Os doentes estão a chegar mais tardiamente ao hospital e com situações mais avançada das suas doenças, alertam médicos, que reiteram o apelo para as pessoas não terem receio de ir aos serviços de saúde.

“As pessoas têm chegado mais tardiamente do que aquilo que seria desejável”, diz à agência Lusa Leonor Carvalho, diretora do serviço de Medicina Interna I do Hospital Santa Maria, em Lisboa, onde estão internados doentes sem Covid-19, principalmente idosos.

Esta situação também é constatada por Jacques Santos, adjunto da direção do Serviço de Urgência e chefe de equipa, afirmando que começou a notar-se novamente uma diminuição da procura dos serviços de urgência por parte de doentes não Covid-19, “embora não tão evidente como na primeira vaga” da pandemia.

“Os doentes com receio mantêm-se em casa durante mais tempo e vêm sempre com situações mais graves, tem também a ver com falhas no acompanhamento destes doentes por parte dos cuidados primários e por parte das consultas hospitalares e estamos a pagar agora”, sublinha o médico.

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Em relação ao risco de a atividade assistencial não programada voltar a ser suspensa devido ao aumento de casos Covid-19, diz que na fase inicial da pandemia “houve muita preocupação para dar resposta aos doentes com Covid-19 e perdeu-se um bocadinho a noção do que estava a acontecer com os outros doentes”.

“Agora é diferente, há uma grande preocupação em acompanhar os doentes não Covid (…) e acho que não vai chegar ao ponto que chegou na primeira vaga, temos de confiar nisso”, afirma Jacques Santos.

As 120 camas que o Serviço de Medicina I dispõe atualmente estão praticamente cheias. No dia da reportagem da Lusa em Santa Maria, realizada na terça-feira, no corredor, uma enfermeira ajudava uma idosa a andar apoiada num andarilho para não perder a locomoção, enquanto outros profissionais entravam e saíam dos quartos a prestar apoio aos doentes.

Apesar de a capacidade do serviço ter sido reduzida para metade para libertar camas para a Covid-19, Leonor Carvalho garante que ninguém fica por internar e ter o devido tratamento, porque há outros serviços de especialidade que têm feito também “um esforço muito grande”.

“Só fica por internar quem adia a sua vinda ao hospital por medo”, diz a médica internista, que apela aos doentes para não terem medo de ir ao hospital quando necessitarem.

Na terça-feira, havia apenas cinco vagas na enfermaria em que 110 camas são para doentes agudos e 10 para casos sociais que aguardam resolução.

“Iremos ter altas, mas estamos todos os dias a ver as vagas que temos e as altas que podemos dar”, uma situação que “requer um grande esforço de todo o pessoal”, diz Leonor Carvalho, visivelmente cansada.

Ali estão internados muitos idosos, que não têm capacidade de ser tratados devidamente em casa quando descompensam de situações como insuficiência cardíaca, infeção respiratória, e muitos doentes oncológicos.

Sobre o que mudou desde o início da pandemia, Leonor Carvalho diz que foi a pressão, “muito grande neste momento” devido à redução de camas e à falta de alguns profissionais que têm de ficar em casa porque se infetaram ou estão em quarentena.

A agravar a situação, está a saída no último mês de quatro médicos para outros hospitais. “É uma sobrecarga muito grande, as pessoas estão muito cansadas”.

Só com “muita dedicação” se consegue continuar, desabafa, contando que diz muitas vezes aos seus colaboradores que são os seus heróis.

“O Serviço Nacional de Saúde já estava carenciado antes desta crise, não é novidade para ninguém, e neste momento deverá ter um grande reforço de investimento para voltar a ser aquilo que era e ainda é um bom Serviço Nacional de Saúde”.

Doentes não infetados no Santa Maria partilhados para poupar equipas

Os doentes não Covid-19 internados no Hospital Santa Maria, em Lisboa, vão ser partilhados por várias especialidades durante o inverno para poupar as equipas que têm estado mais sobrecarregadas, avançou o presidente do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN).

“Há especialidades que têm estado excessivamente expostas e não apenas à atividade Covid-19”, sendo o objetivo desta medida “reduzir a carga de trabalho excessivamente concentrada em duas ou três especialidades” que acolhem o maior número de doentes no inverno, afirmou Daniel Ferro.

Segundo o presidente do conselho de administração do CHLN, o que está previsto no Plano de Inverno é que haja “uma solidariedade dos serviços” para que o trabalho seja repartido de “forma mais equitativa” para não haver serviços a trabalhar a 110% ou 120% e outros a 80% ou 90%.

Sobre o que mudou entre a primeira e a segunda fase da pandemia de Covid-19, disse que o que se procurou foi “ajustar melhor” as estruturas do maior hospital do país.

Na primeira fase, estiveram “muito focadas” no atendimento Covid-19 e nesta altura estão “repartidas por Covid e não-Covid”.

Relativamente aos doentes Covid-19, Daniel Ferro disse que o hospital ainda tem uma margem de aumento de camas de enfermaria e cuidados intensivos, mas lembra que “parte fundamental” da atividade do Santa Maria são os outros doentes.

“Enquanto por dia internamos três ou quatro doentes com Covid-19, internamos uma média de 70 doentes não Covid-19 numa linha de urgência, não fazendo conta com a atividade programada”, realçou.

Pouco a pouco, o hospital foi retomando a atividade programada, estando neste momento similar à que existia antes da pandemia, com 90% a 95%, dependendo das áreas.

“Vamos ver se conseguimos manter-nos” para não ter “uma redução tão grande da atividade, sobretudo cirúrgica”, como aconteceu na primeira fase da pandemia.

Perante a escassez de recursos no mercado, o hospital tem otimizado os processos e “tem tido ganhos na ordem dos 30% nas áreas de internamento principais”, com a redução do tempo médio de internamento.

“O plano é ter o equivalente a cerca de 50 a 70 camas ganhas por eficiência e, se conseguirmos, mais 50 camas abertas de novo. Na certeza, porém, de que todos os recursos que conseguirmos adquirir durante esta fase será ótimo, mas há alguma incerteza quanto a isso”, referiu.

Com o aumento consistente de casos diários de Covid-19, o Santa Maria tem recebidos doentes dos hospitais Amadora-Sintra e do Beatriz Ângelo, em Loures.

“Só na última semana devemos ter recebido 10, 12 doentes dos 60 que temos neste momento internados”, disse, elucidando: “Dos 700 doentes que temos tratado entre 25% a 30% são do corredor Amadora-Sintra ou do corredor Odivelas-Loures”.

O que se tem procurado “é não haver grandes oscilações” entre a ocupação de camas e as solicitações, tendo a disponibilidade do hospital “sido maior em determinados períodos”, de acordo com a capacidades de internamento.

“É neste equilíbrio que temos procurado articular com estes hospitais”, rematou.

Além dos doentes que são transferidos e referenciados por estes hospitais, também há utentes que acedem diretamente ao Santa Maria, onde metade dos doentes internados são de todas as áreas de Lisboa e fora dela.

Fazendo um balanço, deste período, Daniel Ferro considerou que “as coisas têm corrido bem”.

A pandemia de covid-19 já provocou mais de 1,1 milhões de mortos e mais de 44,5 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.

Em Portugal, morreram 2.428 pessoas dos 132.616 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.