O concurso para a criação de uma “bolsa” de 1.000 técnicos superiores para suprir necessidades dos serviços do Estado já foi aberto em 2019, mas dois anos depois apenas 400 trabalhadores foram colocados em postos de trabalho. Isto apesar de terem sido abertas 700 vagas. O que explica esta diferença? Ao Observador, a tutela diz que a colocação depende da conjugação entre as preferências dos candidatos e as necessidades dos serviços — o que, na prática, levou a que algumas vagas tivessem dezenas de candidatos, enquanto outras ficaram quase desertas. Mas a Federação de Sindicatos da Administração Pública (FESAP) acrescenta outras razões: os salários “pouco atrativos” e o elevado tempo de espera até à colocação.

Conjugados, esses motivos podem ter levado muitos candidatos a terem procurado outros empregos ou a preferirem manter-se neles quando a oferta de colocação foi aberta, acredita José Abraão, líder da FESAP, em declarações ao Observador. Os técnicos superiores colocados nos serviços através do recrutamento centralizado ficam a ganhar 1.205 euros mensais, o que dá “900 euros líquidos”, afirma Abraão.

“Imagine que alguém do Algarve pensa candidatar-se a Lisboa. Se calhar não o faz porque se trata de um jovem que vai receber 900 euros líquidos e pagar casa em Lisboa. É sempre a questão da pouca atratividade da administração pública“, observa. Os elevados tempos de espera, desde a abertura do concurso até às primeiras colocações, que só aconteceram este ano, também podem ter desincentivado trabalhadores a concorrer às vagas entretanto abertas, indica. Outra hipótese, afirma, é os serviços já terem satisfeito entretanto algumas necessidades com recurso a empresas de outsourcing.

O objetivo da bolsa constituída via recrutamento centralizado era criar uma reserva de técnicos superiores que pudessem vir a ser integrados consoante as necessidades manifestadas pelos vários serviços públicos, ao mesmo tempo que se rejuvenescia a administração pública. Em meados de 2019 foi aberto o primeiro concurso de recrutamento centralizado para a constituição da bolsa. Às 1.000 vagas concorreram 18 mil pessoas, mas só 800 foram selecionadas após uma prova de conhecimentos e uma avaliação psicológica. Para chegar aos restantes 200, o Governo (entretanto a alçada passou para o Ministério da Administração Pública) abriu novo concurso, já em 2020, concluído este ano, mas ainda não houve colocações em serviços públicos.

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Questionado pelo Observador sobre o ponto de situação da bolsa, fonte oficial do Ministério de Alexandra Leitão disse que, até ao momento, foram abertas cerca de 700 vagas nos procedimentos já lançados dentro do recrutamento centralizado de 2019, que permitiram colocar “cerca de 400 candidatos em 42 serviços”. A explicação dada para este número é que “a colocação dos candidatos depende da correspondência entre a manifestação de preferências dos candidatos e as vagas da oferta de colocação“. Ou seja, uma vez abertas as vagas, é o trabalhador que escolhe a qual, ou a quais, se candidata — ou se se candidata de todo. O efeito prático é que se algumas vagas tiveram dezenas de candidatos, outras ficaram praticamente desertas.

O Governo refere ainda que será  lançado “ainda este mês” um novo procedimento de oferta de colocação, mas não refere para quantas vagas.

ADSE abriu 10 vagas. Só foram colocados dois candidatos, mas FESAP diz que um desistiu

Na resposta enviada ao Observador, a tutela diz que “não se verifica qualquer atraso na colocação dos técnicos superiores que se encontram na reserva de recrutamento que resultou do processo de recrutamento centralizado”. Isto apesar de, por um lado, a bolsa dos 800 técnicos selecionados no primeiro concurso expirar em janeiro de 2022 e de, por outro, ainda estarem centenas de técnicos sem colocação.

“Note-se que os procedimentos de oferta de colocação vão sendo abertos ao longo do tempo à medida que vão surgindo as necessidades nos serviços, durante o período de validade da reserva, que é de 24 meses a contar da data da realização da prova de conhecimentos, ou seja, até janeiro de 2022”, explica o Ministério da Administração Pública.

