Enviado especial do Observador, em Tóquio

Teve o basquetebol 3×3, vai ter a escalada, a seguir é desmontado e arrumado quase como se fosse um Lego. À semelhança do que é comum nas organizações dos Jogos Olímpicos, alguns dos locais de competição são apenas estruturas temporárias para o efeito e o Aomi Urban Sports Park é um desses exemplos, estando colocado numa zona nobre de jardins e sendo um dos palcos mais próximos da Aldeia Olímpica (que desta vez fica deslocada de tudo o resto). Esta noite era dia de fecho de uma das modalidades estreantes nesta edição dos Jogos e o final não poderia ter sido mais feliz. Pelo menos para quem joga, não tanto para nós. Aliás, podia ser para todos.

O ambiente que se sentia era quase de descontração, depois de vários dias seguidos com jogos de manhã à noite que chegaram agora ao final. Um exemplo: o basquetebol 3×3 era a única modalidade que tinha na sua grande (e cheia) sala de imprensa um manual não só com o jogo mas com as equipas participantes e os jogadores de cada. Antes, ainda houve uma paragem no voleibol de praia, pelo movimento circular que o autocarro faz nesta zona de Aomi, mas estava tudo a postos para a última noite de cestos. Tão a postos que, a certa altura, e em vez de seguirmos por outro lado onde o E4 está autorizado, entrámos de forma inadvertida na zona onde só os atletas e os oficiais poderão ter acesso. O campo estava ali a meia dúzia de passos mas ficou para os protagonistas.

O que não se consegue ver na TV? O campo onde se realizam os encontros é tapado por uma cobertura alta e discreta que une os quatro pilares, a bancada maior é aquela que não aparece na transmissão porque estão lá concentradas grande parte das câmaras e mais uma vez voltou a haver muito público, neste caso elementos dos países envolvidos nestes encontros decisivos e também voluntários, alguns deles já libertos de funções.

E começaram os quatros encontros decisivos de atribuição das medalhas, com o bronze feminino entre a França e a China. A equipa gaulesa tem uma história curiosa, contada pela própria Laetitia Guapo, uma das quatro jogadoras. “Eu, a Marie-Eve Paget e a Migna Touré somos professoras de Educação Física. No 3×3 ou no basket normal, é complicado encontrar uma equipa com este tipo de formação. Somos três jogadoras das poucas que ká têm um plano concreto para quando acabarem de jogar, o que requer uma série de sacrifícios e uma capacidade mental grande para continuar em pleno na modalidade”, contou. A elas juntava-se ainda Ana Maria Filip, a mais alta do quarteto  que é filha de uma antiga jogadora romena (Elena Filip) e de um ex-medalhado olímpico no voleibol, em 1980 (Marius Cata-Chitiga). No entanto, não houve mais um pódio olímpico na família.

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Um jogo de basquetebol 3×3 tem a duração de dez minutos com paragem de tempo sempre que o árbitro apita algo. Cada equipa, que vai rodando o jogador que fica de fora (parece que não mas em termos de intensidade pode ser uma coisa puxada), tem 12 segundos de ataque após vir fora da linha de três pontos, com lançamentos de dois e lances livres a valerem um ponto e os triplos dois. Ah, e também há VAR, numa situação que se viu só num lance duvidoso a três segundos do final. A China ganhou por 16-14 com Lili Wang em papel de destaque com o número 23 nas costas em homenagem a Michael Jordan, brilhando não só nos lançamentos longos mas também nas entradas para o cesto em 1×1 sempre com a bola a uma só mão à direita com proteção do corpo. O bronze ficou como prémio para Lili, uma jornalista de formação que coleciona ténis de Michael Jordan.

