamento e produtos de saúde não é taxativa, considerando que a situação de pandemia — e respetivo o confinamento — “pode ter levado a uma alteração de comportamento, levando a um reforço da aquisição de medicamentos, principalmente para tratamentos crónicos, por parte da população portuguesa, prevenindo assim qualquer disrupção no tratamento”.

As áreas terapêuticas abrangidas e com mais expressão estão totalmente em linha com a prevalência das doenças crónicas na população portuguesa, refletindo assim a respetiva distribuição epidemiológica”, acrescenta ainda o Infarmed.

O regulador destaca “um comportamento atípico” nas primeiras semanas do mês de março — o estado de emergência foi decretado no dia 18 —, referindo mesmo “um pico na dispensa de embalagens (semana de 9 a 15 março), a sua maioria destinada ao tratamento de doenças crónicas (diabetes, fibrilação auricular, doenças respiratórias)”, sublinhando ainda que no mês de abril se notou “já um decréscimo face aos meses homólogos e meses iniciais de 2020”.

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Em março foi noticiado que, além de máscaras e álcool, medicamentos como paracetamol, ibuprofeno ou insulinas começavam a faltar, levando mesmo o setor a garantir que não haveria rutura de stock.

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Para o regulador, “este aumento inesperado do consumo demonstra claramente uma boa acessibilidade aos medicamentos em Portugal“.

“Importa fazer notar que o acesso aos cuidados de saúde foi também garantido através das teleconsultas e, consequentemente, da prescrição de medicamentos”, reforça ainda o Infarmed.

Despesas do SNS e dos utentes com medicamentos aumentaram

O mesmo documento dá ainda conta da evolução dos encargos do SNS com medicamentos. Nos primeiros quatro meses de 2020, a despesa foi de 478,5 milhões de euros, mais 46,7 milhões de euros do que no período homólogo, o que corresponde a um aumento de 10,8%.

Em meados de março, os encargos atingiram um pico de 144,5 milhões de euros, depois de em janeiro ter sido de 120 milhões de euros e em fevereiro de 111,3 milhões — sempre valores acima dos registados em 2019. Contudo, registou-se uma quebra acentuada na despesa do SNS com medicamentos logo no mês seguinte: a meio do mês de abril, os encargos foram de 102,7 milhões de euros, uma despesa inferior à registada no período homólogo.

O que também aumentou foi a despesa do utente com medicamentos: mais 11,1 milhões de euros, um aumento de 4,6%. Entre janeiro e abril de 2020, a despesa foi de 253,7 milhões de euros, enquanto que no mesmo período de 2019, foi de 242,5 milhões de euros.

A variação que se registou ao longo dos meses nos encargos para o utente é idêntica aos dos encargos do SNS: registou-se um pico na despesa em março (75,1 milhões de euros), depois de uma ligeira descida entre janeiro e fevereiro — os encargos passaram de 65,8 para 60,9 milhões de euros —, sendo que em abril há queda abrupta nos encargos para o utentes com medicamentos, aqui também para valores inferiores aos registados no mesmo mês de 2019 (52 milhões de euros).

Em média, a despesa do utente com medicamentos nos primeiros quatro meses de 2020 foi de 25,94 euros per capita”, refere ainda o relatório.

Subida do preço médio dos medicamentos

O preço médio por embalagem de medicamentos também registou um aumento entre janeiro e abril de 2020: uma subida de 3,2% no preço relativamente ao ano de 2019. Se em 2019 uma embalagem custava em média 12,47 euros, só nos primeiros quatro meses deste ano o preço atingiu os 12,87 euros. O maior aumento notou-se nos medicamentos de marca, em que o preço médio passou de 16,38 euros no ano passado para 17,12 euros entre janeiro e abril de 2020. O valor dos genéricos também aumentou, mas apenas alguns cêntimos: de 7,27 euros para 7,32 euros.

Já o encargo médio do utente por embalagem também subiu ligeiramente: passou de 4,41 euros nos primeiros quatro meses de 2019 para 4,46 euros no mesmo período do ano seguinte, isto é, mais cinco cêntimos (mais 1,1%).

Anticoagulante e anti-hipertensor foram medicamentos com maior aumento na despesa

Relativamente aos medicamentos que registaram um maior aumento na despesa do SNS, destacam-se um anticoagulante (cuja substância ativa é Apixabano), um anti-hipertensor (Sacubitril + Valsartan) e um antidiabético (Empagliflozina). Entre janeiro e abril de 2020, os encargos do SNS com o anticoagulante foram de 16,1 milhões de euros, mais 3,4 milhões do que no período homólogo (mais 26,4%); com o anti-hipertensor foi de 4,9 milhões de euros, mais 2,6 milhões, o que corresponde a um aumento de 109%; e com o antidiabético foi de 6,5 milhões de euros, mais de 2,5 milhões do que entre janeiro e abril de 2019 (mais 61,6%).

Quanto aos medicamentos, destaque ainda para o facto de ter havido uma diminuição na venda de embalagens de paracetamol em 2020. Entre janeiro e abril deste ano, as embalagens de paracetamol estão em segundo lugar no ranking das substâncias ativas com maior utilização, tendo sido vendidas 1,3 milhões de embalagens. Isso correspondeu, contudo, a uma diminuição de 1,8% nas vendas (menos 25 mil embalagens) em relação ao período homólogo.

Em termos de classes terapêuticas, o maior aumento dos encargos do SNS, em relação a 2019, foi com as insulinas e os antidiabéticos. Entre janeiro e abril de 2020, o Estado gastou 29,1 milhões de euros com insulinas, mais 5,4 milhões de euros do que no período homólogo, o que corresponde a um aumento de 22,8%, e 95,3 milhões de euros em antidiabéticos, mais 17 milhões de euros do que nos primeiros quatro meses de 2019 (mais 21,7%).

Os antidiabéticos foram dos que registaram um maior aumento na utilização quando comparando com 2019: nos primeiros quatro meses do ano foram vendidos 3,9 milhões de embalagens, mais 495 mil do que entre janeiro e abril de 2019 (mais 14,6%). Sendo ultrapassados apenas, em termos de variação homóloga, pelos antidislipidémicos — que servem para controlar os níveis de colesterol: nos primeiros quatro meses de 2020 foram vendidos 4,8 milhões de embalagens, mais 642 mil do quem no mesmo período no ano anterior, o que corresponde a um aumento de 15,5%.

Artigo atualizado às 19h17 com a resposta do Infarmed