Título: A Cultura Moderna
Autor: Roger Scruton
Editora: Edições 70
Páginas: 160
Preço: 17,90€

A capa de “A Cultura Moderna” pelas edições 70

Este livro de Roger Scruton tem sido descrito como um grito de revolta contra a cultura contemporânea ou como um exemplo do “espírito reacionário” pouco interessado em conhecer a arte popular. Se nos ativermos aos capítulos finais de A Cultura Moderna, há de facto um repúdio generalizado por aquilo a que se convencionou chamar “cultura pop”; no entanto, este repúdio deve-se ao contrário daquilo a que os seus críticos mais vulgares apontam. Scruton não dá aqui mostras de uma cultura instalada, pouco “aberta” ao espírito de juventude e à rebeldia. O que Scruton quer mostrar é que falta precisamente esse espírito à arte que o apregoa. Não basta gritar “somos livres” se depois a música está amarrada a um quatro por quatro; a originalidade não aparece por gritarmos mais alto que a detemos, nem a regra se quebra se não a conhecermos. O que Scruton acentua é precisamente a monotonia do espírito selvagem, a forma como os espíritos pouco ensinados, em vez de trazerem contributos originais, recorrem aos mais básicos e mais monótonos arquétipos.

A tradição e a cultura produzem um alargamento do espírito e é esse alargamento que torna possível a frescura e a originalidade. Scruton está, neste sentido, próximo dos seus inimigos figadais: de nada vale invocar o espírito do bom selvagem, quando há estruturas que moldam o espírito e que o restringem a uma ínfima parte daquilo que ele pode ser. A cultura, aquilo a que ele chama alta cultura, é precisamente este movimento de uma civilização que reconhece que o património individual, de nascença, não é suficiente.

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No fundo, aquilo que o livro traz, nos capítulos finais, é um confronto entre uma cultura que confia no indivíduo e uma que confia na sociedade. Enquanto a cultura popular está interessada no interior de cada um, a alta cultura estaria interessada naquilo a que o Homem não chega por si. O livro, no entanto, tem uma subtileza que não pode ser reduzida a este confronto.

Isto porque, como Scruton percebe, o Homem não contém em si os elementos que lhe permitem analisar o seu próprio íntimo. A cultura, que nos dá aquilo que temos por nós, também nos traz os elementos para percebermos aquilo que nos é próprio. A boa arte é também uma revelação sobre nós próprios e, acima de tudo, sobre aquilo que, em nós, tem uma sede de eternidade.

O livro traça uma longa genealogia da cultura, desde a compreensão dela como um aspeto da religião até à perda deste ele, pelo iluminismo, e às diferentes respostas a este corte entre dois apelos fundamentais do Homem: a razão, por um lado, que insularia o Homem e o libertaria de práticas em última análise tribais, e o apelo comunitário, da terra e de casa, no fundo daquilo que, mais do que logicamente verdadeiro, é percebido como próprio de cada um. A mesma cultura que deu a razão fria e satírica de Voltaire trouxe as sociedades secretas, com todo o seu misticismo associado; a mesma cultura que chorava pelas regras sociais perdidas exaltava o amor transgressivo; em toda a cultura houve uma tentativa de conciliar as duas pulsões contrárias, separadas a partir do momento em que a religião deixa de ser vista como a fundamentação da cultura.

Roger Scruton: um conservador para dois mundos

A religião dá aos comportamentos uma legitimação de verdade que torna a cultura, nas suas representações simbólicas ou artísticas, uma manifestação da verdade. É na religião que razão e arte estão ligadas, de tal modo que toda a História da cultura moderna constitui uma odisseia da tentativa de recuperar a legitimidade da cultura. Porque é que As Bodas de Fígaro valem mais do que What’s The Story (Morning Glory)? E podemos dizer o contrário? É difícil responder a isto se a arte não obedecer a um critério de verdade, de uma verdade sobre o Homem, de que foi distanciada.

O livro de Scruton é interessante porque, embora a passagem por movimentos e correntes culturais seja algo genérica, Scruton consegue dar-lhe aquele toque pessoal de quem está familiarizado com aquilo de que fala e perceber os problemas fundamentais na perseguição do dilema da cultura. É um livro sereno (e a versão serena de Scruton é bem mais interessante do que a combativa), que tanto se pode ler pelas teses como pela evocação da cultura europeia que, sem grandes sobressaltos estilísticos, eleva ao leitor àquilo que de melhor a sociedade produziu.

Scruton consegue dar medida da grandeza da civilização e da forma como a arte responde aos problemas que ela própria vai criando. E é isso, mais do que a polémica em relação à cultura pop, que faz deste um bom livro.