Noutro tempo, noutras décadas, a história era outra. Os jovens jogadores de futebol, quando decidiam dedicar-se por inteiro ao futebol ou quando percebiam que era complexo conciliar os treinos e os jogos com qualquer outra atividade, deixavam os estudos. O avançar dos tempos, assim como a aposta dos clubes portugueses na formação e nas condições das camadas jovens e a passagem do ensino obrigatório do 9.º para o 12.º ano, provocou uma lógica contrária. Para jogarem, para serem convocados, para continuarem na equipa, os jogadores têm de permanecer na escola, têm de ir às aulas, têm de ter boas notas. E hoje, na generalidade dos clubes profissionais, dificilmente um jovem jogador não está a estudar ou não terminou recentemente o ensino secundário.

A lógica, lá está, costuma parar na conclusão do ensino secundário. A frequência universitária é demasiado exigente para um jovem que está transformar-se um atleta profissional de alta competição; e a maioria, atualmente, adia os cursos superiores para depois do fim da carreira desportiva. Existem exemplos de jogadores que terminam licenciaturas, mestrados e até doutoramentos enquanto ainda pisam os relvados — Tarantini em Portugal, Chiellini em Itália e Lewandowski na Alemanha, para dizer alguns — mas todos eles são exceções à regra. E, por talvez não querer ser uma exceção, é que Alessandro Arlotti tomou a decisão que o tornou um dos nomes mais repetidos no universo do futebol europeu nas últimas semanas.

Ecuador v Italy - FIFA U-17 World Cup Brazil 2019

Em 2019 (ao centro), com dois colegas da seleção italiana durante o Mundial Sub-17

O jovem jogador italiano, que é internacional Sub-17 e esteve no último Mundial do escalão, decidiu deixar o futebol para estudar em Harvard, uma das melhores universidades do mundo, nos Estados Unidos. O médio de 18 anos, que é formado no Mónaco e atualmente está ao serviço do Pescara, da Serie B italiana, explicou à RMC Sports que “não tinha como descartar a oportunidade, apresentando uma explicação muito sensata para a decisão que tomou. “É óbvio que o futebol sempre foi o meu sonho. E se eu tivesse a impressão de que no meu futuro iria ter uma carreira de mais destaque, talvez pensasse de forma diferente. No fim, acho que fiz a escolha mais correta”, atirou Arlotti, que ganhou uma bolsa de estudos e vai mudar-se para o Estado do Massachusetts já no próximo mês de agosto, no final da temporada que está agora a decorrer.

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Sem ainda ter decidido definitivamente o que vai estudar em Harvard, o jovem italiano — que nasceu em Nice, França, mas é filho de pais italianos — está inclinado para o curso de Economia. A ideia, porém, não passa por abandonar por completo o futebol: Arlotti vai integrar o plantel da Harvard Crimson, a equipa de futebol da escola que compete na liga universitária dos Estados Unidos. A partir daí, e depois de concluído o curso, poderá inscrever-se no draft (assim como acontece na NFL, no futebol americano, e na NBA, no basquetebol) e ser escolhido por qualquer clube da MLS, prosseguindo aí a carreira de jogador de futebol profissional. “Mesmo sabendo que é quase impossível, ainda espero um dia jogar na Europa”, acrescentou à RMC Sports.

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A história de Alessandro Arlotti acaba por recordar uma outra — que terminou com uma decisão no sentido oposto. Patrick Bamford, avançado inglês que está nesta altura ao serviço do Leeds, também entrou em Harvard no final da adolescência. Com um percurso brilhante no ensino secundário, fluente em três línguas e com talento para o piano, a guitarra, o saxofone e o violino, abdicou da oportunidade para não perder o lugar que tinha na formação do Chelsea. De lá para cá, passou por variados empréstimos até aterrar de forma definitiva no Leeds, em 2018, e fez parte da equipa de Marcelo Bielsa que levou o histórico clube de volta à Premier League.