Apesar das dúvidas sobre a fiabilidade dos resultados, a pressão para a utilização dos testes rápidos no rastreio da Covid-19 aumenta à medida que se procura um regresso à normalidade nas mais diversas atividades, da aviação ao desporto.

Esta semana, a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), que junta 290 companhias aéreas a nível mundial, incluindo a TAP, pediu que a imposição da quarentena fosse substituída por testes rápidos e fiáveis aos passageiros antes dos voos, numa altura em que as viagens registam quebras de 90%.

Isto depois de a maior associação representativa da aviação europeia (Airlines for Europe) ter condenado o que classificou de “restrições fronteiriças caóticas” adotadas na União Europeia, com um “impacto devastador na liberdade de circulação” este verão.

Para Thomas Bach, presidente do Comité Olímpico Internacional, é ainda “muito cedo” para afastar incertezas sobre a organização dos Jogos de Tóquio. Também aqui tudo depende dos progressos na despistagem da Covid-19, do desenvolvimento de eventuais vacinas e de testes rápidos.

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Em Portugal, o Governo remeteu para o final da semana uma decisão sobre o contexto de utilização destes testes depois de ouvir um painel de peritos e de a Cruz Vermelha se ter disponibilizado para oferecer meio milhão de testes para escolas e lares.

A discussão divide opiniões entre as cautelas com possíveis falsos resultados, sobretudo em casos assintomáticos, e a necessidade de agir. Adalberto Campos Fernandes, médico e ex-ministro da Saúde, advertiu, em entrevista à Lusa, que é preciso ser ágil e “agir depressa” sobre o uso destes testes para “controlar melhor” o circuito de transmissão da Covid-19.

Enquanto a discussão corre em Lisboa, algumas estruturas no terreno adotaram medidas com os meios disponíveis, como o caso da Câmara Municipal de Arouca, que no início do mês instalou no município um centro de testagem, com o objetivo de assegurar testes rápidos, sem necessidade de deslocação às estruturas de concelhos vizinhos que nunca estariam a menos de 30 quilómetros de distância.

Também em Vila Velha de Ródão o município decidiu recorrer a testes rápidos para detetar a eventual presença do novo coronavírus em trabalhadores de lares e outros funcionários de instituições de solidariedade social. As análises feitas até ao final de agosto apresentaram resultados negativos.

O presidente da Cruz Vermelha Portuguesa, Francisco George, pretende ter o aval do Ministério da Saúde para que os testes rápidos de deteção da Covid-19 que se propõe fornecer, e cujo sucesso garante, estejam disponíveis “muito em breve”.

A estratégia do Governo para o outono/inverno prevê testes laboratoriais rápidos para SARS-CoV-2, com resultados em menos de 60 minutos, e testes com resultados em 24 horas.

Entretanto, a Federação Portuguesa de Râguebi decidiu distribuir 4.000 testes rápidos aos clubes que participam no campeonato da Divisão de Honra, que começa esta sexta-feira.

Estes testes permitem obter um resultado em cerca de 15 minutos, já estão disponíveis no mercado português e receberam “marcação CE para o seu dispositivo de teste rápido”, segundo a página de internet do laboratório norte-americano responsável pelo fabrico e distribuição.

O governo da Região Autónoma dos Açores anunciou já que vai adquirir 100.000 testes rápidos, o que permitirá “reforçar a capacidade de rastreio de eventuais casos positivos” em espaços como escolas e lares de idosos.

Em França, um grupo de doentes de Covid-19 e familiares pediu, na semana passada, a abertura de um processo contra o primeiro-ministro, Jean Castex, que acusa de conduta “potencialmente perigosa e contraditória” na gestão da pandemia associada ao novo coronavírus. Entre outras questões, o Grupo de Vítimas do Coronavírus questiona a decisão do Governo francês de não ter autorizado até à data testes rápidos de saliva, em vez dos testes nasais (zaragatoa), cujos resultados demoraram vários dias devido à sobrecarga dos laboratórios.

Testes rápidos podem ter fiabilidade de 95% se forem moleculares

Os testes rápidos podem ter uma eficácia de 95% no rastreio da Covid-19, mas têm de ser moleculares e operados por técnicos especializados, advertiu esta sexta-feira o médico e professor de microbiologia da Universidade de Lisboa (UL) Thomas Hanscheid.

“Há empresas que conseguiram miniaturizar os testes moleculares realizados em laboratório, com capacidade para os colocar no mercado, mas os testes com qualidade são caros e não é só mandá-los para as escolas e para os lares. Não é qualquer pessoa que o pode realizar, como um teste de gravidez”, disse em entrevista à agência Lusa o especialista de origem alemã, docente na Faculdade de Medicina da UL. “Os novos testes moleculares rápidos vão custar muito dinheiro”, afirmou.

Os testes rápidos para doenças infecciosas foram desenvolvidos nos anos 80 devido à malária, com um formato semelhante a um teste de gravidez, mas o que agora se exige para a Covid-19 é diferente, alertou o professor.

“É preciso ter cuidado para saber que tipo de teste é”, defendeu quando questionado sobre a oferta destes testes, acrescentando que não são todos iguais: “O teste molecular vai amplificar o gene do vírus e é claro que funciona muito melhor”. Por ser um teste rápido, não significa que qualquer pessoa o sabe operar, referiu, manifestando surpresa com a quantidade de testes (500.000) que a Cruz Vermelha se propõe distribuir.

Além do custo, há que ter em conta quem vai operar o teste. “Não sei se serão técnicos enviados pela Direção Geral da Saúde, mas é preciso pessoas especializadas”, garantiu.

Para o médico, o recurso a testes rápidos é uma tendência e poderá ser útil em várias circunstâncias, mas a forma como está a usar-se não é ainda muito clara. “Um teste de 15 minutos pode fazer uma grande diferença numa decisão”, reconheceu. O teste rápido permite, por exemplo, saber no aeroporto, em 15 minutos, se pode fazer uma viagem de um dia, sem ter de esperar pelo resultado dois ou três dias ou ficar de quarentena. Pode também ajudar a manter alguma normalidade numa escola ou num lar, onde é sempre complexo encerrar instalações, até se apurarem todos os casos infetados e reinstalar as pessoas, no caso dos idosos.

“Há sempre a possibilidade de falhar algum, mas isso é sempre assim”, indicou, referindo que os testes rápidos, quando bem aplicados, “podem ajudar muito”.

“Tem é de ser um teste fiável (molecular). Há testes com fiabilidade de 95%, os que não serão detetados, os falsos negativos, são poucos”, explicou.

Confessou, no entanto, ter receio de que se pense que todos os testes rápidos são bons. Por isso, aconselhou cautela na escolha e na aplicação deste tipo de rastreio.