Cerca de 50 imigrantes que trabalham na agricultura na região de Odemira foram realojados na madrugada desta quinta-feira no complexo turístico Zmar e na Pousada da Juventude de Almograve. A atuação da Guarda Nacional Republicana (GNR) está a ser fortemente criticada pelos moradores do complexo do turístico, que falam numa atuação “desproporcional” e admitem avançar para os tribunais, numa altura em que estaria a ser negociado com o Governo a substituição da requisição civil por um “protocolo de conveniência”.

Segundo o responsável da Proteção Civil no Alentejo, José Ribeiro, no Zmar foram realojadas cerca de 30 pessoas e na Pousada da Juventude em Almograve 21. Todas as pessoas deste grupo estão negativas para o novo coronavírus, que provoca a Covid-19, acrescentou a fonte.

Advogado dos moradores do Zmar revela negociação com o Governo antes da entrada forçada dos imigrantes

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Como testemunhou a SIC no local, o primeiro grupo, com mais de duas dezenas de imigrantes, foi realojado a meio da madrugada no Zmar, tendo a GNR mobilizado um contingente musculado. O autocarro com os imigrantes, e ainda mulheres e crianças, chegou ao complexo hoteleiro pouco depois das quatro da manhã. Antes, haviam sido recolhidas as chaves para distribuir os alojamentos e vistoriar o espaço, com recurso a lanternas.

Pelo menos duas dezenas de imigrantes já foram realojados no ZMar

A GNR entrou no complexo com dezenas de homens armados e vários elementos da força militarizada com cães, tendo tido que retirar um atrelado que estava à entrada. Os moradores e trabalhadores que tinham prometido manter-se em protesto junto à entrada não criaram entraves, mas mostraram-se surpreendidos com o aparato policial, de acordo com o que se vê na reportagem da SIC.

“É surreal ver esta força toda de segurança, este aparato todo acho que é completamente desproporcional”, comentou à SIC um dos proprietários que assistia ao realojamento.

Não quero acreditar no que acabei de ver. Isto foi um espetáculo deplorável o que aqui aconteceu a esta hora da madrugada”, lamentou ainda outra proprietária.

António Marques, um dos proprietários de habitação do Zmar, em Odemira, acusa a GNR de ter forçado a entrada no complexo turístico, considerando a situação “inacreditável”.

“Isto é algo que nós já suspeitávamos, que iria ser tentada a entrada em força no Zmar”, lamentou António Marques à TVI 24. “Sinto vergonha de ser português e de ver uma entrada à força neste complexo”, lamentou.

António Marques acusou ainda a GNR de criar uma “manobra de diversão” para o realojamento de migrantes, e diz que autoridades destruíram portões e a vedações do complexo turístico, uma tese subscrita pelo advogado Nuno da Silva Vieira.

“É assim que a polícia intervém em situações mais críticas? Foi completamente desproporcional”, atira o advogado em declarações à rádio Observador.

“Todo este corredor policial aconteceu a dois metros da casa dos meus clientes. As crianças foram acordadas às 3h da manhã, os cães da polícia ladraram até às 06h00. Ninguém dormiu”, denuncia. “É uma falta de sensatez que eu tenho dificuldade em caracterizar.”

A GNR, no entanto, nega o uso desproporcional da força. Em comunicado, explica que a sua atuação surge em resposta a um pedido da Proteção Civil Municipal de Odemira “para garantir as condições de segurança no transporte dos cidadãos a deslocar para as instalações do ‘ZMar Eco Experience’”, e garante que a operação decorreu “sem incidentes”. Contactada pelo Observador, a GNR não quis acrescentar mais informação além da que consta do comunicado.

Operação de elevada complexidade

José Ribeiro, responsável pela Proteção Civil no Alentejo, afirmou esta quinta-feira em conferência de imprensa que a operação de realojamento de cerca de 50 migrantes durante esta madrugada foi uma “operação de elevada complexidade”, com “contornos muito específicos”.

“Mas tentámos em todo o momento, em todas as circunstâncias, causar o menor impacto possível, sendo certo que numa operação desta dimensão e com esta complexidade há sempre situações que podem não correr como previsto”, afirmou José Ribeiro.

O membro da Task Force de Odemira explicou ainda a hora tardia (cerca de 4h da manhã) em que ocorreu a operação de realojamento dos trabalhadores migrantes no Zmar. “Atendendo ao número de pessoas, tivemos de respeitar o horário de trabalho daquelas pessoas, condicionalismos de natureza religiosa, nomeadamente os muçulmanos que estão no período do Ramadão”, explicou José Ribeiro, acrescentando que as autoridades tiveram ainda de esperar que os migrantes conseguissem arrumar todos os seus pertences. “Tudo isto pode explicar a demora”, reafirmou.

