Em 2019, nos Mundiais de Doha, os Estados Unidos venceram a estafeta 4×100. Christian Coleman, Justin Gatlin, Mike Rodgers e Noah Lyles bateram a competição e tornaram-se campeões mundiais, numa vitória que acabou por ser atribuída a uma reunião de equipa convocada por Coleman depois de uma prestação pouco regular nas qualificações. Conquistado o ouro, Lyles gritou: “Quebrámos a maldição! Quebrámos a maldição!”. Dois anos depois, o destino encarregou-se de mostrar que a maldição continua.

Esta quinta-feira, a equipa dos Estados Unidos — Ronnie Baker, Fred Kerley, Trayvon Bromell e Cravon Gillespie — terminou apenas no sexto lugar da respetiva bateria de qualificação e não conseguiu apurar-se para a final, numa prestação marcada pelo enorme erro na passagem de testemunho entre Ronnie Baker e Fred Kerley. Na primeira tentativa, Baker agarrou na camisola de Kerley; na segunda, Baker falhou; na terceira, Kerley já estava ao lado de Baker, quase a usar as duas mãos para tentar entregar o testemunho. Os problemas de Tóquio 2020, porém, só confirmaram a maldição que dura há duas décadas.

Desde os Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, que os Estados Unidos não conseguem chegar à medalha de ouro nos 4×100 masculinos. A última medalha que alcançaram foi de prata, em 2012, mas o feito de Londres foi retirado depois do castigo aplicado a Tyson Gay devido à utilização de doping — por isso, é preciso recuar até 2004, em Atenas, para encontrar outro segundo lugar dos norte-americanos e uma medalha que ainda perdura nos registos oficiais. Esta é ainda a primeira vez desde Pequim 2008 que os Estados Unidos falham uma final da estafeta masculina (nesse ano, Tyson Gay deitou tudo a perder na qualificação com uma passagem errada), sendo que em 2016 conseguiram o apuramento mas acabaram desqualificados por outra passagem incorreta.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas, se alguns acreditam que tudo não passa de uma maldição, outros não desculpam o acumular de erros e falhanços. Para Carl Lewis, vencedor de 10 medalhas olímpicas entre 1984 e 1992, o que os quatro norte-americanos fizeram esta quinta-feira em Tóquio foi “um espetáculo de palhaços”. “A equipa dos Estados Unidos fez absolutamente tudo errado na estafeta masculina. O sistema de passagem está errado, os atletas não correm os percursos certos e ficou claro que não existia liderança. Foi um embaraço total e é completamente inaceitável que a equipa dos Estados Unidos faça pior do que os miúdos universitários que vejo”, começou por escrever o antigo atleta no Twitter, elevando depois a dureza do discurso numa entrevista ao USA Today.

“Isto foi como se um treinador de futebol americano levasse uma equipa ao Super Bowl e perdesse 99-0 porque estavam completamente mal preparados. É inaceitável. Parte-me o coração ver isto porque estamos a falar das vidas das pessoas. Estamos a brincar com as vidas das pessoas. É por isso que estou tão chateado. É totalmente evitável. A América inteira está sentada a torcer pelos Estados Unidos e depois têm este espetáculo de palhaços. Não aguento mais. É simplesmente inaceitável. Não é assim tão difícil correr a estafeta”, acrescentou Carl Lewis.

A verdade é que o erro na estafeta — que, tendo em conta o historial recente, nem sequer foi assim tão surpreendente — é apenas a ponta do icebergue dos problemas dos Estados Unidos no atletismo de Tóquio 2020. O ouro de Ryan Crouser no lançamento do peso, que curiosamente aconteceu enquanto a equipa da estafeta deitava tudo a perder, foi a primeira vitória dos norte-americanos nestes Jogos Olímpicos nas categorias masculinas. Mais do que isso, têm-se acumulado as desilusões, com Grant Holloway a falhar o ouro nos 110 metros barreiras, Noah Lyles a ser apenas terceiro nos 200 metros, onde Erriyon Knighton nem sequer foi a pódio, e Will Claye a não conseguir também sair medalhado no triplo salto, onde Pedro Pablo Pichardo foi campeão olímpico.