O secretário de Estado Adjunto e da Energia, João Galamba, escreveu este sábado na rede social Twitter que o programa “Sexta às 9”, emitido pela estação pública de televisão RTP, é “estrume” e “coisa asquerosa“. Mais tarde, após o tema ter sido noticiado, apagou a publicação.

Respondendo a um utilizador da rede social que escreveu “Todas as semanas abro uma garrafinha do @Joaogalamba e sento-me a ver o estrume por ele produzido”, o secretário de Estado Adjunto e da Energia do Governo de António Costa ripostou:

Lamento, mas estrume só mesmo essa coisa asquerosa que quer ser considerada ‘um programa de informação’. Mas se gosta desse caso psicanalítico em busca da sua expiação moral, bom proveito”, respondeu o membro do Governo.

O secretário de Estado Adjunto e da Energia acabou por apagar a resposta que tinha dado no Twitter algum tempo depois e já depois do tema ter sido noticiado.

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O utilizador em questão da rede social tinha partilhado o link do último episódio do programa “Sexta às 9”, relativo ao caso Zmar. O episódio tinha como título “Fábrica de Legalização de Imigrantes”.

O comentário de João Galamba surge poucos dias depois de António Costa ter criticado Rui Rio por, entre outras coisas, “desenvolver ódio relativamente à comunicação social” e “odiar jornalistas”.

Para o primeiro-ministro, é preciso “respeitar” os jornalistas: “Como sabe, há duas categorias profissionais que ele odeia: uns são os senhores, os jornalistas, e a seguir são os magistrados. E a verdade é que um político num regime democrático pode até não gostar muito das coisas que os senhores escrevem, eu muitas vezes não gosto, mas temos de respeitar e não temos de desenvolver ódio relativamente à comunicação social”, referira Costa.

RTP repudia e Marques Mendes diz que Galamba deve pedir desculpa e retratar-se

A Direção de Informação emitiu este domingo uma nota de informação na qual “repudia as declarações expressas pelo secretário de Estado Adjunto e da Energia João Galamba. As palavras que proferiu atentam contra o bom nome da RTP e da sua jornalista Sandra Felgueiras e desrespeitam a liberdade de Informação”, lê-se no texto escrito pela direção liderada por António José Teixeira. “Vindas da parte de um membro do governo assumem particular gravidade. Mas nem por isso condicionarão o trabalho dos jornalistas da RTP“, conclui.

Também Marques Mendes classificou o tweet do secretário de Estado de Energia como “inqualificável”. “Goste-se ou não da jornalista ou do programa “Sexta às 9″, aquilo não é linguagem aceitável num membro do Governo”, censurou Mendes.

O comentador fez questão de comparar este caso com o de João Soares — que enquanto ministro da Cultura ameaçou dois colunistas do Público com “bofetadas” e apresentou a demissão pressionado por António Costa. “Algo semelhante aconteceu com João Soares. Há quatro ou cinco anos, o primeiro-ministro entendeu que ele não tinha condições e decidiu substitui-lo. E agora João Galamba? Obviamente que António Costa não o vai demitir. Mas devia obrigá-lo a retratar-se a e a pedir desculpa”, afirmou Marques Mendes.

Um problema antigo com o ‘Sexta às 9’ e uma reportagem polémica

Em 2019, João Galamba já tinha deixado críticas contundentes ao programa de investigação jornalística da RTP, considerando que este estava a dedicar-se “à desinformação sobre a concessão mineira atribuída à empresa Lusorecursos” e que “alimenta mentiras”.

João Galamba referia-se, nessa altura, a um episódio com uma reportagem que dava conta da abertura de um inquérito pelo Ministério Público por suspeitas de crime económico, envolvendo o processo de concessão de uma exploração de lítio em Montalegre. O inquérito visaria o ex-secretário de Estado da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira, e o ministro-adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira.

Chamada ao Parlamento, Sandra Felgueiras chegou a afirmar que “era possível” ter emitido essa reportagem a 13 de setembro, antes das eleições legislativas de outubro de 2019 que reelegeram António Costa como primeiro-ministro. Segundo Sandra Felgueiras, a direção de Informação da RTP teria decidido suspender a emissão “em função da campanha eleitoral”.

A ideia foi contestada pela Direção de Informação do canal público, que negou ter adiado a emissão do episódio — que poderia ser  prejudicial eleitoralmente ao PS — por motivos de calendário eleitoral. Ainda assim, o deputado do PSD Paulo Rios chegou a acusar o Governo de, fosse “de forma direta ou indireta”, ter ajudado “a condicionar e a bloquear um programa que lhe era desfavorável em pleno período pré-eleitoral”. E Rui Rio, líder dos sociais-democratas, publicou a seguinte mensagem na rede social Twitter: “Porque será que o Sexta às 9 foi suspenso antes das eleições, particularmente este programa que só pôde ser emitido ontem? Pode haver mil razões, mas perante a gravidade do que aqui está…”

Já em junho de 2020, o Conselho Regulador da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social arquivou o processo aberto contra a RTP e a ex-diretora de informação Maria Flor Pedroso sobre o programa ‘Sexta às 9’, por falta de provas que demonstrassem a existência de pressão política ou irregularidades da direção de Informação do canal público. Antes, a 30 de dezembro do ano anterior, o Conselho de Redação da RTP-TV declarava que não tinha sido “apurada nenhuma evidência” sobre interferência política no ‘Sexta às 9’ durante a campanha eleitoral e considerava “imperativo” que as “alegações” sobre o tema fossem “comprovadas pelos seus autores”.

Em janeiro deste ano, a RTP avançou que a procuradora do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa que ordenou à PSP que vigiasse dois jornalistas, um do Correio da Manhã e outro da Sábado, sem mandado judicial, também exigiu à RTP que identificasse todos os jornalistas que trabalharam no programa de investigação “Sexta às 9” desde a sua criação até à data. A procuradora terá mesmo chegado a pedir a inquirição de duas jornalistas, que já não faziam parte da equipa do programa, tendo uma delas — ouvida na qualidade de testemunha — sido questionada por um procurador-estagiário relativamente às fontes do ‘Sexta às 9’, nomeadamente relativamente aos protagonistas políticos com quem se reuniam.