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No Avante, os músicos entregaram-se, o público foi pouco e tímido

Este artigo tem mais de 3 anos

Dino D'Santiago, Capicua, Lena D’Água ou Mão Morta estavam prontos para a grande festa da Quinta da Atalaia. Mas as regras eram muitas e o público era pouco. Foi o Avante possível nos palcos.

Palco 25 de Abril durante a atuação dos Mão Morta
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Palco 25 de Abril durante a atuação dos Mão Morta

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Palco 25 de Abril durante a atuação dos Mão Morta

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Vim um bocado sem saber o programa. Vim ver coisas”. Quinta da Atalaia, 21hoo. Na primeira fila do palco 25 de Abril, na Festa do Avante, está um grupo de três jovens a conversar, daqueles que, se não fosse a pandemia, já teriam percorrido o mapa de festivais de verão este ano. Mas este agora é um mundo de recintos com cadeiras brancas, setas no chão, álcool gel e máscara nas caras. E o de um público que, ressacado por não ter música, teve aqui o grande evento mais parecido com um festival para satisfazer hábitos antigos.

Do outro lado, no palco, entrava Capicua, com o seu mais recente trabalho, Madrepérola, um “disco com esperança”, para ver se toda a carga mediática do Avante se transformava num momento bonito e raro. E se se seria possível fazer um pouco de festa, já que durante a tarde houve muita energia e crer dos artistas, mas pouco entusiasmo do  público que assistiu.

Capicua estava de vermelho, estava feliz. Logo a abrir, com “Passiflora”, a rapper do Porto teve uma falha na voz. O nervo bom e a ânsia de quem quer muito voltar aos concertos. Recebeu imediatamente apoio da plateia, que assobiava, bracejava, de telemóvel na mão. E, ainda que não fosse recomendável, dava pequenos passos de dança à volta da cadeira. “Obrigado por resistirem”, respondeu.

A energia positiva, os pedidos contidos para dançar e o sorriso de Capicua foram fazendo faísca, anestesiando, por momentos, todos os medos e regras, criando uma nostalgia de outros tempos. “Tem que se estar de máscara aqui?”, ouve-se a certa altura. Há troca de isqueiros à distância, há quem jante na terceira fila e há a tal dúvida, o tal constrangimento, que estava sempre ali à espreita, mas que, pelo menos por uma vez naquele sábado, não conseguiu estragar a vibe. A chegada de “Lenda” D’Água, como lhe chamou a rapper, — para cantar “Último Mergulho” e “Planetário” (feita com Mallu Magalhães) — era a cereja no topo do concerto. Afinal, daqui a pouco a cantora de Desalmadamente estaria no Palco 1º de Maio, em nome próprio, mas isso podia esperar. Ninguém foi a banhos, nem se viram sereias, mas a dupla feminina conquistou os camaradas. Capicua, no fim, mereceu ovação de pé. Afinal, aquele grupo de jovens, sentados na primeira fila, viu uma coisa: duas cantoras portuguesas muito felizes por regressar à normalidade possível. Durou pouco, sim, mas aconteceu.

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No palco 1º de Maio, o recinto também ficou praticamente cheio para receber Lena D’Água, agora de branco, com as canções do disco que no ano passado soou a fenómeno. E se a festa feminista, de celebração da maternidade e das “utopias privadas” de Capicua já tinha tirado a barriga de misérias, a “Grande Festa” reavivou os festivaleiros. Porque, até então, nem vê-los. Ou então, estavam à sombra, tal era o calor, ou na parte de fora dos recintos delimitados para os concertos, já que esse era o único sítio onde se podia estar de pé. Na verdade, só lá estava uma pequena amostra de festivaleiros, que, por estarem do lado direito do palco, conseguiram dançar. De máscara, quase sem jeito, mas livres. Para os crentes, foi um milagre. Para os ateus, foi uma explosão musical que durou 3 minutos.

Cadeiras, máscaras e distância de segurança em frente aos palcos na Quinta da Atalaia

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Já tinha saudades”, confessou Lena D’Água. De 1981 para 2020, “não mudaram assim tantas coisas”, afirmou, referindo-se à passagem da cantora pela Festa há quase 40 anos, na altura com os Salada de Frutas. Talvez não. Mas a partir de 2020, certamente mudará, pelo menos no panorama musical.

É que, pouco tempo depois, começava o concerto de Dino D’Santiago no palco 25 de Abril. E é aqui que temos a certeza de que algo está diferente. Estamos a falar de um dos artistas com mais crédito na pop portuguesa, que faz capa na imprensa estrangeira, que anda por aí a espalhar a lusofonia, o funaná e o respeito pela mulher. Ou seja, a casa só podia ir abaixo. Mas não aconteceu. A Covid-19 não deixa. E grande parte do público do Avante também não estava para aí virado. Mesmo que das cadeiras brancas lá da frente surgisse carinho e amor, cá mais atrás sentia-se alguma indiferença. A energia estava quase toda no palco e por lá ficou. Sim, houve abraços, beijos, toque. Subiu a temperatura uns graus, de facto. Daquela que faria disparar as pistolas térmicas e levar a Direção-Geral de Saúde a entrar em alvoroço. Mas isso ficou nos casais, ou nos pequenos grupos distribuídos pelo palco principal. Pouco mais.

