O SARS-CoV-2 deixa o sistema imunitário completamente descontrolado, mas os investigadores ainda não conseguiram perceber exatamente como. Ignacio Melero, imunologista no hospital privado Clínica Universidade de Navarra, em Pamplona, tem algumas pistas: a resposta exacerbada de macrófagos e neutrófilos (dois tipos de células da resposta imune) provoca uma inflamação grave e destruição dos pulmões, noticia o jornal El Confidencial. O investigador admite, no entanto, que ainda há perguntas por responder, por exemplo: como é que o vírus interfere nesta regulação.

Uma lesão, a destruição de uma célula ou a invasão do organismo estranho pode desencadear a produção de citocinas, proteínas que servem para as células comunicarem umas com as outras. Um dos tipos de mensagens chega ao sistema imunitário e desencadeia a produção de algumas células, como os macrófagos, conhecidos por “engolirem” os patógenos e células mortas ou danificadas. No processo, os macrófagos também libertam algumas moléculas que ajudam a destruir os invasores, mas que acabam também por danificar células do organismo.

A presença dos macrófagos e as mensagens que transmitem podem ativar um certo tipo de resposta nos neutrófilos, outro tipo de glóbulos brancos, um dos primeiros tipos de célula a chegar ao local da infeção. Os neutrófilos são conhecidos por conseguirem, depois de morrer, libertarem o ADN de dentro do núcleo e lançá-lo sobre o patógeno como se de uma rede se tratasse. A mensagem enviada pelos macrófagos é para que mais neutrófilos utilizem este mecanismo — pelo menos foi o que a equipa de Ignacio Melero identificou através da autópsia de 12 pessoas que morreram com Covid-19.

“Temos encontrado nos pulmões de doentes Covid-19 com doença grave que têm uma quantidade enorme destas redes [cobertas de plasma viscoso], estas redes são particularmente habituais no pus: o pus é uma coleção de redes”, disse Ignacio Melero, sobre a investigação que teve um apoio da Fundação BBVA.

Identificados os desencadeadores da resposta imunitária exacerbada, mesmo sem saber como é que o vírus consegue “piratear” o sistema, os investigadores têm algumas moléculas, desenvolvidas para outras doenças, que podem tentar usar para ajudar a inibir esta resposta. Esta ideia assemelha-se ao que aconteceu com a dexametasona: usada como resposta rápida à inflamação no tratamento de outras doenças, também está recomendada em doentes Covid-19 com doença grave.

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A destruição das células dos pulmões, em particular nos alvéolos pulmonares — onde ocorrem as trocas gasosas entre os pulmões e o sangue (entra oxigénio e sai dióxido de carbono) —, já tinha sido descrita em autópsias noutros países, como em Itália — segundo uma publicação da The Lancet. Nas autópsias italianas também se encontrou uma grande quantidade de macrófagos e linfócitos (outra parte da resposta imunitária).

Na Índia, um médico encontrou, durante a autópsia — e além das destruição dos pulmões —, muitos coágulos sanguíneos nos capilares que envolvem os pulmões. Além disso, Dinesh Rao, chefe do Departamento de Medicina Forense na Faculdade de Medicina e Instituto de Investigação Oxford (Bangalor), encontrou vírus ativos no nariz, boca e garganta do doente que tinha morrido há 18 horas.

“Foi chocante ver o que o vírus tinha feito aos pulmões”, disse Dinesh Rao, citado pelo jornal The Hindu.

“Os pulmões, que normalmente são como uma bola de esponja macia, eram mais como uma bola de couro. Normalmente pesam cerca de 600-700 gramas, mas os pulmões da vítima juntos pesavam 2.180 gramas e a textura era de couro”, disse o médico depois da única autópsia a doente Covid-19 que tinha feito até dia 22 de outubro.