[AVISO: Apesar de todos os esforços, este texto pode conter spoilers. Se não quer saber ABSOLUTAMENTE NADA sobre a primeira parte da última temporada de “La Casa de Papel”, não leia… antes de ver a série, depois pode ler à vontade, claro]
Uma grande desgraça. É sempre assim que, em princípio, acabam séries como esta. Ainda que “Lost” nos tenha pregado uma partida em 2010 e não tenha sido assim tão divertido. Tenhamos calma, respiremos. Até porque não quero estar aqui a dizer mais do que devo. Mas acontece tanta coisa importante nos cinco episódios desta primeira metade de “La Casa de Papel” — a segunda tem estreia marcada para 3 de dezembro — que desabafar é urgente. Quem estava desesperado a contar os dias e já viu tudo (e se calhar mais do que uma vez para não falhar nenhum detalhe) vai entender o meu drama, mas não vamos estragar a experiência a quem ainda não conseguiu sentar-se a roer as unhas com os últimos acontecimentos.
A história começa onde ficou em maio de 2020 — confesso que tive de ir ver um daqueles recaps do YouTube que em meia dúzia de minutos resumem o que aconteceu na temporada anterior. O importante é isto: Lisboa (Itziar Ituño) está dentro do Banco de Espanha com os restantes assaltantes e Alicia Sierra (Najwa Nimri) está cara a cara com o Professor (Álvaro Morte). A partir daqui, agarrem-se porque esta é daquelas montanhas-russas das quais nos rimos no início porque a subida não parece assim tão acentuada, mas, assim que começa a descida, gritamos sem saber bem se estamos a odiar ou a amar. O ritmo é louco, às tantas já não sabemos como é que isto tudo começou, mas também não interessa. Estamos nos últimos minutos do prolongamento e só queremos que a nossa equipa ganhe, nem que seja com uma mão a empurrar a bola para a baliza.
[o trailer da primeira parte do final de “La Casa de Papel”:]
Os primeiros dois episódios cedidos para a imprensa ver antes da estreia deixavam muita coisa no ar e, mesmo assim, já eram acelerados. Mas a coisa aperta realmente é a partir do terceiro. E, se já havia figuras femininas fortes até aqui, elas excedem-se nestes últimos episódios. São fortes, decididas, complexas, têm boas histórias e momentos que fortalecem a relação entre elas. A cena em que Lisboa (Ituño), Tóquio (Úrsula Corberó) e Estocolmo (Esther Acebo) saem para o exterior descalças, despidas de qualquer proteção — armas, coletes ou homens —, é das melhores da série, representa o poder do matriarcado e acaba por ser uma homenagem ao legado de Nairobi (Alba Flores), morta na última temporada.
Assim que Lisboa chega ao Banco de Espanha (depois de ter estado detida e de ter sido interrogada lá na longínqua quarta temporada), parece uma mãe que acaba de voltar de uma qualquer viagem e encontra a casa, entregue aos filhos adolescentes, de pantanas. Depressa começa a ditar ordens a uns e a outros e ninguém a questiona. Não só é inteligente e despachada, como já esteve do outro lado — sabe como pensam os polícias e os negociadores. E nem quando as comunicações com o Professor deixam de existir, ela deixa de saber o que fazer. Afinal, estes assaltantes também já estão experientes nisto. Estão ali fechados há 37 anos ou, pelo menos, assim parece.
Mesmo com “La Casa de Papel” a aproximar-se do fim, há novas personagens introduzidas. Sagasta (José Manuel Seda) é um comandante do exército e bem podia ter “mor” tatuado numa pálpebra e “te” na outra porque o fim da vida de uns quantos (muitos) é a única coisa que vê à frente. O homem quer explodir coisas, de preferência os macacões vermelhos e as pessoas que estão lá dentro, e não está minimamente preocupado com reféns, património ou danos colaterais. René (Miguel Ángel Silvestre) contextualiza o passado de Tóquio. Já sabíamos que ele era um antigo namorado que morreu à frente dela quando um assalto a um banco correu mal, mas agora temos direito a um casal apaixonado a desfilar por Lisboa — das promessas no Elevador da Bica, que dão origem ao nome Tóquio, às noites de santos populares. Estes flashbacks são importantes porque, primeiro, cortam o ritmo do que está a acontecer no presente — e evitam que o espectador tenha um ataque cardíaco — e, segundo, fazem a ponte com a história de amor entre Rio (Miguel Herrán) e Tóquio e o que acontece no final desta primeira parte. Só posso dizer que tem como banda sonora “Grândola, Vila Morena”. É perfeito, triste e justo — se é que estes três adjetivos podem fazer sentido juntos.
A terceira novidade é Rafael (Patrick Criado), filho de Berlim (Pedro Alonso) — que faz uma participação em cenas especiais do passado, obviamente. Esta é a personagem mais enigmática, tem uma pós-graduação em cibersegurança no MIT. Como já levamos alguns anos de “La Casa de Papel”, sabemos que é introduzida na história para servir um qualquer propósito maior. Só que ainda não estamos nesse ponto. Para já vemos o pai a ensinar ao filho aquilo que melhor sabe fazer, roubar, e é suficiente para matarmos as saudades de Berlim e das suas melhores frases. “Só um ladrão sente que é seu aquilo que não lhe pertence.”
E Arturito? O que é que posso dizer sem ser processada pela patrulha dos spoilers? Arturo (Enrique Arce) continua no mesmo registo: ao mundo quer mostrar que é um herói, por dentro o que o consome são os ciúmes de Monica (agora Estocolmo), que andou pelo mundo a criar o filho biológico dele com Denver (Jaime Lorente). Para Arturo, os ciúmes são como uma bomba-relógio. E ela explode. E as proporções são épicas. E mais não posso dizer.
Do lado de fora, mas agora renegada pela polícia, está Alicia Sierra. Para limpar o nome e resolver toda aquela trapalhada sozinha, quer forçar o Professor a revelar os seus intentos mas, como seria de esperar, a vida tem planos mais urgentes para ela, se é que me entendem. Esta personagem também tem uma evolução interessante. Aos poucos deixamos de vê-la apenas como o inimigo, vai mostrando fragilidades e traços humanos que achávamos que nem possuía. Contudo, no final desta primeira parte, ainda não dá para perceber de que lado está.
Contas feitas, passados mais cinco episódios, o que se está a roubar por ali já pouco importa, até podiam ser barrinhas de chocolate Kinder. Estamos em plena guerra, ou se mata ou se morre, e as coisas estão a andar depressa.
Faço parte do grupo que costuma defender que a série devia ter acabado há muito. As duas primeiras temporadas acertaram em tudo, completamente inovadoras e empolgantes, mas repetir a fórmula e, no fundo, a história — mais um assalto a uma poderosa instituição —, não costuma acrescentar nada de positivo. Continuo a achar que “La Casa de Papel” não precisava das temporadas três e quatro mas, agora que aqui estamos, e com este aperitivo explosivo, estou convencida de que o final vai ser grandioso. Quantas horas faltam mesmo para 3 de dezembro?