A visão que se tem de um povo está sempre condicionada à época em que essa imagem é produzida e divulgada, bem como ao seu autor. Estudos diversos e dados precisos podem ajudar a ter uma ideia mas, no final das contas, o melhor retrato é o que se faz com o coração. E esse – comecemos já com adjetivos e subjetividade – não falta aos habitantes das terras lusas, que se espalharam pelo mundo desde que se reconhecem como tal.

O típico português gosta de ter a casa cheia, de receber os amigos ou a família. De presenteá-los com bom vinho e com boa comida, como a nossa típica feijoada e o nosso único cozido à portuguesa. Tal como cantava Amália Rodrigues: “Numa casa portuguesa fica bem/ pão e vinho sobre a mesa”. Os portugueses gostam de manter as tradições de outros tempos e na própria maneira de ser. E os livros sobre a história do nosso povo comprovam isso mesmo. Celebremos, então, da melhor forma que conseguimos: através do que escrevem sobre nós.

Se há conquistas que começam pelo estômago, é mesmo por aí que iniciamos esta viagem, à descoberta de quem são os portugueses e o que é Portugal.

Os portugueses comem a sopa toda…

Ilustração: Joana Mendes Leal

O nutricionista Pedro Graça lançou recentemente um livro dedicado ao tema da gastronomia nacional, designado por “Como comem os portugueses”. Ali, baseado em inúmeros estudos e documentos de épocas variadas, revela que “apesar das mudanças, existem continuidades no nosso modelo alimentar que persistem, embora, por vezes, adaptadas aos novos tempos”. Uma dessas continuidades é a sopa, quer como início de refeição, quer como prato principal, inspirando até os cozidos, as caldeiradas e as jardineiras, e que se tornou no “mais icónico símbolo do que comem os portugueses”.

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A sopa ocupa, aliás, o capítulo inicial do primeiro livro de culinária português, A “Arte de Cozinha”, de 1688, e reeditado em maio de 2017 pela Relógio D’Água. De autoria de Domingos Rodrigues, nascido em 1637 em Vila Cova à Coelheira, no concelho de Seia (Beira Alta), e que foi cozinheiro na Casa Real de Portugal durante largas décadas. Morreu com 82 anos em Lisboa, a cinco dias da consoada do ano de 1719. Na sinopse da sua última edição refere-se, inclusivamente,  que esta obra foi levada na bagagem da Família Real, quando seguiu para o Rio de Janeiro, em 1808.

… viajam ou emigram, conforme a vontade….

Ilustração: Joana Mendes Leal

A viagem da obra de Domingues Rodrigues confirma que, mesmo quando se afastam da sua pátria – independentemente das razões – os portugueses levam memórias de casa. Sabemos que, desde sempre, os habitantes deste pedaço de terra quiseram explorar outros mundos, mas foi sobretudo a partir das descobertas que esse movimento se intensificou. Como referiu Daniel Ribeiro, jornalista correspondente em Paris há 35 anos – citado pelo jornal Contacto, um semanário luxemburguês em língua portuguesa – “a emigração é qualquer coisa crónica, uma marca essencial desde há muitos anos”. Encaixa aqui a história da “Vida Extraordinária do Português que Conquistou a Patagónia” – uma obra de Mónica Bello, onde é relatada a vida de José Nogueira, um português das margens do Douro, que deixou uma vida miserável aos 12 anos e se meteu num navio em busca de algo melhor. Encontrou-o em Punta Arenas, na Patagónia. Foi ali, onde, sem nunca ter aprendido a ler ou a escrever, “no local onde tudo faltava, tudo estava para fazer, mas tudo lhe parecia possível, naquele lugar do qual já nem Deus se lembrava, que José Nogueira teimou que ia deixar herança”. E deixou: terras, negócios e uma imensa fortuna.

Consoante as épocas, os fluxos migratórios variaram, mas nunca pararam e, se muitos saíram, muitos também regressaram. Segundo os dados mais recentes, publicados pelo INE, em 2019, perto de 73 mil pessoas entraram em Portugal e, desses, 26 mil eram cidadãos portugueses. O que os faz regressar? Se perguntarem, muito provavelmente a resposta mais ouvida será: a saudade. Um cliché, mas não por isso menos verdadeiro.

… e morrem de saudades de tudo, o tempo todo.

Esta forma de sentir é muito própria dos portugueses e foi posta em palavras por diversos poetas e escritores, como Natália Correia: “E não seremos nós todos portugueses exilados? Mesmo na Pátria. Sobretudo na Pátria, porque isso mesmo é a Pátria da Saudade” (in, “Descobri que era europeia”, 1988).

Foi também dessa (desta) Pátria que falou Fernando Pessoa quando, em 1934 publicou “A Mensagem”, uma obra que tinha planeado chamar Portugal e a única publicada em vida. Pessoa conhecia bem esses habitantes do país que também era o seu e que desejava ver “regenerados”, a recuperar da antiga grandeza da época dos Descobrimentos, usando como exemplo os grandes heróis do passado. Mostra assim um Portugal que não esquece – ou não quer esquecer – um passado glorioso, que não renega as suas raízes, carregado de exemplos de quem não desistiu e venceu as adversidades.

São estes os portugueses que gostam de contar a sua História – e as pequenas histórias dentro desta – enquanto reúnem amigos e família à volta da mesa. Pois é aí que regressam sempre, seja na sua pátria original, seja na que replicam por esse mundo fora. É aí também que saboreiam os seus pratos prediletos e bebem o vinho da sua terra (que nunca pode faltar), enquanto lembram as melhores colheitas, os maiores desafios e as tradições que passam de geração em geração.

E, se é de história que falamos, acrescentemos que Portugal é um país de forte tradição vitivinícola e os seus habitantes profundos conhecedores deste néctar. Pensa-se que a vinha tenha sido introduzida no nosso país, na região da península de Setúbal pelos Tartessos (povo ibérico), há cerca de 2000 a. C.. Desde essa época, nunca mais deixou de ser produzido nesta região (e em todo o território do que viria a ser Portugal). É daqui originário o mais antigo vinho de mesa português: o Periquita, comercializado desde 1850. Talvez por isso, não seja difícil de imaginar que sabe acompanhar uma boa conversa e recordar o passado.

Ilustração: Joana Mendes Leal

Desde finais do séc. XIX que a família Periquita aumentou: do Tinto inicial, passou a produzir-se igualmente o Branco, o Rosé, o Reserva Tinto e o Superyor. Não esquecendo o Periquita Clássico: uma seleção dos melhores vinhos produzidos com a casta Castelão e que, por isso, surge apenas em anos de particular qualidade. Traz consigo a memória do tempo em que as uvas eram fermentadas com engaço, a temperatura pouco controlada e o envelhecimento feito em toneis de madeira usada durante 24 meses. Ao distribuí-lo pelos copos, todos os convidados saberão que o que se segue é um momento de pura degustação e, mesmo que não se diga nada, o primeiro golo é dedicado aos que estão, aos que não estão e aos que virão. Porque assim se brinda à mesa portuguesa desde sempre. Celebremos, então, com um copo de Periquita Clássico na mão e brindemos ao facto de sermos portugueses e termos orgulho disso.

Saiba mais sobre este projeto em https://observador.pt/seccao/observador-lab/periquita/