Pescadores, autarcas e dirigentes políticos da Madeira são unânimes em criticar a União Europeia por proibir a pesca do tubarão de profundidade, vulgarmente conhecido por “gata”, alegando que a sua captura é acidental e residual.

Proibir a ‘gata’ não faz sentido nenhum. E não é só para mim. É para toda a gente”, disse à agência Lusa o pescador João de Sousa, 67 anos, que se encontrava com um grupo de amigos na baía de Câmara de Lobos, concelho contíguo ao Funchal, na zona oeste.

A posição é apoiada pelos restantes, mas é a sua voz que continua a sobressair no grupo.

A gente não pesca a ‘gata’. A ‘gata’ anda junto com a espada e vem no mesmo anzol”, explica, reforçando: “Quando a gente puxa o aparelho para cima, a ‘gata’ está morta. Não há maneira nenhuma de salvar aquele peixe”.

Em janeiro, a Comissão Europeia proibiu a pesca de tubarões de profundidade durante dois anos — 2021 e 2022 — nas águas ocidentais do Atlântico Sul (em torno da Madeira e das ilhas Canárias) como forma de garantir a sustentabilidade das populações da espécie.

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O tubarão de profundidade é, contudo, um predador do peixe-espada-preto, sendo içado acidentalmente pela frota madeirense, por abocanhar os mesmos anzóis, chegando à superfície já morto.

De acordo com o Regulamento da União Europeia, o “Conselho Internacional de Exploração do Mar (CIEM) recomendou a redução ao mínimo da mortalidade por pesca dos tubarões de profundidade” porque são “espécies de longa vida com baixas taxas de reprodução”, indicando mesmo haver “uma situação de sobrepesca”.

Por conseguinte, diz a Comissão Europeia, “é proibido aos navios de pesca da União pescar tubarões de profundidade […] e manter a bordo, transbordar, transladar ou desembarcar”.

Em Câmara de Lobos, onde a “gata” é comercializada há décadas, sobretudo como petisco para acompanhar bebidas como a tradicional poncha, João de Sousa não esconde o desalento.

Se é proibido trazer para terra, temos de deitar fora e qual é o benefício que a gente tem em deitar o peixe morto fora?”, questiona, realçando: “Eu acho um absurdo”.

No grupo, um pescador diz: “Mesmo que o peixe chegue vivo, não há maneira de o salvar. É um peixe do fundo, da água fria. É pescado a 1.000 metros de profundidade”. E outro acrescenta: “Olhe que a ‘gata’ é um peixe que vende bem. Quanto dinheiro o Estado perde com este peixe deitado fora?”.

A proibição decretada pela União Europeia levou o PCP a apresentar um voto de protesto na Assembleia Legislativa da Madeira, que foi aprovado na quinta-feira por unanimidade. O deputado único do PCP Ricardo Lume lembrou que, em 2015, a Comissão Europeia assumiu a mesma posição, mas, dois anos depois e provada que era uma captura acidental e acessória, recuou e reverteu a medida, possibilitando aos barcos de pesca do peixe-espada-preto transportar e descarregar a “gata” nos portos de abrigo.

Foi, então, atribuída à região uma quota de sete toneladas/ano e, de acordo com dados do Governo Regional, a comercialização da ‘gata’ serve de complemento a 200 famílias, tendo rendido em lota 40 mil euros em 2019.

Em Câmara de Lobos, o pescador João de Sousa insiste no protesto: “A gente pesca a espada e, é claro, a ‘gata’ vai ao isco também. Como não se pode trazer para terra, deita-se ao mar. Isto é uma solução? Não faz sentido nenhum.”

A Câmara Municipal de Câmara de Lobos alinha com a posição dos pescadores e dos partidos com assento na Assembleia Legislativa da Madeira — PSD, PS, CDS-PP, JPP e PCP — sublinhando que a proibição é “inócua”.

“Em articulação com as entidades responsáveis, quer regionais, quer nacionais, vamos tentar criar um grupo de trabalho que permita desenvolver estudos que possam demonstrar [à Comissão Europeia] a importância de se manter a atividade e evidenciar o caráter acidental desta pesca“, disse à agência Lusa o vereador Leonel Correia da Silva, responsável pelo pelouro da Agricultura e Assuntos do Mar.

O autarca sublinha que não defende a legalização da pesca do tubarão de profundidade, mas apenas que seja autorizada a comercialização dos exemplares capturados, conforme o modelo que esteve em vigor até 2020.

Esta proibição é contraproducente”, reforçou, alertando para a eventualidade de potenciar o comércio ilegal da espécie, cujo preço chega a atingir 20 euros ao quilo.