O ambiente é de nervosismo no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, no dia de reabertura de portas após três meses de confinamento, para apresentar “Catarina e a beleza de matar fascistas“, como se fosse a primeira vez.

É o primeiro dia de espetáculo e de receber o público, desde que os teatros foram encerrados, a 15 de janeiro. Não há ensaio, apenas os acertos finais, antes de os atores vestirem os figurinos, subirem ao palco e voltarem a apresentar a peça escrita e encenada por Tiago Rodrigues, diretor artístico do teatro, que já tem lotação esgotada para as oito apresentações.

Antes deste confinamento, “Catarina e a beleza de matar fascistas” estreou-se em setembro de 2020, no Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães. A peça foi depois apresentada na Suíça, e posteriormente em Lisboa, no Centro Cultural de Belém.

O espetáculo não é uma estreia absoluta mas tem todos os ingredientes de uma estreia: vontade de finalmente partilhar um espetáculo com o público depois de tanto tempo com as portas fechadas; depois é também um espetáculo que, tendo sido criado no Teatro Nacional Dona Maria II [TNDM], nunca foi aqui apresentado (…); mas, sobretudo, a sensação de que tudo o que façamos parece que é a primeira vez que o estamos a fazer, muitos de nós sentimos que nos estamos a estrear no teatro; neste momento de reabertura dos teatros sentimo-nos como jovens a iniciar a profissão e a encontrar o público pela primeira vez, com uma sensação de algum nervosismo, sim, mas sobretudo de grande alegria e muita confiança”, disse à agência Lusa Tiago Rodrigues, visivelmente feliz.

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Os atores partilham da mesma emoção, pelo menos a julgar pela forma como interagiam e pelas palavras de Isabel Abreu, uma das atrizes do espetáculo “Catarina e a beleza de matar fascistas”. “Não é uma estreia, mas quase, estou com a sensação de que vou quase estrear, principalmente porque o esperar por uma resposta positiva para abrir teatros e cinemas põe-te numa expectativa que… Emocionalmente sinto-me como se estivesse a estrear“.

Este espetáculo, em particular, que Isabel Abreu confessa gostar muito de fazer e ter o desejo de o poder ver como público, que considera ser um “espetáculo urgente“, que questiona “esta coisa tão violenta que é a morte e o que significa a vida de alguém, e que todas as vidas merecem ser choradas”.

Há uma vontade muito grande de voltar ao teatro, é incrível e mágico saber que, daqui a muito pouco tempo, vou poder estar ali em cima sem algo a tapar-me, a amordaçar-me a boca. Acho que nunca como agora sentimos o que é a liberdade e a falta dela”, desabafou a atriz que interpreta o papel de mãe (Catarina-mãe) da Catarina-filha (interpretada por Sara Barros Leitão).

Durante os ensaios, os atores estão sempre com máscara e são periodicamente testados à Covid-19. O palco está montado, a casa de madeira ao centro, três cadeiras, a mesa posta com uma toalha branca rendada e com a inscrição bordada a vermelho: “Não passarão“.

Pelo chão, serradura e pedaços de cortiça, alusões ao Alentejo, onde se passa a trama e onde nasceu e morreu Catarina Eufémia, a jovem ceifeira assassinada em Baleizão durante a ditadura fascista, uma das evocações do espetáculo, que dá uma noção de “futuro [a cena passa-se em 2028], ao mesmo tempo de passado e ao mesmo tempo de presente“, explicou a atriz.

Pela plateia, dispostos nas cadeiras, os atores adotam uma postura informal e descontraída, parecendo conversar naturalmente entre si. Percebe-se que não, pelas intervenções de Cristina Vidal, ponto do teatro, a fazer ligeiras correções. O elenco faz a última leitura corrida do texto, antes de subir ao palco para fazer as últimas marcações. Depois disso, é preparar-se para o espetáculo, o primeiro de oito a decorrer consecutivamente até dia 26.

Apesar da alegria, Tiago Rodrigues, não esconde alguma frustração, porque o espetáculo, que “deveria ter sido apresentado mais de 70 vezes em Portugal e no estrangeiro, ainda só teve oito apresentações”. “Terá mais oito agora, mas estamos a trabalhar para que, nos próximos meses e próximo ano, o espetáculo cumpra todas as datas que estavam previstas”.

“Catarina e a beleza de matar fascistas” não é, na verdade, a primeira peça em cena no reinício de atividade do TNDM, que abriu as portas logo de manhã, com casa cheia para a estreia do espetáculo “Juro que é mentira“, destinado ao público juvenil. Foram “os primeiros espectadores depois de mais de três meses encerrados, mas também espectadores que, muitos deles, estão pela primeira vez a entrar no D. Maria, ou até pela primeira vez num teatro”.

Há um ano, o Governo anunciava o plano de desconfinamento gradual, após a declaração de estado de emergência que, pela primeira vez, obrigou ao encerramento das casas de espetáculos, e o TNDM anunciava que não abriria na data prevista, mas algum tempo depois. Desta vez cumpriu a calendarização, o que Tiago Rodrigues explica com a possibilidade que a equipa teve de continuar a ensaiar.

A atividade não parou completamente, o que significa que, no dia de reabertura, temos espetáculos prontos a apresentar ao público, teremos outras estreias nos próximos dias”, o que não aconteceu no primeiro confinamento, porque a atividade foi totalmente paralisada.

O espetáculo “Catarina e a beleza de matar fascistas” não era apresentado desde dezembro, e a equipa teve de passar uma semana a ensaiar para o recuperar.

O “Tempo para refletir”, que se estreia na terça-feira, esteve em ensaio nos últimos dois meses, e a “Morte de um caixeiro-viajante”, com encenação de Jorge Silva Melo, espetáculo dos Artistas Unidos, com coprodução do TNDM, foi ensaiado até ao fim, exemplificou.

Esta casa continuou a ser uma fábrica de invenção durante os meses que tivemos de estar em casa, mas os artistas e os técnicos estiveram aqui, inventaram espetáculos e agora felizmente podem ser vistos pelo público”, disse o diretor artístico.

Ainda assim, foram tempos angustiantes, confessa Isabel Abreu, apesar de estar numa “situação privilegiada”, porque tem um contrato com o teatro e era “uma paz muito grande saber que durante estes meses ia ter dinheiro para comer“.

Sobre o futuro e a permanente incógnita de quanto tempo vai durar, e como vai terminar esta situação de controlo de pandemia e sucessivos confinamentos e desconfinamentos, a atriz acredita que “esta realidade vai ficar algum tempo” e diz que só descansa quando for anunciado definitivamente “que passou“.

“Não faço ideia quantos anos vamos estar assim. [Ainda esta segunda-feira], até à hora do espetáculo, estou sempre à espera de que me digam que não é possível fazer”, afirmou, acrescentando: “A sensação de estar a decorar um texto e a trabalhar num texto, a achar que não o vou fazer, é extremamente angustiante”.