O Ministério da Saúde considera que cabe a cada lar de idosos, e não às autoridades nacionais, interpretar quem preenche as condições para receber a vacina enquanto elemento de um grupo prioritário. Em causa está a polémica suscitada pela notícia de que o presidente da Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, José Calixto, que é também presidente de uma fundação que gere um lar de idosos no concelho — onde no verão de 2020 um surto de coronavírus matou 18 pessoas —, foi vacinado, mesmo sem pertencer a qualquer grupo prioritário.

O autarca defendeu-se sustentando que devia ser considerado prioritário por estar em contacto direto com o dia-a-dia do lar de idosos e, também, por ser a autoridade municipal de Proteção Civil.

Presidente da Câmara de Reguengos de Monsaraz tomou vacina para a Covid-19 sem pertencer a qualquer grupo prioritário

Numa resposta escrita enviada esta sexta-feira ao Observador, o ministério disse que “o preenchimento das condições para a vacinação pelo Lar da Fundação é uma interpretação que cabe àquela Instituição“. Porém, em declarações ao Observador na manhã desta sexta-feira, o coordenador do Plano Nacional de Vacinação, Francisco Ramos, tinha afirmado que, como autarca, José Calixto “não deveria ter sido vacinado” e que “esteve mal” como membro de administração do lar.

Na sua defesa, José Calixto usou dois argumentos que não têm qualquer relação um com o outro e que importa clarificar para que se entenda a polémica:

  • Por um lado, alegou que, enquanto presidente da câmara e, por inerência, autoridade municipal de proteção civil, devia ser considerado como prioritário no plano de vacinação, à semelhança do que ocorre com profissionais como bombeiros e das forças de segurança;
  • Por outro lado, argumentou que tem responsabilidades numa “instituição que tem a seu cargo mais de sete dezenas de idosos que é absolutamente prioritário defender”.

Na manhã desta sexta-feira, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde, António Lacerda Sales, foi questionado pelos jornalistas sobre a polémica e referiu-se aos dois argumentos invocados por José Calixto.

Relativamente ao primeiro argumento, o secretário de Estado concordou há circunstâncias em que os políticos devem ser incluídos no conjunto dos “serviços críticos”. “Penso que é normal, ainda por cima da Presidência portuguesa, o grau de responsabilidade que tal situação exige, penso que é muito normal que possam ser adequados”, considerou, referindo-se no geral a titulares de cargos políticos variados, e não apenas a autarcas. “Deveriam integrar os serviços críticos, tal como as forças de segurança, bombeiros“, e ser por isso vacinados “na fase devida” — “sendo que há outras prioridades iniciais, com os profissionais de saúde, os residentes dos ERPIs, os profissionais dos ERPIs. Depois na fase dos serviços críticos, penso que seria razoável. Entendo que todos nós devemos ser vacinados nas nossas fases”.

Relativamente ao segundo argumento invocado por José Calixto, o secretário de Estado foi mais vago. Lembrando que o autarca está, em simultâneo, associado ao lar de idosos, de cuja direção faz parte, Lacerda Sales disse: “Talvez por isso então tenha sido vacinado. Aí justificar-se-á.” Contudo, o plano de vacinação português não é completamente claro sobre que trabalhadores dos lares estão abrangidos na primeira fase da vacinação — ainda que o coordenador do plano já tenha referido publicamente que, no caso de José Calixto, não devia ter havido lugar à vacinação.

Na sequência das declarações do secretário de Estado, o Observador pediu mais esclarecimentos ao Ministério da Saúde sobre o posicionamento do governante. Numa resposta por escrito, o Governo concordou que “os autarcas sendo responsáveis municipais pela proteção civil podem eventualmente integrar o conceito de serviços críticos”. “Tal conceito será devidamente densificado pelas entidades competentes para o efeito“, acrescentou o ministério. É certo que, por todo o país, há realidades díspares — e, consoante a dimensão dos municípios, os autarcas podem ser mais ou menos interventivos no terreno, o que justifica que as autoridades de saúde identifiquem, em cada situação, se um presidente de câmara, na sua qualidade de autoridade de proteção civil, se inclui ou não na chamada “linha da frente“.

Já no que diz respeito ao argumento relacionado com o lar de idosos, o Ministério da Saúde diz que “o preenchimento das condições para a vacinação pelo Lar da Fundação é uma interpretação que cabe àquela Instituição”. Ou seja: os lares de idosos devem, consoante a realidade própria de cada instituição, identificar os elementos que consideram estar abrangidos na primeira fase da vacinação, cabendo-lhes a “interpretação” dos critérios. A lista dos profissionais incluídos é depois entregue às autoridades de saúde de cada lugar — e foi, aliás, esse um dos argumentos usados pelo lar de Reguengos de Monsaraz. Segundo disse ao Expresso o diretor de serviços do lar, João Carlos Silva, as listas dos elementos a vacinar foram enviadas para as autoridades de saúde, e a interpretação feita pela instituição foi aprovada.

Mesmo remetendo para o lar a responsabilidade de interpretar os critérios, o Governo apela aos titulares de cargos políticos que sejam “exemplos de cidadania” e esperem pela vez que lhes cabe para a vacina:“Não se pronunciando sobre casos concretos — até porque desconhece em pormenor todo o processo — reafirma que os titulares de cargos públicos devem ser exemplos de cidadania e aguardar pelo momento da sua vacinação, de acordo com os critérios que foram definidos no Plano.”

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