Uma tarde de muito calor, ferroadas à imprensa e pouco público

“Oh tio, é muita gente por causa da Covid! Está muito calor para estar de máscara”. E haveria de ficar ainda mais quente. O sábado tinha começado com concertos por volta da hora do almoço, mas tinha também um cabeça de cartaz: o debate com Ricardo Araújo Pereira. Esse, graças ao minucioso — e rigorosamente cumprido — plano sanitário para o festival, foi o único período em que se poderia dizer que estava tudo normal (pelas piores razões, tal foi o número de pessoas que se juntaram). A única coisa que escapou à organização foi a Photo Booth (máximo 2 pessoas) instalada na zona dos debates. E se dois desconhecidos resolvessem eternizar o momento? Estava o caldo entornado. Ao que parece, não aconteceu.

Às 17h00, no Palco Paz, o Projecto Bug, “grupo de amigos [de 14 membros] que faz música e festa”, levou Stevie Wonder ou Shirley Bassey para a pista e levantou os mais preguiçosos do chão. Alguns a ferros, outros por vontade própria, mas lá se fez. Só que era, mais uma vez, à volta do espaço de concertos que a farra ia acontecendo. Quase ao mesmo tempo, no palco 25 de Abril, Marta Ren confessava os nervos do regresso. “Estou feliz por estar aqui, mas fiquei nervosa no soundcheck”. Estranho, de alguém que explode em soul e R&B como se assim tivesse nascido. Compreensível, tal foi a travessia no deserto. “Estamos a sentir ou não?’”, perguntava a cantora, que foi puxando sempre mais, esmiuçando todos os segundos de algo que se sentia que lhe fazia tanta falta. Mas público como antes, daquele que vibra cegamente, era quase uma miragem, tendo em conta a dimensão do recinto, as regras a cumprir e o medo do desconhecido.

Entre concertos, os altifalantes iam ensaiando a Carvalhesa. A Juventude Comunista já ensaiava a nova coreografia da canção desde há uns meses, mas, mesmo assim, o respeito pelas medidas sanitárias falou mais alto. Só um miúdo, incentivado pela mãe, e no meio da fonte, é que deu o corpo à música. Já as mesas das muitas esplanadas pintavam-se de encontros, daqueles que ficaram tanto tempo por fazer, com garrafas de vinho, bifanas ou sopas de peixe (e tantas outras variedades gastronómicas, como é hábito). O silêncio até se instalava por segundos, quando a música parava. Eram segundos impensáveis num festival. Ficavam só as conversas como pequeno barulho de fundo, dada a quantidade de metro quadrado visível.

Voltando ao Palco da Paz, Fast Eddie Nelson, que levou João Alves (Peste & Sida) e Rui Guerra (The Quartet of Woah!), resolveu começar em modo comício. “Contra tudo e contra todos! Contra a imprensa!”, gritou o vocalista. Houve blues, rock’n’roll, alfinetadas à JSD e uma canção satírica, inventada de propósito para o festival: “A culpa é do Avante”. De Paz, este palco teve muito pouco, pelo menos das 19h00 às 20h00. Quanto à nostalgia que se manifestou mais tarde, já tinha sido fantasiada pelos Mão Morta, no palco principal, que, pela voz de Adolfo Luxúria Canibal, nos levou, entre outras viagens, até às noites de “Budapeste”. Até se fizeram apelos de mosh, cá bem atrás. Porque quem antes estava nas grades, agora tem de se libertar na última fila. O punk não está morto, afinal. “Está bonito, está bonito de verdade”, ouvimos por ali. E estava.

Bem o sabemos: o Avante não é um festival de música. Mas, ao mesmo tempo, tem um festival de música dentro, é assim há muitos anos. A pandemia veio baralhar as cartas e forçou o PCP a moldar a festa. Só que com tanto espaço, tanta medida sanitária e tão pouco público, é impossível sentir o que um festivaleiro tanto quer voltar a sentir: o êxtase de ouvir “aquela música”, a partilha da experiência e a liberdade que que caracterizam este tipo de eventos (além daqueles espectadores mais ébrios, que por aqui também não se viram). Já o músicos, esses, deitaram cá para fora a energia que ficou guardada tanto tempo. Sentiu-se o agradecimento e o prazer e esperam-se mais reencontros, em cenários e tempos menos contidos.

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