Poucas horas depois de saber que iria ser julgado pelo crime de prevaricação e abuso de poder, incorrendo ainda na perda de mandato, o presidente da Câmara do Porto estava na RTP2 pronto para dar uma entrevista. Pelo meio, Rui Moreira ainda deu uma conferência de imprensa, sem direito a perguntas, visivelmente nervoso com a decisão que envolve a imobiliária da família, e da qual é sócio, a Selminho. Moreira mantém a tese do aproveitamento político do processo.

A entrevista arrancou com as críticas que o líder do PSD, Rui Rio, dirigiu a Rui Moreira na última sexta-feira, durante a apresentação da candidatura de Vladmiro Feliz à autarquia do Porto. “Vladimiro Feliz não é um homem de salões, nem de bailes ou de promoções, de espelhos, nem de câmaras ou televisões. Vladimiro Feliz não viverá de sermões nem de televisões (…) Vladimiro Feliz nunca se aproveitou do cargo de vice-presidente ou de vereador para fazer negócios em benefício pessoal ou da sua família”, disse, num claro ataque ao atual Presidente da Câmara do Porto, que agora sabe que vai ser julgado.

Este novo estilo de boçalidade que ele usa não apenas comigo, mas também com o primeiro-ministro, é uma mudança de caráter ou era uma coisa que tinha escondido no seu caráter e não revelava? Não parece que seja a melhor forma de fazer política, principalmente quando evoca tantas vezes o nome de Francisco Sá Carneiro. É um estilo e uma forma de estar na política que não lhe conhecia”, respondeu Moreira, ainda com algum nervosismo.

“Não acho que seja esta a forma de estar na política, muito próxima dos populistas e dos demagogos. Achava que o Dr. Rui Rio não fosse populista e demagogo. Falou muito na ética da política, se isto é ética na política, então estamos conversados”, acrescentou.

Para Rui Moreira não há dúvidas de que o assunto Selminho, “que esteve em banho-maria durante quatro anos”, não surge em vésperas de eleições por acaso. “Evidentemente que tenho o direito de pensar que este calendário não é inocente, digo isto sem nenhuma mania da perseguição. Acho que é importante se compreenda um dia porque é que surgem estes calendários em vésperas de eleições.”

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Ainda assim, assumiu, Rui Moreira tem estado a fazer uma “avaliação pessoal”, junto da sua família e do seu movimento político, para saber se deve ou não recandidatar-se ao cargo que ocupa desde outubro de 2013. Mas separa as águas. “Não é desta forma que impedirão que continue a avaliar a minha recandidatura”, sublinhou, avançado que “proximamente” anunciará a sua decisão.

Provar a sua inocência neste caso não será “uma causa de vida” e explica a comovida declaração que fez aos jornalista esta tarde de terça-feira. “Só não sente quem não é filho de boa gente. Quando de repente somos confrontados com este tipo de insinuações e falsidades, quando tentamos, apesar de tudo, submeter isto a um escrutínio… Hoje é um dia particularmente difícil, o meu pai faria hoje 90 anos. O meu pai foi alvo de processos muitos complicados, foi perseguido politicamente, foi um preso político e foi libertado sem nunca ter sido acusado de nada.”

Ciente que “ninguém gosta de ser acusado de coisas quando sabe que é inocente”, e com as emoções à flor da pele, Rui Moreira garante que o seu bom nome é a coisa mais importante que tem, pois “tudo o resto se consegue substituir, nem que seja com um bilhete de lotaria, mas o bom nome não se substitui”.

Sentir o nosso nome atirado à lama por pessoas mais ou menos invisíveis e principalmente ver que este assunto, que deveria ficar à margem da política, sendo depois aproveitado por detratores da política… Sou de granito, mas sou sensível, não sou um banana. Tenho todo o direito de me indignar, por um lado, e de sentir, por outro”, disse.

Selminho. Quatro perguntas e respostas sobre o caso que leva Rui Moreira a julgamento

Sobre a acusação conhecida em dezembro passado, o independente justifica o seu pedido para a abertura da instrução, dizendo que queria resolver o assunto rapidamente, com escrutínio, uma vez que considerava a acusação “completamente descabida, insultuosa e sem fundamento”. No entanto, não aconteceu aquilo que Rui Moreira esperava e depois de vários pedidos para o testemunho do antigo advogado da câmara do Porto, nomeado por Rio, ser ouvido. Um pedido que foi sendo sempre recusado pela juíza de instrução criminal.

Esta testemunha é, para Moreira, “o elemento fundamental deste caso”, sendo o advogado que “conduziu sempre este processo” e ao qual garante não ter dado instruções. “Nunca interferir neste processo, não mudei o advogado, diretor municipal do urbanismo, os técnicos ou a vereadora que assinou o acordo. No fim, toda a gente sabe o que aconteceu: o terreno que era da minha família, agora é da câmara e a minha família não recebeu qualquer indemnização por isso.”

Rui Moreira vai a julgamento pelo crime de prevaricação, em concurso aparente com um crime de abuso de poder, incorrendo ainda na perda de mandato, de acordo com a decisão instrutória a que o Observador teve acesso. O caso Selminho é um processo antigo relacionado com a intervenção do autarca num diferendo entre o município e uma imobiliária deste e da sua família relacionado com a capacidade de construção de um terreno localizado na escarpa da Arrábida, no Porto.