Foi uma audição truculenta logo desde o início, aquela que o ex-presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e dos Fundos de Pensões José Almaça protagonizou esta sexta-feira na comissão de inquérito às perdas do Novo Banco.

Ainda não tinham começado as perguntas e já o antigo dirigente, que saiu em definitivo do supervisor em 2019 (esteva já sem mandado desde 2017), tinha sido acusado por Fernando Negrão de ter dificultado a sua vinda ao parlamento.

“Queria dar nota que, da sua parte, houve uma ausência de colaboração em relação à sua vinda…”, disse o presidente da comissão, num aparte inicial.

“Fizemos inúmeros contactos com inúmeras a associações ligadas a vossa excelência, que eu sei – porque nos disseram – que depois lhe ligaram a si e depois nunca conseguimos ter nenhuma confirmação, a não ser por interferência de terceiros e à última hora. Foi pena. É pena estas coisas aconteceram. Não sei se foi propositada ou não, quero acreditar que não”, completou.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Apanhado de surpresa, José Almaça justificou que não está a viver em Lisboa e depois disse que ninguém o  tinha contactado telefonicamente. “Isso está errado. Mandaram-me um mail e eu registei. E se estou cá é porque queria estar cá”.

Estava dado o mote. Seria então uma daquelas audições em que a pessoa ouvida está quase sempre na defensiva. Foi assim também nas respostas ao primeiro deputado a falar, Duarte Alves, do PCP.

O deputado comunista quis saber a intervenção do supervisor (que então tinha o nome ISP – Instituto de Seguros de Portugal) na forma rápida como o Novo Banco vendou a seguradora Tranquilidade ao fundo Apollo. “A Apollo comprou por 40 milhões, e em tranches, e mais tarde vendeu por 600 milhões. Houve alguma imposição para que fosse vendida com essa rapidez?”, perguntou Duarte Alves.

Primeira resposta. Seca. José Almaça disse que o papel da ASF não é vender companhias de seguros. “Nem vender nem avaliar companhia de seguros”, precisou.

Mas depois explicou a razão pela qual as contas de Duarte Alves não podem ser feitas daquela maneira. A tarefa da ASF, sublinhou Almaça, “é garantir – e isso foi feito – que a companhia estaria devidamente capitalizada”.

“Quando ocorreu o movimento que toda a gente sabe, em que foram investidos 250 milhões de euros em ativos, em papel comercial do grupo BES, a companhia [Tranquilidade] ficou descapitalizada. Desses 250 milhões, 15 milhões seriam para “reforçar tesouraria”, mas outra parte “foi investimento na Esfil e na Espírito Santo Financial Group”.

Dessa forma, “desapareceram da caixa da companhia cerca de 150 milhões de euros”. Ou seja, a companhia ficou em incumprimento, porque deixava de cumprir os rácios de solvência “para responder a todo o momento às exigências que possa vir a ter com os tomadores de seguros e os pensionistas”. Isto em junho de 2014. E foi algo de que a ASF se apercebeu.

Por outro lado, pouco depois o Espírito Santo Financial Group declarou insolvência. E esse grupo detinha a Partran, que por sua vez detinha 100% da Tranquilidade. “Não podia haver uma companhia sem acionistas”, ressalvou José Almaça, dando ainda mais um argumento.

A Tranquilidade tinha nessa altura 1,8 mil milhões de euros em ativos, que iriam necessariamente perder valor. “Se passasse mais um ano teríamos muito menos, e a situação seria muito pior”. Daí a rapidez na venda.

Quanto ao valor pago, nova bicada. “Quando diz que quem comprou pagou 40 milhões, isso não está correto, senhor deputado. Foi mais”. “Quem comprou a companhia meteu lá 215 milhões, se bem me lembro. Não foi 40 milhões”, disse José Almaça dirigindo-se a Duarte Alves.

Ainda viria mais um reparo: para o ex-presidente da ASF, o deputado comunista está a comparar o incomparável. “Não se esqueça que a Tranquilidade foi engordada com a Açoriana, que foi comprada depois. Uma companhia de [seguros] não-vida, com cerca de 8% de quota de mercado, com 1,8 mil milhões de euros que se reestruturou, incorporou a Açoriana e e passou a ser uma companhia mista (algo que também tem valor uma vez que, legalmente, já não podem ser criadas mais companhias de seguros dessas)”. Ou seja, foi uma companhia muito diferente a que foi vendida cinco anos depois da compra por mais de 500 milhões de euros, defendeu.

Mas Duarte Alves insistiu. Mas porquê a venda tão rápida? O Novo Banco não poderia ter ficado com a companhia e vendê-la depois? De facto, disse José Almaça, foi ponderada essa hipótese. É que o Novo Banco tinha um penhor sobre as ações da Tranquilidade (e era por causa disso que era o responsável pela venda), não tinha a companhia no seu balanço. O que poderia fazer era exercer o penhor e ficar dono da Tranquilidade.

“O Novo Banco não o quis fazer”, disse José Almaça. “Por várias razões: primeiro porque a DG COM [Comissão Europeia] não autorizava”. E depois porque não tinha dinheiro.

Naquela altura, disse, o Novo Banco estava com problema de liquidez e, pior, sob ameaça de lhe ser retirado o estatuto de contraparte pelo BCE. “E por isso, o NB não quis exercer o penhor e ficar dono da companhia porque a seguir sabia que tinha de injetar-se-ia dinheiro na companhia e não tinha. Recordo que saíram de lá 150 milhões e a companhia estava descapitalizada”, concluiu.

Última nota para mais uma troca, mais ou menos azeda, entre José Almaça e Duarte Alves.

Por que razão a ASF não travou o “investimento” de 250 milhões da Tranquilidade nas empresas do grupo GES? “A operação foi feita em junho de 2014 e demos logo por ela. Foi travado logo no início. O que queria o senhor deputado que tivéssemos feito?”.

“Eu queria é que houvesse supervisão…”, respondeu o deputado comunista.

“E houve. Mas como é que eu ia impedir o conselho de administração [da Tranquilidade] de o fazer? Fizeram a primeira, nós demos por ela logo no dia seguinte e proibimos as seguintes”, prosseguiu José Almaça, explicando que isso acontece porque no final do dia a ASF acesso às carteiras de ativos das companhias de seguros. “Depois dessa nunca mais foi feita nenhuma”.

“Como é que o supervisor supervisiona antes de haver uma decisão? Explique-me lá…”, atirou ainda Almaça. Deve haver formas preventivas, respondeu Duarte Alves. Fazer prevenção é o que o supervisor fez, sublinhou o ex-presidente da ASF. “Tanto é assim que as operações seguintes foram travadas. A priori é que não se pode saber”.