Estávamos no início de 2007. Francesco Flachi era o capitão da Sampdoria, tinha acabado de ser convocado pela primeira vez para a seleção italiana e os 110 golos que já levava com a equipa de Génova deixavam acreditar que iria tornar-se o melhor marcador de sempre do clube, já que só precisava de superar os números dos gemelli del gol, Mancini e Vialli. Aos 32 anos, Flachi ainda era um dos talentos mais entusiasmantes da Serie A. Até que, de um dia para o outro, tudo mudou.

Em janeiro de 2007, depois de um jogo contra o Inter Milão, o avançado italiano testou positivo para cocaína no controlo anti-doping. Foi imediatamente suspenso de todas as atividades do futebol e acabou por ser banido durante dois anos — uma segunda mancha no currículo depois de, no ano anterior, ter estado dois meses sem jogar por ter sido considerado culpado de tentar viciar resultados, um castigo que nunca aceitou. “Foi ali, com aquele controlo anti-doping, que perdi tudo. Era um ídolo em Génova. Tinha começado o ano com dois golos e tinha acabado de ser convocado para a seleção”, recorda o jogador à BBC.

Sampdoria v Inter Milan

Na altura em que foi castigado pela primeira vez, Flachi era capitão da Sampdoria e tinha acabado de ser convocado para a seleção italiana

Mas Francesco Flachi ainda foi atrás de uma segunda oportunidade. Cumprida a suspensão de dois anos, conseguiu encontrar espaço no Empoli e no Brescia, que estavam ambos na Serie B na altura. Mas o avançado que tinha brilhado em Itália dois anos antes já não era o mesmo que procurava uma redenção forçada. “Mentalmente, já não era a mesma pessoa. Não consegui evitar a recaída”, explica o italiano, justificando o facto de, em dezembro de 2009, ter novamente testado positivo para cocaína num controlo anti-doping. O facto de ser reincidente fez com que a nova suspensão o deixasse obrigatoriamente afastado do futebol profissional nos 12 anos seguintes.

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Em teoria, o castigo era uma sentença de morte à carreira de Francesco Flachi. Mas os 12 anos de suspensão terminam no próximo mês de janeiro — e o italiano vai à procura da terceira oportunidade. Aos 46 anos, o avançado vai voltar a jogar no Signa 1914, da quinta divisão de Itália, onde nos últimos anos tem sido treinador das camadas jovens. Impulsionado pelo presidente do clube de Florença, Flachi vai voltar a um relvado 12 anos depois.

Sampdoria v Juventus

O avançado, aqui a discutir uma bola com Fabio Cannavaro, é ainda o terceiro melhor marcador de sempre da Sampdoria

“Estou muito entusiasmado porque a data está a aproximar-se. Começou tudo como uma piada mas depois começámos a falar mais a sério. Eu já estava a ajudar no Signa 1914, estava a dar uma mão nas camadas jovens. O Andrea [Ballerini, o presidente] começou a provocar-me, a dizer que já não sabia jogar e que estava velho. Não entrava num campo de futebol para jogar há 12 anos. Mas sou um homem do futebol e vivo para as emoções. Tive muitas saudades. Tenho estado a treinar e as sensações são semelhantes àquelas que tinha quando jogava na Serie A. A exposição e a pressão são diferentes mas as dinâmicas, a vida do balneário, são iguais”, disse o avançado, que no início da carreira também conquistou uma Taça de Itália com a Fiorentina, à BBC.

Mais do que voltar a jogar, Francesco Flachi tem o objetivo de ser uma influência positiva para os jovens jogadores do plantel. “Sei que cometi um erro e fui castigado por isso. Também sei que já não sou tão rápido como era mas posso fazer a minha parte e ajudar os rapazes a acreditarem neles mesmos. Quero que entendam o quão bonito é o futebol. Não podem dar-se ao luxo de perder o que eu desperdicei”, acrescentou, refletindo ainda sobre a forma como interpretou e ultrapassou todos os obstáculos.

As lágrimas dos “gemelli del gol”: há um ano, Mancini chorava por Vialli; hoje, choram como campeões da Europa

“Depois de uma desgraça destas, equacionas tudo. Pensas na carreira que atiraste ao lixo, na tua imagem pública, na dor que causaste à tua família. As pessoas não reagiram bem no início mas o tempo provou que eu entendia os meus erros e consegui reconstruir a maioria das relações que tinha. No início, ver futebol deixava-me doente. Mas depois arregacei as mangas e segui em frente. Abri dois restaurantes em Florença. Desde que se sabe que vou voltar a jogar que tenho recebido muitas chamadas e mensagens, o que prova que muita gente ainda gosta de mim. Não sou uma vítima. Cometi um erro e não quero que outros vão pelo mesmo caminho. É muito fácil julgar-me de fora. Aqueles que me conhecem sabem a pessoa que sou. Sou a mesma pessoa que era há 20, 30 anos, tenho os mesmos valores. Uma pessoa pode cometer erros e cair mas também pode voltar a levantar-se. A vida é cheia de eventos inesperados. O que eu quero é fazer o meu papel e mostrar que posso ter lugar no futebol”, terminou Francesco Flachi.