Segurança Social e Direção-Geral da Saúde não sabem ao certo quantos utentes já foram infetados em lares de idosos desde o início da pandemia.

Depois de ser várias vezes questionada pelo Observador sobre o assunto, a autoridade de saúde respondeu que, no que respeita às estruturas residenciais para idosos (ERPI), só dispõe de “dados acumulados relativamente aos óbitos” — até à meia-noite do passado dia 20 tinham sido 774 os idosos moradores em lares a morrer por complicações relacionadas com a Covid-19 — e sobre o número de infetados atualmente.

“Há 662 utentes e 335 profissionais infetados e 74 ERPI com registo de casos positivos. Recorde-se que, no final de abril, havia 2.512 utentes e 1.197 funcionários infetados em 365 lares, o que significa que atualmente há uma redução de 73% no números de casos”, detalhou fonte oficial da DGS, num e-mail enviado na passada terça-feira, dia 22.

Ao Observador, fonte da DGS explicou ainda que a entidade com acesso a dados mais apurados sobre o assunto seria o Instituto da Segurança Social, uma vez que a tutela das ERPI pertence ao ministério liderado por Ana Mendes Godinho. Esta quarta-feira, ao Observador, o Instituto da Segurança Social devolveu a bola à saúde, respondendo que, afinal, não será assim: “A contabilização mais apurada de casos positivos em lares é feita pelas autoridades de saúde uma vez que são registados numa plataforma à qual só os médicos têm acesso”, pode ler-se no e-mail enviado ao Observador.

Fonte oficial do ISS aponta, porém, para um número redondo e diz que, desde o início da pandemia, em março, e até à sexta-feira dia 11 de setembro, tinham sido detetados, “pelo reporte que é dado à Segurança Social”, “cerca de 3.200 casos de infeção em lares de idosos”, não especificando quantos ocorreram em utentes e quantos são relativos a funcionários.

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Ora, se apenas até ao final de abril já eram, de acordo com os valores avançados pela DGS, 3.709 os casos positivos registados em ERPI — e se só no início desta semana, havia 997 infetados em lares de idosos em todo o País —, o número divulgado pelo ISS já peca, e bastante, por defeito.

Lares têm sido “a prioridade total”

O facto de nem a DGS, diretamente responsável pela gestão da pandemia, nem a Segurança Social estarem a par do número total de infetados em lares de idosos, sendo os seus utentes a faixa da população mais gravemente afetada pela Covid-19, pode levantar algumas dúvidas, como as colocadas recentemente pelo presidente da Assembleia da República.

“Não consigo perceber porque é que não se apreenderam lições da primeira fase e não se retiraram lições para a evolução da situação em julho e em agosto, nomeadamente”, desabafou Eduardo Ferro Rodrigues, à margem da última reunião de peritos e políticos sobre a evolução da covid-19 em Portugal, no dia 7 de setembro.

Quatro dias mais tarde, numa audição perante as comissões parlamentares de Saúde e de Trabalho, Ana Mendes Godinho voltou a garantir que, desde março, os lares de idosos têm sido “a prioridade total” do Governo.

“Os lares não estavam preparados para gerir pandemias”, reconheceu a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, que lamentou a falta de recursos humanos disponíveis e aludiu a um “estigma negativo” em torno dos lares, que estará a está a tornar ainda mais difícil a tarefa de contratar funcionários para estas instituições.

Depois, e numa altura em que pelo menos dois dos surtos que mais preocupam as autoridades foram detetados em lares ilegais — um em Évora, onde nove funcionários e 31 utentes ficaram infetados e pelo menos uma idosa já morreu; outro em Gondomar, onde 21 de 30 utentes testaram positivo, bem como oito funcionários —, garantiu que “proteger quem está nos lares ilegais” tem sido uma “grande preocupação” e anunciou que nos últimos 3 anos foram encerrados 407 lares sem licença em todo o País.

Ao seu lado, Marta Temido questionada diretamente sobre o surto no lar de Reguengos de Monsaraz, não só legal como validado pelo ISS mesmo no início da pandemia, numa “visita de acompanhamento” feita três meses antes do surto que ali provocou 17 mortos, não foi mais animadora.

“Não podemos garantir que surtos deste tipo não se voltam a repetir. O que podemos garantir é que aprenderemos com o que não correu tão bem neste caso, e é evidente que houve um conjunto de aspetos que não correram bem e que têm de ser escalpelizados”, admitiu a ministra da Saúde perante os deputados.

40% das mortes em lares de idosos

Questionado sobre o assunto a 10 de setembro na Rádio Observador — já tinha entretanto começado outro grande surto, desta vez no final de julho e na residência sénior do Montepio, no Porto, onde 20 utentes já perderam a vida —, Rui Fiolhais, presidente do Instituto da Segurança Social, também recusou terminantemente a ideia de que nada tenha sido alterado na gestão dos lares de idosos com estes casos e com o passar dos meses.

“Nesta frente de batalha não há um antes nem um depois, há um presente constante”, começou por responder, garantindo que “as coisas não estão na mesma” e que a “capacidade de intervenção precoce” cresceu, e muito, desde março.

“Se a Segurança Social não estivesse, como está, ao lado dos seus concidadãos, provavelmente o cenário que teríamos hoje seria um cenário comparável pela negativa com outros países onde a situação foi efetivamente particularmente complicada”, acrescentou ainda o presidente do ISS.

À pergunta sobre quantos utentes já foram afetados pelo novo coronavírus desde março, Rui Fiolhais não deu naquela altura, como também não fez agora o instituto a que preside, uma resposta assertiva. Em vez disso, apresentou os números registados à data — que comparou com os de abril, o chamado pico da pandemia.

“Neste momento temos 2,7% dos lares com surtos. Em abril havia 365 lares com casos positivos. Há um claro decréscimo nessa perspetiva. Do ponto de vista do número de utentes positivos há também, de facto, uma curva muito nítida de decréscimo, em abril eram 3.690.”

No que diz respeito ao número de mortos, e acordo com os números divulgados pela DGS ao Observador, não será de todo assim. A 20 de setembro, 40% dos mortos por Covid-19 em Portugal — 774 pessoas, de entre um total de 1.920 — tinham morada em unidades residenciais para idosos.

Em abril, o cenário era literalmente o mesmo: 40% de todos os óbitos registados no País tinham ocorrido em lares.