Discutia-se a seguir (com uma pausa curta) a medalha de bronze masculina, desta vez entre Sérvia e Bélgica. E surgiu aqui também mais uma novidade em relação ao tempo de jogo: quem chegar aos 21, ganha. Foram os balcânicos neste caso, derrotando de forma convincente o adversário por 21-10 num jogo que teve novidades como lançamentos por trás da tabela que ainda tocaram no aro e e saíram ou lançamentos de costas na posição de poste. Havia aqui um duelo particular também entre Aleksandar Ratkov, que desenvolvia softwares antes de se fixar no 3×3, e Rafael Bogaerts, um gestor de dados de quase dois metros numa companhia internacional em Antuérpia. E mais uma novidade que prova que estamos sempre aprender: o Al Wahda, clube de Abu Dhabi, comprou, literalmente, a equipa de 3×3 do Novi Sad, criando assim o Novi Sad Al Wahda que no início contou também com jogadores sérvios. Se em 2024 houver equipas de países mais invulgares, fica a dica do porquê.

Seguia-se a primeira grande final, com os EUA a defrontarem a Rússia. Perdão, a ROC, como diziam os jornalistas americanos presentes, aludindo ao facto de o país contrário estar a jogar por castigo em representação do seu Comité Olímpico. O jogo foi muito intenso, com várias faltas (15, um número anormal na modalidade), de um lado com as irmãs gémeas Evgenia e Olga Frolkina em plano de destaque no basquetebol, depois de terem antes passado por natação, voleibol e ténis, e do outro com uma antiga número 4 do draft da WNBA, Allischa Gray, e uma substituta de última hora, Jackie Young, que assumiu a posição depois do teste positivo à Covid-19 de Katie Lou Samuelson apenas uma semana antes do arranque da prova. No final, a medalha de ouro na estreia foi para a equipa dos EUA por 18-15, num encontro que terminou num ambiente de confraternização e fair play.

Esta não seria a única derrota da Rússia na noite, com a equipa masculina a perder igualmente a final frente à Letónia por 21-18, com destaque para Karlis Lasmanis e Nauris Miezis, mas entretanto já estávamos na zona mista para dar continuidade a um final de partida no feminino com várias histórias para contar, desde os parabéns cantados por toda a Arena às gémeas Frolkina que faziam 24 anos até ao aparecimento de Thomas Bach, presidente do Comité Olímpico Internacional que saudou todas as finalistas e esteve a trocar impressões com as duas equipas enquanto assinavam uma bola azul e amarela de jogo para recordar aquela que foi a primeira final de uma das modalidades estreantes nesta edição dos Jogos Olímpicos de Tóquio.

Na zona mista, as jogadoras americanas acabaram por ser quase retiradas para que fosse cumprido o protocolo das horas a nível de atribuição de medalhas mas ainda houve tempo para Jackie Young contar aqueles que foram os dez dias mais inacreditáveis da sua vida: depois de ter terminado a temporada nos Las Vegas Aces, que a escolheram como número 1 do draft de 2019, estava sossegada da vida de férias na Flórida, ligaram-lhe num sábado às dez e meia da noite a dizer que tinha de entrar no protocolo, viajou para Las Vegas, começou a fazer todos os testes que eram necessários para cumprir os requisitos da organização, chegou ao Japão mais tarde do que as restantes três companheiras e acabou por tornar-se campeã olímpica. “É algo inesquecível”, assumiu.

Tudo estava encerrado. Para as equipas envolvidas nas finais, para a organização e para a modalidades, as coisas tinham acabado da melhor forma; para outros, como o nosso caso, teriam ainda um novo capítulo que mostrou o que de melhor e pior os japoneses podem ter: houve um acidente com um autocarro da organização quando estava no parque de acesso ao voleibol de praia, o motorista não deu conta de que tinha um poste atrás, bateu com estrondo no mesmo, prendeu ainda parte da traseira e ficou sem uma boa parte numa zona lateral, levando a que tivesse de chegar outro transporte da organização. Parte boa? Demorou menos até do que os 20 minutos previstos. Parte má (sobretudo para quem está com pressa para escrever)? O substituto voltou a fazer toda a mesma volta que o autocarro inicial tinha feito. Se é assim que está nas regras, é assim que se cumpre e o jogo de cintura de quem percebia que ninguém tinha culpa daquele acidente continua a não ser o melhor…