Mais um episódio na saga da medição de forças no Orçamento do Estado: o Bloco de Esquerda tinha marcado para esta manhã uma conferência de imprensa na sede do partido, em Lisboa, para pressionar o Governo no capítulo “Novo Banco”, quando, esta manhã, o gabinete de imprensa do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares informou os jornalistas de que Duarte Cordeiro ia dar uma conferência de imprensa para fazer um ponto de situação da disponibilidade do Governo na negociação com os partidos da esquerda no Orçamento do Estado. Um puxa de um lado, um puxa do outro. As televisões que transmitiam a conferência de imprensa de Mariana Mortágua, na rua da Palma, passaram a emissão para os Passos Perdidos, no Parlamento.

“Quero dar nota de alguns avanços neste processo negocial tendo em conta as reivindicações dos partidos com quem temos conversado em reuniões setoriais — e ainda ontem estivemos longas horas com o BE a discutir a área da Saúde e da Segurança Social”, começou por dizer Duarte Cordeiro, deixando claro que os avanços têm o “pressuposto” de “haver entendimento na viabilização do Orçamento do Estado”.

Ou seja, os avanços são “muitos”, “muito significativo” e “muito concretos”. Precisamente o contrário do que o Bloco de Esquerda tem dito, queixando-se de que as reuniões têm sido inconclusivas e que o Governo não tem dado margem para avanços.

Foi aí que Duarte Cordeiro passou a enumerar os tais avanços concretos e significativos, que passam pelo reforço dos profissionais de Saúde no SNS, pela suspensão dos prazos de caducidade da contratação coletiva, pelo alargamento da contratação coletiva aos trabalhadores em regime de outsourcing, passando pela regulamentação do teletrabalho e pela limitação da renovação dos contratos a prazo a três contratos  — tudo medidas que o BE tem reivindicado –, passando por medidas de aumento dos rendimentos, como o aumento extraordinário das pensões e a criação de uma prestação social extraordinária para trabalhadores independentes desprotegidos e para desempregados — outra grande bandeira da esquerda –, culminando até no reforço da legislação sobre os animais de companhia — à atenção do PAN.

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Sobre o Novo Banco, uma garantia: “Estamos a trabalhar no sentido de o Estado não colocar um cêntimo do ponto de vista de dinheiro público no Fundo de Resolução”, tal como a esquerda tem reivindicado. Mas o diabo está nos detalhes, e resta saber se o empréstimo é feito pela banca comercial (onde entra também a Caixa Geral de Depósitos) e se não tem impacto no défice, como o BE alerta — sendo que se a injeção for feita através do Fundo de Resolução, que é do Estado, terá sempre impacto no défice e na dívida.

Questionado pelo Observador, Duarte Cordeiro explicou que, ao contrário do que disse na conferência de imprensa, não é só a “banca privada” a injetar dinheiro, mas sim a “banca comercial”, onde se inclui a Caixa Geral de Depósitos. O BE até admite que a Caixa entre com dinheiro, mas como acionista já que participa no esforço de capitalização, não querendo no entanto que a injeção de capital dos bancos passe pelo Fundo de Resolução, que é público. Coisa que não parece negociável para o Governo. “Não interferimos em nada para além do Estado não emprestar ao Fundo de Resolução. Isso não retira a CGD que está sindicato bancário”, disse ao Observador.

Bloco quer banca a injetar capital no Novo Banco sem passar pelo Fundo de Resolução

Já sobre a prestação social extraordinária para os mais desprotegidos, o Governo garante que a medida vai envolver mais de 100 mil pessoas e vai custar “centenas de milhares de euros”. Ou seja, não há como a esquerda se queixar.

Eis os avanços negociais, no entender do Governo:

  1. Saúde: reforço dos recursos humanos em 4.380 profissionais de Saúde; colocar no local de trabalho, até ao final de outubro, médicos especialistas através da abertura de 1.385 vagas; concretizar a estabilização de 2.995 postos de trabalho criados no âmbito da Covid-19 e que agora vão ficar no SNS; disponibilidade de reforçar meios humanos do INEM em 260 profissionais; criação de um subsídio extraordinário de risco para profissionais da linha da frente;
  2. Trabalho: disponibilidade para aprovar moratória que suspenda os prazos de caducidade da contratação coletiva por 18 meses; alargar a contratação coletiva aos trabalhadores em regime de outsourcing; regulamentar o teletrabalho; limitar o trabalho temporário limitando a renovação a três contratos a prazo e regularizar as situações de falsos contratos de trabalho temporário, reforçar os poderes e os meios da ACT com reforço de 60 inspetores;
  3. Rendimentos: Aumento do salário mínimo nacional em linha com os aumentos da média na última legislatura (Governo admite que aumento é menor do que o conseguido no último ano, de 35 euros); aumento extraordinário das pensões a partir de agosto do próximo ano; disponibilidade para a criação de um novo apoio social extraordinário que tenha como referência o limiar da pobreza, que permita conseguir apoio a quem perde rendimento, desempregados, trabalhadores independentes, domésticas, uma medida na qual falta acertar “pormenor e detalhe” mas que o Governo garante que vai ter “um impacto financeiro muito grande” envolvendo mais de 100 mil beneficiários e várias centenas de milhares de euros.
  4. Novo Banco: trabalhar no sentido de o Estado não colocar um cêntimo do ponto de vista de dinheiro público no fundo de resolução. “Estamos a trabalhar no sentido de não haver um empréstimo público do Estado ao Fundo de Resolução”, disse. Ou seja, dinheiro só através da “relação entre os bancos privados e o Novo Banco”, mas com o dever de acautelar “eventuais riscos sistémicos”.
  5. Transportes Públicos: manter verba inscrita no PART para reforçar oferta de transportes nas áreas metropolitanas devido à Covid-19;
  6. Animais de companhia: investimentos nos centros de recolha oficial de animais, e manutenção das verbas para esterilização e identificação eletrónica de animais de companhia.

Tudo temas que, segundo o Governo, ainda carecem de acertos mas que estão na base do entendimento para um acordo com vista à viabilização do Orçamento do Estado à esquerda. Duarte Cordeiro sublinha ainda que, enquanto algumas destas matérias deverão ser inscritas no Orçamento do Estado, outras não são matérias de orçamento e, por isso, “partirão de documentos que queremos escrever em conjunto e compromissos que teremos de assumir”. Ou seja, o que não ficar no OE, o Governo quer deixar escrito no papel — e assinado pelas partes.