Durante anos, cresceu à sombra do irmão mais velho. Quando Eden fez as malas para rumar ao futebol inglês e ao poderoso Chelsea, como príncipe do futebol francês — nos dois anos anteriores fora nomeado melhor jogador da Liga francesa, um feito que não era conseguido em anos consecutivos desde que um rapaz chamado Pedro Pauleta encantara no Parque dos Príncipes —, Thorgan acompanhou-o. Mas Eden chegava à Premier League, por essa altura, com estatuto de um craque. E Thorgan, dois anos mais novo (tinha então 19), chegava com estatuto de irmão mais novo de uma estrela.
O próprio pai, Thierry Hazard, futebolista tal como a mãe dos dois criativos que hoje brilham pela seleção belga, chegou a dizer em entrevistas que Eden era “O” craque — era mais velho, é certo, mas não era só isso, tinha também bastante mais talento do que Thorgan.
O pai jogara de forma semi-profissional, chegando à segunda divisão belga, ao passo que a mãe, Carine, chegou mesmo à primeira liga de futebol feminino do país, só pendurando as chuteiras quando estava grávida há três meses de Eden Hazard. O futebol estava nos genes de família, mas até há poucos anos era arriscado pensar que Thorgan singraria a ponto de estar lado a lado com o irmão Eden, na seleção do país.
Nos escalões de formação do futebol francês, o caminho dos irmãos Hazard separou-se — até se reencontrarem no Chelsea, Eden jogou no Lille, com grande brilhantismo, e Thorgan não se afirmara ainda por completo no mais modesto Lens. E também em Inglaterra tiveram destinos diferentes: Eden Hazard assumiu-se desde logo como pedra basilar do Chelsea, marcando 13 golos na primeira época (2012/2013) e 17 na seguinte, enquanto Thorgan regressava à Bélgica para jogar no modesto Zulte, por empréstimo dos londrinos.
O primeiro ano de Thorgan na Bélgica foi razoavelmente modesto. Os adeptos do Zulte olhavam-no até com algum ceticismo, desconfiando se Thorgan faria jus ao apelido e justificaria o estatuto que lhe estava destinado na equipa. Mas na segunda época, que iniciou com 20 anos, o Hazard mais novo “rebentou”: marcou 17 golos, foi votado melhor jogador do clube no final da temporada e ganhou um bilhete de ida para a Bundesliga, mais especificamente para o clube alemão Borussia M’Gladbach.
Quando aterrou em Mönchengladbach no verão de 2014, Thorgan Hazard já se estreara na seleção belga mas estava ainda longe de fazer parte dos planos regulares do conjunto nacional do seu país. Ficou por ali cinco anos, o primeiro por empréstimo do Chelsea e depois já com o passe a pertencer à equipa germânica, sendo que foi após a terceira temporada que se tornou paralelamente presença habitual em campo pela Seleção Belga.
Em 2019, depois de cinco anos ao serviço do Borussia M’Gladbach — os últimos três já com um rendimento elevado no relvado, brilhando e começando a sair da sombra o irmão que nessa altura mudava-se do Chelsea para o Real Madrid com um contrato milionário —, Thorgan Hazard levou outro Borussia, o de Dortmund, a pagar 25.5 milhões de euros. Estava já claro: poderia não ser a estrela que o irmão chegou a ser no seu auge no Chelsea, mas era indiscutivelmente um dos nomes mais fortes do futebol belga daquele tempo.
Por essa altura de 2019, já Thorgan fazia parte da geração de ouro do futebol belga — coincidindo em campo com Courtois, Alderweireld, Vertonghen, Witsel, Tielemans, De Bruyne, Mertens e Lukaku. Em Dortmund, nas últimas duas épocas, Thorgan Hazard foi somando minutos. E sem nunca ser estrela de uma equipa que tem Hummels, Reus, Jadon Sancho, Haaland e, claro, o português Raphael Guerreiro, beneficiou da experiência de viver a exigência diária e ter de responder aos objetivos de uma equipa em que nunca atuara (pela dimensão acrescida) para se tornar um jogador mais maduro e cimentar o seu lugar na Seleção.
Este domingo, no Estádio La Cartuja em Sevilha, o relógio marcava a passagem do 42.º minuto — estava-se, portanto, à beira do intervalo — quando Thorgan Hazard recebeu a bola à entrada da área, com o português Bernardo Silva nas suas costas. Antecipando um cenário que parecia impossível àquela distância, Throgan armou uma bomba com o pé direito e disparou com uma força estonteante.
O remate até saiu relativamente frontal, aparentemente fácil de defender, mas o efeito que a bola levou — a trajetória pareceu alterar-se ligeiramente a meio caminho — e a velocidade a que o esférico viajou, resultante da força com que o Hazard mais novo a rematou, traiu Rui Patrício. Impotente, o guarda-redes português só a pôde ir buscar ao fundo das redes. E depois ver os manos Hazard festejar. Depois Portugal “empurrou, empurrou”, para citar o que Fernando Santos disse após o jogo com a Hungria, mas golos verdes e vermelhos nem vê-los. E a história acabou mesmo assim: foi o Thorgan (à bomba) que nos… eliminou.
The Thorgan Hazard screwball.
The power-technique combo on this goal is ridiculous. pic.twitter.com/XHVHB5bwCH
— Henry Bushnell (@HenryBushnell) June 27, 2021