O casal Boris Johnson e a “primeira-namorada”, Carrie Symonds, estão no centro das atenções no Reino Unido. Desta vez devido às renovações feitas no apartamento nº 11 de Downing Street, no piso de cima da residência oficial — que tradicionalmente seria no nº10 e passou para o apartamento do lado no tempo de Tony Blair, por ser maior. Foi para lá que o atual primeiro-ministro e a noiva se mudaram e é ali que nasceu a polémica. A oposição acredita que o primeiro-ministro britânico aceitou contribuições de financiadores do Partido Conservador para fazer grandes remodelações a pedido da companheira.

Quem pagou, quanto custou e se foi legal é o que está aqui em causa. Há mais dúvidas do que certezas no caso que está a agitar a política britânica e que tem a ver com essa recente remodelação do apartamento do primeiro-ministro, que poderá ter custado cerca de 200 mil libras (230 mil euros). A polémica começou na sexta-feira passada, quando Dominic Cummings — um dos mais próximos antigos conselheiros de Boris Johnson, demitido no final do ano passado — fez um post no seu blogue pessoal em que o acusava de ter construído um plano “possivelmente ilegal” para pagar pela remodelação do apartamento e questionava a sua “competência e integridade”.

Esta quarta-feira, Boris Johnson esteve na Câmara dos Comuns e ouviu acusações da oposição por, alegadamente, ter aceitado contribuições de financiadores do Partido Conservador para mudar a residência oficial. Durante o mandato, o chefe do governo pode remodelar a casa à sua maneira e para isso está previsto um orçamento anual que ronda os 35 mil euros. Só que agora o valor terá ultrapassado esse limite em muito e a Câmara dos Comuns entende que há “razões para suspeitar que pode ter ocorrido uma infração” e abriu uma investigação.

“Os custos estão fora de controlo. Ela está a comprar papel de parede de ouro!”

Ao que tudo indica, o primeiro-ministro terá recorrido a fundos de cerca 58 mil libras (cerca de 67 mil euros) do Partido Conservador para financiar a renovação da habitação, mas não é claro porque há notícias que apontam para um possível empréstimo de um conservador, o Lorde Brownlow, que teria cedido o dinheiro através de uma instituição de caridade gerida pelos conservadores, e que teria recebido o dinheiro de volta pela mão de Boris; e notícias que apontam para um “esquema” em que doadores teriam pago pela remodelação. Nicholas True, do gabinete do primeiro-ministro assinalou que “qualquer custo de remodelação foi feito pessoalmente por Boris Johnson”.

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“Os custos estão fora de controlo. Ela está a comprar papel de parede de ouro!”, terá reclamado Boris Johnson em conversa com a equipa, de acordo com o Daily Mail. “Custa dezenas e dezenas de milhares… Não posso pagar”, desabafou. A remodelação foi feita, o papel de parede deu que falar, foi contratada uma decoradora, Lulu Lytle, que ficou responsável por mudar o “pesadelo de móveis John Lewis” da antecessora de Johnson, Theresa May, num “paraíso da alta sociedade”, de acordo com a revista social Tatler.

O casal residente em Downing Street é muitas vezes o centro das atenções. Carrie Symonds, de 31, e Boris Johnson, de 51 anos, estão noivos e foram pais recentemente. O primeiro-ministro britânico deverá ser o primeiro a casar ainda em funções nos últimos 250 anos de história do Reino Unido, mas também não há memória de algo como este relacionamento na história da política britânica, pelo menos nas últimas décadas não há registo de um líder de Governo ter assumido funções tendo como parceiro ou parceira atual apenas um namorado ou namorada, em vez de um marido ou de uma mulher.

A situação até é mais complexa do que parece à primeira vista: não só o novo primeiro-ministro do país não é casado com a nova primeira-dama, que é tratada como “a primeira-namorada da política britânica” —, como era casado com outra mulher, Marina Wheeler, de quem ainda não se tinha divorciado oficialmente após mais de 20 anos de matrimónio quando se soube do “caso” extra conjugal.

Além da ideia de casado ou não casado, a relação dos dois já gerou discussão e burburinho devido à diferença de idades que têm — Boris é 24 anos mais velho do que Carrie Symonds — e devido a uma discussão que tiveram no apartamento que Symonds possui no sul de Londres, que levou inclusivamente alguns vizinhos a chamarem a polícia. As autoridades abandonaram o apartamento depois de falarem “com todos os ocupantes, que estavam bem e em segurança”.

Boris Johnson, por sua vez, recusou comentar o incidente e entrar em detalhes: “Não acho que as pessoas queiram ouvir-me falar sobre esse tipo de coisas. Acho que querem ouvir que planos tenho para o país e para o partido”, apontou, em resposta a uma pergunta da CNN.

Não é só o modelo de relação amorosa — não matrimonial — entre o líder do Governo britânico e a sua companheira atual que constitui uma novidade na história da política britânica, embora só isso seja já quer revolucionário no país quer um reflexo do modo como o casamento perdeu a hegemonia enquanto modelo único para as relações, no Reino Unido e na Europa. Também a intervenção de Carrie Symonds no espaço público tem sido menos discreta do que aquilo que tem sido tradição entre os parceiros e parceiras de chefes de Estado.

