António Nunes acusa Portugal de dar pouca importância às questões de segurança e de remeter tudo para a Justiça quando uma parte do processo é de responsabilidade administrativa e política. O presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT) disse ainda, à rádio Observador, que a situação em que a Câmara de Lisboa colocou os ativistas russos “é irreparável”.

Nós temos a nítida sensação — para não dizer, quase a certeza — que Portugal não toma em devida atenção a área da segurança”, disse António Nunes. “Por várias razões: porque somos um país pacífico, porque somos um país de baixa criminalidade, porque o apuramento da responsabilidade não têm consequências imediatas.”

O presidente do OSCOT critica ainda que se abordem as questões como “excecionais”, dizendo que “não se podem voltar a repetir”, quando a experiência mostrar que se voltam a repetir e que, na maior parte das vezes, não se procura saber de quem é a responsabilidade administrativa do ato. “Associado ao crime [violação das normas de segurança] há um ato administrativo negligente e esse devia ser apurado e denunciado imediatamente”, defende.

Se as responsabilidades fossem apuradas imediatamente e as consequências diretas, António Nunes acredita que “educávamos a administração a cumprir com eficácia, eficiência e prontidão tudo aquilo que são as normas” e corríamos menos risco de perdermos a confiança de outros países em relação a estas questões.

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Partilha de dados. António Nunes: “A situação não é corrigível. As informações estão dadas e isso é irreparável”

Quanto aos ativistas, uma vez que “a informação já está dada”, o presidente do OSCOT considera que “a situação não é corrigível” e que tudo o que Portugal pode é dar apoio e zelar pela segurança destes manifestantes. Já em termos geopolíticos e de geoestratégia, Portugal tem muito pouca força para fazer qualquer tipo de pressão além da condenação pública.

PSD na Câmara de Lisboa quer apuramento das responsabilidades

O vereador social-democrata João Pedro Costa afirmou, esta sexta-feira, que a bancada do PSD na Câmara Municipal de Lisboa vai levar o caso à próxima reunião camarária devido à gravidade da situação e à sua dimensão política e acusa Fernando Medina de ter sido incompetente ou de ter mentido no caso da divulgação de dados de ativistas russos à embaixada da Rússia em Portugal.

Não é razoável, não é aceitável, que, num Estado democrático e num país onde vigora a liberdade, se denunciem, se ‘chibem’, os nomes das pessoas que lutam pela democracia noutros países com regimes de mão de ferro. Esta realidade tem uma dimensão política incontestável. O PSD não condescende com regimes não democráticos e com a perseguição de pessoas por regimes não democráticos”, disse.

João Pedro Costa destacou que a Câmara Municipal não expôs apenas estes organizadores perante estes regimes, mas também os seus familiares, que podem estar a sofrer ou vir a sofrer represálias, quando o caso sair da esfera mediática.

“Há aqui uma dimensão política que não pode ser escamoteada e que tem que ter uma explicação inequívoca e uma responsabilização. Esse é um dado muito importante. Perante situações desta gravidade, o responsável não pode ser o contínuo outra vez. Claramente, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa vai ter que dar explicações sobre esta matéria”, disse.

Câmara de Lisboa entrega dados de manifestantes anti-Putin aos Negócios Estrangeiros russos

O vereador destacou ainda que “alguém foi responsável em abril por alterar um procedimento institucional da relação formal da Câmara Municipal de Lisboa com os países estrangeiros através das suas embaixadas” e afirmou não querer acreditar “que os serviços da Câmara Municipal de Lisboa apoiem procedimentos a este nível de responsabilidade sem validação política”.

Se este tipo de alterações de procedimentos acontecem sem conhecimento do presidente de Câmara estamos muito mal”, disse.

O vereador do CDS-PP na CML, João Gonçalves Pereira, por sua vez, admite que o presidente da autarquia, Fernando Medina, não tenha tido conhecimento do envio de dados à embaixada da Rússia, mas defendeu o apuramento de responsabilidades.

“Percebe-se agora que havia uma má prática, mas independentemente disso há responsáveis no município por quem isto passou nas mãos e tinham como obrigação alertar os seus superiores para o que estava ali em causa. Tem de haver um inquérito interno e esse inquérito tem de ser claro quanto às responsabilidades e qual é o circuito destes mesmos procedimentos”, defendeu.

Relativamente aos procedimentos na comunicação de manifestações, João Gonçalves Pereira considera que a Câmara deve sempre informar as entidades (embaixadas, ministérios) visadas da ocorrência de uma manifestação, mas “nunca sobre quem é o organizador”.