Quanto à distribuição dos migrantes entre o complexo turístico Zmar e a Pousada da Juventude de Almograve, José Ribeiro referiu que a mesma teve em conta a “constituição dos agregados familiares”, bem como a “constituição de grupos consolidados de trabalhadores, em termos étnicos ou religiosos”.

Governo terá proposto fim da requisição civil

Na sexta-feira passada, o Governo determinou “a requisição temporária, por motivos de urgência e de interesse público e nacional” da “totalidade dos imóveis e dos direitos a eles inerentes” que compõem o complexo turístico Zmar Eco Experience, na freguesia de Longueira-Almograve, para alojar pessoas em confinamento obrigatório ou permitir o seu “isolamento profilático”.

A decisão do executivo tem vindo a ser criticado pelos proprietários do complexo turístico, e, em declarações à rádio Observador, o advogado Nuno da Silva Vieira revelou que, na quarta-feira, esteve reunido com o Ministério da Economia, que quis substituir a requisição civil por um acordo com os proprietários do Zmar. Esse acordo envolveria o Turismo de Portugal.

Zmar. “Estávamos a negociar com o governo e rebentam-nos os portões?”

Esse acordo — que segundo o advogado estaria numa fase avançada, faltando apenas acertas alguns pontos de discórdia entre as partes (como a duração do mesmo) — previa um “protocolo de conveniência”, com a “exploração parcial do Zmar”, exploração essa que seria compensada pelo Turismo de Portugal, que pagaria um preço acordado por noite. A atuação da GNR, contudo, deixa o advogado apreensivo quanto ao futuro do acordo.

“Admito falar sempre, mas quem quebrou o diálogo foi o Governo”, disse Nuno da Silva Vieira, acrescentando que “caíram por terra todas as expectativas da negociação”.

Contactado pelo Observador, o Turismo de Portugal prometeu averiguar a situação. A secretaria de Estado do Turismo diz manter que o Governo mantém a disponibilidade para negociar com os moradores. O ministério da Administração Interna ainda não respondeu.

Requisição temporária da totalidade dos imóveis do complexo Zmar Eco Experience

As freguesias de Longueira-Almograve e São Teotónio, no concelho de Odemira, estão em cerca sanitária desde a semana passada por causa da elevada incidência de Covid-19 entre os imigrantes que trabalham na agricultura na região.

O complexo Zmar ocupa 80 hectares na freguesia de Longueira-Almograve, integra serviços comuns, como piscina ou spa, e cerca de 260 casas individuais, das quais perto de 100 pertencem ao próprio empreendimento e as outras 160 são de privados.

Desde que foi determinada a requisição temporária do Zmar, para alojar pessoas em confinamento obrigatório ou permitir o seu “isolamento profilático”, os proprietários destas casas têm protestado contra a decisão do Governo.

Na quarta-feira, o advogado que representa um grupo de proprietários revelou que interpôs em tribunal uma providência cautelar contra a fundamentação da requisição temporária do complexo turístico.

Segundo o advogado, entre os argumentos a contestar a fundamentação da requisição temporária do Zmar Eco Experience está o facto de, “no documento” do executivo, este “dizer que dialogou com os proprietários”.

Disseram que conversaram connosco antes e que nunca chegaram a acordo. Isso é mentir, nunca falaram connosco”, argumentou.

O advogado defendeu também: o “Zmar enquanto empresa não existe, portanto, a requisição civil é apontada ao Zmar mas, neste momento, não existe, o que existe é a massa insolvente do Zmar”, alegou. “Por isso, a requisição civil vai dirigida a uma entidade que não existe e não se pode aplicar a nós”, acrescentou.

O espaço, devido à pandemia de Covid-19, entrou em insolvência e, na semana passada, foi aprovado no Tribunal de Odemira um plano de recuperação económica do projeto, prevendo a manutenção de 100 postos de trabalho, a reabertura no dia 28 deste mês e um investidor disponível.

No sábado, o representante dos 114 proprietários disse à Lusa que o plano estimava “um verão ‘cheio’ para [captar] uma receita capaz de recuperar” o complexo. Mas, “a partir do momento em que a requisição civil é feita”, já não vai ser possível “cumprir esse plano”, até porque “o investidor já não vem”, disse o advogado, na altura.

Além de ter determinado a requisição temporária do Zmar para alojar pessoas em confinamento obrigatório ou permitir o seu “isolamento profilático”, o Governo, num despacho publicado na segunda-feira à noite em Diário da República, mandou encerrar a atividade dos empreendimentos turísticos e estabelecimentos de alojamento local nas freguesias de São Teotónio e Longueira-Almograve, onde estão localizadas pelo menos 275 empresas que se encontram impedidas de laborar pois muitos dos seus colaboradores vivem fora da área circunscrita à cerca sanitária.