As diretoras do Diário de Notícias (DN), Rosália Amorim, e do Jornal de Notícias (JN), Inês Cardoso, pediram esta terça-feira a demissão do Conselho de Administração do grupo Global Media, que inclui órgãos como o DN, JN, O Jogo e TSF. A notícia foi avançada pela revista Sábado, tendo sido confirmada pelo Observador.

O pedido de demissão foi feito na sequência de comunicados dos Conselhos de Redação dos quatro órgãos, que deixaram críticas à administração e alertaram para o perigo de ingerência em decisões editoriais. Rosália Amorim e Inês Cardoso vão, pelo menos para já, manter-se como diretoras do DN e JN, tendo apenas saído do Conselho de Administração.

Na base das críticas feitas pelos Conselhos de Redação das publicações está uma ordem por parte da Administração do grupo de média para se “terminar o pagamento de crónicas” a políticos, considerados “pessoas expostas politicamente”. A ordem é entendida pelas redações de DN, JN e TSF como um condicionamento à escolha dos colunistas, que se considera ser uma escolha editorial e não dos administradores.

Jornalistas do JN criticam “instruções ilegítimas de condicionamento”

Os jornalistas do JN solicitam, por exemplo, que o presidente da Administração cesse “imediatamente quaisquer instruções de condicionamento das escolhas de colaboradores na área da opinião, por ser matéria de natureza editorial”. E vincam que se trata de ordens “ilegítimas” por “configurarem uma interferência da administração em matéria da competência exclusiva da Diretora”.

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“De outro modo, estaria a ser ostensivamente violada a garantia constitucional (Cfr. Art.º 38.º, n.º 2, al. a), primeira parte, e n.º 4, primeira parte) da independência dos meios de informação perante o poder económico – leia-se os proprietários e gestores – com o evidente condicionamento da escolha e/ou manutenção de cronistas que outras experiências mostram não ser tolerado”, justifica o conselho de redação, que argumenta ainda não compreender nem aceitar a ideia de “”pessoa exposta politicamente” para proibir “expressamente” o “pagamento de colaborações de atores políticos”.

Conselho de Redação do DN lembra: quem escolhe colunistas é o diretor

Já o Conselho de Redação (CR) do DN recorda a “importância de manter o jornal como um espaço democrático e plural no exercício das liberdades de expressão e opinião”, bem como o facto de a escolha dos colunistas para os espaços de opinião do jornal ser “uma competência editorial atribuída ao Diretor/a da publicação”, sendo “parte fundamental do valor editorial da publicação e do seu posicionamento no mercado face à concorrência”.

Por outro lado, o CR do DN diz ter sido confrontado “recentemente com a existência de uma prática de contagem de presenças no espaço físico das redações, alegadamente a pedido da Administração”. Manifestando “a sua estupefação perante esta prática”, pede “esclarecimentos ao presidente do Conselho de Administração sobre os propósitos da mesma”.

Jornalistas da TSF lembra “cunho estritamente editorial” da escolha de colunistas

Também o Conselho de Redação da TSF corroborou as críticas. No comunicado, a que o Observador teve acesso, lê-se que os jornalistas “manifestaram ao diretor preocupação com o fim do pagamento a personalidades políticas que colaboram com a TSF na área do comentário”. E a redação recorda que “a decisão de ‘orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação’ constitui uma responsabilidade do diretor, como fica bem expresso na Lei de Imprensa. E a determinação das vozes escolhidas para o comentário político da TSF tem um cunho estritamente editorial”.

Os membros eleitos do CR alertam ainda para o risco de a direção da TSF perder a independência de escolher o perfil dos colaboradores, no respeito por critérios de qualidade que assegurem um ‘leque’ de opinião política relevante”, aponta ainda o comunicado.

Diretor de O Jogo garante não ter sofrido “pressões diretas” para vetar políticos na opinião

O diretor do jornal O Jogo garantiu por sua vez ao Conselho de Redação da publicação que “nunca sofreu pressões diretas” relativamente à escolha dos colunistas do diário desportivo, segundo o comunicado difundido pelo Conselho de Redação. E acrescentou que “nunca admitiria esse desrespeito pelo estatuto do diretor, nem abdicaria de nenhuma das suas competências”.

O que o diretor do desportivo confirmou foi apenas que “a Administração tem feito incidir os esforços de redução de custos nas colaborações e que isso acaba por ameaçar, sobretudo, os colunistas, menos relevantes no cumprimento da agenda diária do que os restantes colaboradores”.

Administrador com acesso às páginas de redes sociais das publicações

Nos comunicados dos Conselhos de Redação é ainda dito que o presidente do Conselho de Administração da Global Media passou a figurar como “administrador da página de Facebook” de publicações do grupo. Também quanto a esta situação há acusações de ingerência da administração em algo que deveria estar reservado à direção do jornal.

Os jornalistas da TSF referem, por exemplo, que o diretor da publicação “adiantou que a justificação que recebeu foi que seria para fins ‘analíticos’, ou seja, de análise das estatísticas das marcas do grupo”. Mas lembram que “as redes sociais são atualmente extensões editoriais dos órgãos de comunicação social e que este acesso deveria ter sido alvo de prévia comunicação à direção, a quem compete definir a linha editorial da TSF, não devendo essa prerrogativa ser, de modo algum, alvo de eventuais intromissões”.

Os jornalistas do DN, por sua vez, alertam “para o que consideram poder tratar-se de uma intrusão da administração em competências que a lei designa como exclusivamente editoriais”. E a diretora terá garantido à redação que “não autorizou, nem teve conhecimento prévio dessa alteração nas plataformas de redes sociais, ao contrário do que está determinado quer pela direção junto dos departamentos técnicos da empresa, quer pela lei”.

Já o Conselho de Redação do JN nota que a situação “é suscetível de configurar uma intromissão na área editorial que o Conselho de Redação não aceita” e que “o presidente da Administração deve abster-se de quaisquer atos nas redes sociais que possam configurar uma intromissão na área editorial”.

O comunicado do Conselho de Redação do jornal O Jogo é ainda mais contundente: “O Conselho de Redação considera imprescindível que o Presidente do Conselho de Administração deixe de figurar entre os administradores das redes sociais d’O JOGO“.

Em declarações posteriores à Agência Lusa, a diretora de comunicação do grupo Bel, Helena Ferro de Gouveia, vincou que o acesso às redes sociais das marcas da Global Media pelo seu presidente “prende-se com o ter acesso a estatísticas”, rejeitando que tal configure interferência editorial nas publicações. “É verdade que o presidente do Conselho de Administração tem acesso às redes sociais da Global, não se prende uma vez mais com qualquer interferência editorial, prende-se com o ter acesso a estatísticas e a métricas”, acrescentou.

Nota – Atualizado à 1h20 de 02/06/2021 com informação relativa à saída das diretoras do DN e JN do Conselho de Administração do grupo de média