Se há uma manifestação em que está em causa um ministério, um determinado país ou uma determinada política internacional, os visados devem ser informados. Imagine que, por alguma razão, a manifestação perde o controle e as pessoas dirigem-se para uma embaixada e tínhamos um problema diplomático enorme”, argumentou.

Livre e PCP querem saber que outras situações semelhantes já aconteceram em Lisboa

O candidato comunista à Câmara de Lisboa, João Ferreira, considerou que a divulgação de dados de organizadores de manifestações a embaixadas é uma situação grave e pede uma mudança rápida de procedimentos para que não volte a acontecer.

“É incompreensível, é injustificável e é grave que a Câmara tenha enviado dados pessoais de cidadãos para entidades externas que não a Polícia de Segurança Pública, neste caso embaixadas. É uma situação grave, uma situação que não deveria ter acontecido em nenhum momento, não apenas neste último [caso], mas também nos casos anteriores”, disse o também vereador, considerando que “a Câmara deve desde já instaurar os procedimentos que garantam que isto não volta a acontecer”.

Medina e o caso dos ativistas anti-Putin. O que se sabe, o que falta saber e o que pode acontecer

João Ferreira sublinhou que os esclarecimentos já prestados pela autarquia em relação à divulgação de dados pessoais de ativistas à embaixada da Rússia, por ocasião de uma manifestação, apontam “para o facto de se tratar de um procedimento instituído”, pelo que não se trata apenas do “caso singular” em relação a um protesto contra a Rússia, mas de “um conjunto de casos em que terão sido transmitidos a entidades diversas dados pessoais de organizadores de manifestações”, violando “disposições legais que protegem dados pessoais”.

“Isto é outra questão que é necessário fazer neste momento. Além de garantir desde já a adoção dos procedimentos que impedem que algo desta gravidade volte a acontecer, é necessário apurar em que situações é que aconteceu, em que situações este procedimento foi aplicado e porquê. A Câmara disse que estava em curso uma auditoria para inventariar todas as situações em que isso tivesse acontecido, disse o candidato pelo PCP.

É essencial que seja prestado um esclarecimento público sobre isso o mais rapidamente possível, até para haver o mais cabal apuramento de responsabilidades”, considerou.

O Livre considerou essencial que a Câmara Municipal de Lisboa tome “medidas decisivas” que devolvam “a confiança e a credibilidade” do município em matéria de defesa de Direitos Humanos, depois da partilha de dados de manifestantes russos.

“Igualmente graves são as informações (já conhecidas desde 2019) de que tem sido prática da Câmara Municipal de Lisboa informar as representações diplomáticas de Estados estrangeiros de quaisquer ações ou manifestações na cidade que visem o respetivo Estado. Tal terá sucedido com Israel, China e Venezuela, e tal procedimento ocorrerá desde a extinção dos Governos Civis, em 2011”, lê-se na nota.

Para o Livre, a CML deve “no imediato, trabalhar juntamente com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, tomando as medidas necessárias para garantir a segurança e proteção aos ativistas que viram os seus dados indevidamente partilhados com embaixadas de regimes autocráticos” e proceder “a uma auditoria profunda aos serviços e procedimentos para averiguar concretamente o número de ocorrências semelhantes às noticiadas e que tome todas as medidas necessárias para corrigir eventuais ilegalidades e erros cometidos”.

“A médio prazo, o Livre defende a criação em Lisboa de uma Provedoria dos Direitos Humanos, que, de forma independente, possa controlar a ação da CML e dos seus serviços, recomendar alterações de procedimentos e medidas a tomar, bem como a adesão do Município à Rede Internacional de Cidades Refúgio, organização independente de cidades e regiões que oferecem refúgio a escritores e artistas em risco, tendo em vista promover a liberdade de expressão, a defesa dos valores democráticos e a solidariedade internacional”, acrescenta-se no comunicado.

Medina rejeita “cumplicidade com regime russo”. Câmara não esclarece em que outras manifestações enviou dados pessoais

O Bloco de Esquerda quer o Parlamento a esclarecer práticas dos municípios

O BE defendeu que o parlamento tem obrigação de esclarecer quais as práticas seguidas pelas câmaras municipais em Portugal na informação recolhida sobre a realização de manifestações, requerendo um levantamento com uma “descrição rigorosa” dos procedimentos e pediu, num outro requerimento, a audição urgente da presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados, para prestação de esclarecimentos sobre esta matéria.