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Ao contrário do que aconteceu com a maioria das “primeiras-damas” do país até hoje, Carrie Symonds teve uma carreira sólida exatamente na mesma área do primeiro-ministro, embora nos bastidores: a política. Filha de um dos fundadores do jornal britânico The Independent, Matthew Symonds, e de uma advogada do mesmo órgão de comunicação, Josephine McCaffee, teve uma “educação privilegiada” enquanto crescia, aponta a CNN. A sua formação inclui passagens por um liceu privado exclusivamente feminino, localizado no sudoeste de Londres, e posteriormente pela Universidade de Warwick, onde lecionou História de Arte e Estudos Teatrais.

Apesar do curso que frequentou não estar diretamente relacionado com a atividade política, Carrie começou a trabalhar no Partido Conservador há cerca de uma década, como assessora para a imprensa. O protagonismo cresceu rapidamente no interior da máquina dos tories: dois anos depois, em 2012 fez parte da equipa de campanha da recandidatura de Boris Johnson a “mayor” (presidente da câmara municipal) de Londres; mais tarde, tornou-se mesmo a mais nova diretora de comunicação do partido de sempre. Teve ainda os cargos de assessora política do antigo ministro da Cultura britânico John Whittingdale e de assessora antigo ministro do Interior britânico (e recém-nomeado ministro da Economia), Sajid Javis — como recorda o El Mundo.

A vida política já foi abandonada, embora se acredite que os seus conhecimentos na área da comunicação política ajudaram Boris Johnson a afirmar-se como líder político nacional. Atualmente, Symonds dedica-se a trabalhar como “consultora sénior” para a organização sem fins lucrativos Oceana, que tenta consciencializar os decisores políticos “nacionais”, isto é britânicos, da necessidade de “preservar e restaurar os oceanos mundiais”.

No seu perfil na rede social Twitter, a nova “primeira-namorada” britânica apresenta alguns dos traços que a definem: “Conservadora. Oceanos. Luta contra a poluição pelo plástico”. São regulares as suas publicações ou partilhas de publicações críticas do desperdício de plástico — por multinacionais como a Nestlé —, caça desportiva de animais selvagens, violação das quotas pesqueiras,

A vertente ambientalista de Carrie Symonds está a ser tida em conta por alguns analistas políticos britânicos, que prevêem que possa influenciar Boris Johnson em matérias como a crise climática e a defesa da preservação e bem-estar dos animais. À CNN, o radialista e comentador político Iain Dale afirmou mesmo estar certo de que Symonds “vai influenciar as políticas seguidas, particularmente em relação ao ambiente”, algo indiciado já na forma como Boris Johnson tem aproveitado recentemente o tema para os seus discursos.

Apesar da postura discreta, Carrie Symonds vai dando pequenos passos na vida pessoal com os temas que lhe são mais caros e anunciou nas redes sociais que o casal adotou um cão que foi resgatado por um canil. A adoção deste cão visa promover a chamada Lei Lucy, que protege os animais de métodos abusivos de criação.

Nem tudo corre como o esperado quando se trata de um quatro patas e o cachorro já se tornou, por si só, um caso intitulado de Dilyngate, devido aos problemas que já causou na casa oficial do primeiro-ministro. Katie Lam, que trabalhava para o ex-conselheiro do primeiro-ministro Dominic Cummings, foi uma das ‘brindadas’, depois de pousar a mala no chão para cumprimentar o cachorro, que acabou por urinar em cima dos pertences. Na altura, o Daily Mail noticiou que Lam terá instintivamente afastado Dilyn da mala, o que acabou por não agradar à noiva de Boris Johnson. Mas as peripécias não se ficam por aqui: o cão já babou tapetes persas com 400 anos, já estragou antiguidades e até roeu livros raros.

A “primeira-namorada” do Reino Unido viveu, contudo, um episódio traumático que já contou publicamente: o seu encontro com John Worboys, britânico conhecido como “taxista violador” que foi condenado por agredir sexualmente 12 mulheres. Symonds foi transportada por Worboys, numa viagem de táxi para casa, quando tinha 19 anos. As memórias com que ficou foram poucas e aterrorizadoras: Carrie lembra-se apenas de que o taxista lhe ofereceu álcool que teria droga diluída, uma estratégia que fazia parte do seu modus operandi com clientes e vítimas. Depois, a atual namorada de Boris Johnson não sabe o que aconteceu.

Foi preciso coragem para revelar o caso e relatar o trauma à imprensa, mas Carrie Symonds fê-lo por mais de uma vez. Ainda recentemente, repetiu o caso para alertar para a importância de uma revisão de uma decisão judicial que considerava que Woorboys já não era uma ameaça e deveria ser libertado da prisão — algo que acabou por não acontecer, depois da decisão ser revertida em novembro.

Uma curiosidade é que Carrie Symonds não será a primeira na sua família a viver em Downing Street, caso mude mesmo a sua morada — algo ainda não confirmado — para a residência oficial do primeiro-ministro. Isto porque o seu bisavô foi Herbert Asquith, primeiro-ministro do Reino Unido entre 1908 e 1916.