Ana Gomes já tinha retribuído o apoio em adiantado quando, no penúltimo dia de campanha, disse que “encorajaria” Pedro Nuno Santos a avançar para a liderança do partido se — ou quando — o cenário se colocasse. O apoio do ministro das Infraestruturas só chegaria um dia depois, esta sexta-feira, na conferência online de encerramento da campanha, quando Pedro Nuno Santos deixa um “agradecimento” carregado de críticas veladas a António Costa e a Marcelo Rebelo de Sousa.

“Se os socialistas não estão limitados a escolher candidatos de outros partidos isso deve-se a ti. Não nos deixaste, a nós, militantes do PS, sozinhos. Obrigado por não deixares os socialistas sozinhos nesta campanha”, disse, criticando de forma implícita o facto de a direção de António Costa ter optado por não apoiar nenhuma candidatura, deixando o campo aberto para Marcelo Rebelo de Sousa.

Pedro Nuno Santos foi a voz que mais se fez ouvir nessa crítica interna e, esta sexta-feira, voltou à carga: “Eu sei que muitos camaradas meus dizem que não basta ser militante do PS para ter o voto do PS. Pois não, não basta, mas Ana Gomes não é uma militante qualquer, é alguém que deu muito ao país, não só em nome do Estado, mas do PS”, defendeu.

[Ouça aqui a reportagem da Rádio Observador]

Pedro Nuno Santos não deixa Ana Gomes “sozinha”

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Os elogios à candidata da área socialista foram muitos e sempre em contraponto com o candidato Marcelo Rebelo de Sousa, embora o nome do atual Presidente da República não tenha sido proferido uma única vez. Mas estava lá: um político da “elite”, que “não é autêntico”, que se rege pela “tática”, que é “artificial” e que é “obcecado com que tudo o que diga seja aceite”.

“Quem é autêntico não está obcecado com que tudo o que diga seja aceite. Não tem a tática permanentemente na cabeça antes de falar. Ana Gomes já tem anos demais de vida política para perceberemos que não tem necessidade de ser elogiada pela elite”, disse numa conferência transmitida online, naquele que é considerado o evento de encerramento da campanha.

Portugal é consigo, Portugal é connosco

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Posted by AnaGomes2021 on Friday, January 22, 2021

Ao contrário de Marcelo Rebelo de Sousa, Ana Gomes é genuína, disse. “Ana Gomes diz o que sente e o que é preciso ser dito. Não tem a tática na cabeça antes de falar. E é desses políticos que precisamos: políticos que são autênticos, que não são artificiais”.

A crítica foi sempre velada, mas tornou-se mais explícita quando o ministro lembrou um episódio passado no atual Governo, onde a influência do Presidente foi prejudicial. “Quando o Governo, num momento difícil, inicia uma negociação com grupos privados da saúde, a Ana Gomes Presidente da República nunca lhe ocorreria reunir com os grupos privados”, disse, numa referência às audiências que Marcelo teve em Belém com administradores do setor privado da Saúde. “É nestes momentos que as pessoas se definem e expressam a sua visão do mundo e da sociedade”, disse.

No entender de Pedro Nuno Santos, é por Ana Gomes ter essa “coragem” e essa “genuinidade” que os socialistas se sentem representados na candidatura de Ana Gomes. “Sentimo-nos de alma cheia por termos alguém que transporte este ideário”, disse, referindo-se ao ideário da “justiça, da decência”, assim como da “defesa do SNS”, da “legislação laboral”, da defesa de melhores salários e emprego decente.

A “autenticidade” foi um dos pontos mais sublinhados pelo ministro do Governo de António Costa, cujas intenções de subir à liderança do partido são assumidas. “Olhamos para Ana Gomes e vemos alguém como nós, que sente, que falha, que diz coisas acertadas e outras menos, que é autêntica e não artificial”, disse ainda defendendo que Ana Gomes tem o “ideário” socialista e não cai no erro de dizer que “é melhor emprego precário do que nada”. “Obrigado”, repetiu Pedro Nuno Santos, encabeçando a frente de esquerda que assumiu o apoio a Ana Gomes e que criticou a neutralidade (pró-Marcelo) de António Costa.

Segunda volta? “É de facto possível”

Depois de, na quinta-feira, Manuel Alegre, Francisco Assis e Tiago Barbosa Ribeiro terem polarizado a questão entre uma escolha pela democracia ou uma escolha pela extrema-direita, ao pedirem claramente para a “esquerda-democrática” ir votar em massa em Ana Gomes para ficar à frente de André Ventura, o objetivo neste que é o último dia possível de apelo ao voto é chamar todos os que são anti-Ventura. Incluindo os que são de direita. Se essa “união” for possível, então a segunda volta também o é.

“A segunda volta é, de facto, possível e aí, mais do que nunca, todos teremos a responsabilidade histórica de congregar, de unir, desde logo todos aqueles que, à esquerda, sabem a importância da democracia para a liberdade e para o cumprimento deste país, mas também aqueles que, ao centro e à direita, percebem que a democracia está a ser atacada pelas forças de ultra-direita”, disse Ana Gomes no encerramento da conferência online.

O ponto da candidata presidencial é o mesmo que tem defendido na última semana de campanha: que quem nega esse ataque da ultra-direita, quem “desvaloriza”o perigo, como Ana Gomes diz que Marcelo faz, está a “fazer o jogo dessa mesma ultra direita”.

No pequeno ecrã, ao fundo, Pedro Nuno Santos voltou a agradecer à candidata e, já em silêncio, ergueu o punho esquerdo no ar. Símbolo da luta socialista, ou da luta pelo PS. Num caso ou noutro, tanto Pedro Nuno como Ana Gomes estão lá.