Assim que é constituída a reserva, os serviços comunicam as necessidades e caraterizam as vagas disponíveis (se são para economia, direito, comunicação, entre outros). São depois lançados os “procedimentos de oferta de colocação de acordo com as necessidades indicadas pelos diferentes serviços“. Ou seja, os candidatos são notificados da existência de vagas, podendo candidatar-se a várias, indicando uma ordem de preferências. É então que um algoritmo faz a correspondência entre as ofertas e as preferências manifestadas. Se o candidato aceitar a colocação, é celebrado um contrato de trabalho. Caso não aceite, é excluído da bolsa.

Isso mesmo aconteceu na ADSE, o instituto que gere o subsistema de saúde dos funcionários públicos, garante José Abraão. O sindicalista diz que a ADSE pediu a abertura de dez vagas, o que veio a acontecer, segundo os documentos disponíveis online com as colocações já feitas. As vagas abertas foram de análise financeira e auditoria (4), estatística (3) e gestão de sistemas de informação (3). Só que apenas foram colocadas duas pessoas (em análise financeira e auditoria). As restantes vagas ficaram “sem candidatos, por estes terem sido colocados em outros postos de trabalho atendendo à manifestação das suas preferências conjugada com a posição na reserva”. Ou seja, foram colocados nas suas primeiras opções.

O problema agrava-se ainda mais porque José Abraão diz que um dos candidatos selecionados desistiu da nomeação. “Uma vez que a ADSE não preencheu as vagas, deveria haver mecanismos ágeis que permitissem que o serviço recrutasse, nos termos da lei, o número de trabalhadores de que necessitava através de um concurso de outra natureza. É que assim o problema da satisfação de necessidades permanentes fica por resolver”, aponta. O sindicalista da FESAP acrescenta que, mesmo com as dez vagas preenchidas, a ADSE continuaria com falta de recursos humanos. “Seriam precisas dezenas de trabalhadores.”

O Observador questionou o Ministério da Administração Pública sobre quantos trabalhadores desistiram da nomeação, mas ainda não obteve resposta.

Outro organismo ao qual a FESAP já vem apontado falta de profissionais é o Instituto da Segurança Social. No recrutamento centralizado, abriu 20 vagas para as áreas de direito, económico-financeira e planeamento, controlo e avaliação, distribuídas por Bragança, Castelo Branco, Évora, Faro, Guarda, Portalegre, Vila Real, Viseu, Beja, Leiria, Santarém, Viana do Castelo, Coimbra e Porto. As vaga de direito (11) foram as que mais candidatos receberam e ficaram todas ocupadas. As de economia, com menos candidatos, também foram preenchidas. Já a de planeamento não teve qualquer colocação. Ficou “sem candidatos, por estes terem sido colocados em outros postos de trabalho atendendo à manifestação das suas preferências conjugada com a posição na reserva”.

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O Expresso noticiou esta sexta-feira que outros 51 técnicos foram colocados no Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospetiva da Administração Pública (PlanAPP), que apoia a definição de políticas públicas. O problema é que o centro, embora tenha sido formalmente constituído em março, ainda está inativo. Os trabalhadores selecionados esperam há quatro meses para assinar contrato com o Estado. Alguns deles já rescindiram contrato com o antigo empregador. O Ministério diz ao semanário que “o regulamento do recrutamento centralizado não estipula um prazo legal entre a notificação de colocação aos candidatos e a assinatura de contrato de trabalho, cabendo aos serviços proceder a esta gestão”.

Candidatos que não aceitem colocação são excluídos da reserva

Caso não aceite a colocação, o candidato é excluído das reservas de recrutamento. São ainda motivo de exclusão a desistência de permanência na reserva de recrutamento; a não apresentação de candidatura a qualquer procedimento de oferta de colocação, no prazo de um ano a contar da homologação da lista de ordenação final da reserva; a recusa de celebração de contrato trabalho em funções públicas ou de aceitação da nomeação, na sequência de procedimento de oferta de colocação; ou quando é celebrado um contrato de trabalho em funções públicas, na sequência de procedimento de oferta de colocação.

Os candidatos que não forem colocados em nenhum órgão ou serviço, “permanecem na lista de ordenação final da reserva mantendo a correspondente classificação durante 24 meses, contados a partir da data de realização da prova de conhecimentos, podendo ser convocados em caso de nova oferta de colocação”.