Jornais pró-Pequim acusaram candidatos pró-democracia excluídos das eleições de Macau de ligações a movimentos independentistas de Taiwan e Hong Kong, afirmando que terão frequentado campos de treino organizados pela CIA, os serviços secretos norte-americanos.

O diário Hong Kong Commercial Daily, detido pelo Estado chinês, escreveu na terça-feira que o motivo do afastamento do deputado Sulu Sou e do ex-deputado Scott Chiang das eleições para o parlamento de Macau terá sido a sua alegada participação num “treino de revolução colorida [alegadamente para instigar sublevações contra governos anti-americanos] da CIA e da Agência Militar de Informações de Taiwan, em abril de 2014″.

O jornal pró-Pequim Sing Tao Daily também escreveu que os dois políticos de Macau são “suspeitos de ligações anti-China”, afirmando que Sulu Sou participou em 2013 e 2014 num “campo de treino para jovens líderes“, em Taiwan, “tal como Scott Chiang”.

Segundo o jornal pró-governamental de Hong Kong, no curso participaram, “ao longo dos anos”, ativistas pró-democracia da antiga colónia britânica, como Joshua Wong e Nathan Law. O jornal afirmou ainda que Sulu Sou, o mais jovem deputado de Macau, teria “viajado várias vezes para Hong Kong” para apoiar candidatos pró-democracia nas eleições da antiga colónia britânica, incluindo Wong, em 2016.

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À Lusa, Scott Chiang, líder da associação Próspero Macau Democrático, negou ter participado em treinos organizados pela CIA, em Taiwan.

Eu costumava participar num evento em Taipé [capital de Taiwan] com o Sulu Sou, mas não era um treino, era uma conferência académica. Apresentei o tema do ‘Desenvolvimento Económico de Macau’ e do ‘Desenvolvimento Democrático de Macau’, enquanto Sulu Sou apresentou outros tópicos, mas não vi pessoas da CIA ou da MIA [Agência Militar de Informações, na sigla em inglês] de Taiwan, nem se trata de uma formação anticomunista”, assegurou o ex-deputado.

Do processo que fundamenta o seu afastamento, que só obteve quando se dirigiu ao departamento governamental competente, constam alegações de secessão e “conluio com países e forças estrangeiras“, disse à Lusa.

O documento, com centenas de páginas, inclui encontros de “há dez e 20 anos”, “comentários online” e screen shots de “notícias partilhadas” nas redes sociais, incluindo sobre Hong Kong, um volume de alegações “impossível de contar, porque há demasiadas”, frisou o político pró-democracia.”Nesta altura, sei que é inútil argumentar com eles [autoridades]. Como tenho o direito de recorrer, recorrerei para o Tribunal de Última Instância”, acrescentou.

O deputado António Ng Kuok Cheong, um dos mais antigos parlamentares no território, eleito pela primeira vez em 1992, sete anos antes da transferência de Macau para a China, ironizou com o tamanho do processo e a “eficiência” com que as provas contra si foram obtidas, numa publicação na rede social Facebook.

“Olhando para a informação, há muitas coisas estranhas, mas mostra que as autoridades são muito eficientes; verifica-se que a Comissão [eleitoral] só pediu informações à polícia em 2 de julho (não só sobre mim, como sobre todos os grupos e candidatos) e as informações foram fornecidas pelas autoridades em 4 de julho; só no meu caso, há mais de 200 páginas de material, com explicações textuais, ricas em conteúdo, e muitas coisas estranhas“, escreveu.

Na publicação, o deputado mostra uma das fotografias que levaram à sua exclusão, transmitida pela Polícia Judiciária à comissão eleitoral: um encontro com o antigo líder do Partido Democrático de Hong Kong e ex-deputado Wu Chi-wai, detido no início do ano com mais 52 ativistas, acusado de violar a lei da segurança nacional imposta por Pequim à ex-colónia britânica.

“Esta foto foi interpretada como uma reunião com um dignitário que defende a independência de Hong Kong”, escreveu António Ng Kuok Cheong, um dos pró-democratas atualmente na Assembleia Legislativa de Macau.

Nos comentários à publicação, vários utilizadores satirizaram o caso, partilhando fotos de encontros de líderes chineses e norte-americanos, incluindo do atual Presidente da China, Xi Jinping, com o ex-Presidente dos EUA Barack Obama. A Lusa tentou ouvir os deputados Sulu Sou e António Ng Kuok Cheong, mas não teve resposta.

A Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) de Macau excluiu cinco listas e 20 candidatos das eleições para a Assembelia Legislativa (AL) agendadas para 12 de setembro, 15 dos quais associados ao campo pró-democrata por não serem “fiéis” a Macau.

Na segunda-feira, o presidente da CAEAL, Tong Hio Fong, divulgou sete critérios usados para decidir se os candidatos são elegíveis, incluindo o apoio ao Partido Comunista Chinês, mas recusou revelar quais as violações de que foram acusados os concorrentes afastados.

As três listas do campo democrata prometeram no sábado levar o caso até ao Tribunal de Última Instância. A AL é composta por 33 deputados, mas apenas 14 são eleitos por sufrágio universal, sendo 12 escolhidos por sufrágio indireto (através de associações) e sete nomeados pelo chefe do executivo.