De acordo com o requerimento a que a agência Lusa teve acesso, os bloquistas defendem que “deve o parlamento assumir como sua a obrigação de cabal esclarecimento das práticas seguidas pelas câmaras municipais neste domínio, tendo em vista a erradicação de quaisquer atuações que façam perigar os direitos humanos de quem exerce o seu direito à liberdade de manifestação”.

A extrema gravidade da situação criada com aquela prática de informação às representações diplomáticas é inequívoca”, condena o BE.

A Amnistia Internacional quer saber se outros municípios expuseram manifestantes como fez a Câmara de Lisboa

A Amnistia Internacional pediu, esta sexta-feira, esclarecimentos ao Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública e à Associação Nacional de Municípios Portugueses sobre os procedimentos adotados pelas câmaras municipais no envio de comunicações de manifestações e vigílias.

Em comunicado, a Amnistia Internacional considera fundamental perceber se, a par da Câmara de Lisboa, “também outras câmaras municipais do país têm condutas semelhantes, que possam ter colocado a segurança de outros manifestantes em risco, assim como das suas famílias”.

As câmaras municipais do Porto, de Coimbra e de Faro disseram, esta sexta-feira, à Lusa que a realização de manifestações públicas nos seus concelhos é apenas comunicada às autoridades policiais e que os dados não são enviados para outras entidades.

A Amnistia Internacional disponibilizou-se também para auxiliar os municípios sobre questões de direitos humanos “para que o seu respeito e proteção seja salvaguardado”.

É indispensável a formação de responsáveis políticos, pessoal técnico e administrativo, quer da administração pública central e local”, para que disponham “de maior conhecimento e consciência da implicação do seu trabalho e responsabilidades na defesa dos direitos humanos em Portugal e no mundo”, comunicou a organização.

Esta organização já tinha criticado o procedimento de informação a entidades terceiras “onde se realizam as manifestações e a quem as manifestações visam”.

A Amnistia Internacional esclarece também que as manifestações não ocorrem no “local das entidades” como referiu publicamente o presidente da CML, mas sim na via pública, sendo por esta razão que os municípios são informados das manifestações por ocuparem o espaço público que as autarquias gerem.

As entidades visadas têm conhecimento das manifestações através da própria manifestação e, se assim entenderem, podem vir ao encontro dos manifestantes e dialogar com as pessoas, ouvindo as suas reivindicações diretamente. Não cabe às autarquias mediar este papel. Se as entidades visadas se sentirem ofendidas pelos manifestantes, podem chamar as autoridades e participar a ocorrência, fazendo queixa às entidades judiciais competentes”, refere.

A Amnistia Internacional apela ainda à Câmara Municipal de Lisboa que realize um levantamento de todas as situações semelhantes em que os dados de pessoas que organizaram manifestações no território municipal tenham sido facultados a entidades terceiras e as contactem, informando-as do ocorrido e acordando com elas medidas de mitigação, compensação e proteção, nos casos em que tal se revele necessário.

Ativistas russos vão apresentar queixa contra Câmara Municipal de Lisboa

O caso dos três ativistas expostos pela Câmara de Lisboa

O Observador e o Expresso noticiaram na quarta-feira que a Câmara Municipal de Lisboa fez chegar às autoridades russas os nomes, moradas e contactos de três ativistas russos que organizaram em janeiro um protesto, em frente à embaixada russa em Lisboa, pela libertação de Alexey Navalny, opositor do governo russo.

Os três ativistas russos, cujos dados foram partilhados, anunciaram que vão apresentar uma queixa na justiça contra a câmara municipal.

Em conferência de imprensa, ao fim da manhã de quinta-feira, Fernando Medina admitiu que foi feita a partilha de dados pessoais dos três ativistas, pediu “desculpas públicas” e assumiu que foi “um erro lamentável que não podia ter acontecido”. O autarca explicou que a partilha de dados resultou de “um funcionamento burocrático” da autarquia sobre realização de manifestações, entretanto já alterado em abril.

O embaixador da Rússia em Portugal afirmou, esta sexta-feira, que os dados dos manifestantes foram eliminados e que a partilha de informações “não é um caso único”. Mikhail Kamynin disse não ter visto “necessidade” de guardar as informações, até porque a “Rússia e os países membros da União Europeia respeitam os dados pessoais”.

Estes tipos de manifestações acontecem em todos os países e os organizadores e os participantes podem voltar a qualquer hora [à Rússia] porque a Rússia é um país aberto. Com a cidadania russa podes voltar e serás bem recebido”, acrescentou.

O caso originou uma onda de críticas e pedidos de esclarecimento de partidos políticos. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse aos jornalistas que a partilha de dados foi lamentável.