Alguns dos melhores jogadores, a começar pelo melhor de todos durante vários anos. Alguns dos melhores treinadores, premiados com distinções internacionais. Alguns dos melhores talentos da formação, muitos a subirem de forma natural à equipa A. Alguns dos melhores clubes, com dois que lutavam de forma crónica pelo título na Liga dos Campeões. Portugal tinha tudo para se afirmar em definitivo no futsal e a vitória na final do Europeu de 2018, frente à Espanha, acabou por ser a última amarra para essa emancipação mais do que definitiva num contexto internacional. O que mudou? Apenas aquele “bocadinho assim”.

Uma remontada para heróis: Portugal vence Espanha após fantástica reviravolta e chega pela terceira vez às meias do Mundial

No último desconto de tempo pedido no eletrizante encontro dos quartos do Mundial frente à Espanha (de novo a Espanha, líder do ranking mundial e um Cabo das Tormentas que o deixou de ser), Jorge Braz teve um desabafo que explica muito do segredo para a afirmação nacional nos momentos decisivos: “Já ando há 20 anos a dizer que somos melhores do que eles”. Podia ser apenas uma frase de motivação, de confiança, de alento para um final a defender um 5×4. Foi mais do que isso. Essa mentalidade de manter sempre a humildade mas não olhar de forma inferior para qualquer adversário foi o tal “bocadinho assim” que ia faltando para ir mais longe. O “bocadinho assim” que permitiu que, em desvantagem por dois golos a 12 minutos do final frente a uma das melhores equipas mundiais, fosse escrita uma reviravolta.

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Portugal atingia a sua terceira meia-final de sempre em Campeonatos do Mundo mas queria mais um feito histórico para consolidar essa viragem. Pela frente teria o Cazaquistão, que se estrearam em 2016 com uma ida aos oitavos onde perdeu com a Espanha e que estava também agora a um passo da final.

Não era propriamente uma seleção desconhecida, ou não fosse metade da equipa do Kairat Almaty, outro dos crónicos candidatos a chegar à Final Four (hoje Final Eight) da Liga dos Campeões. Com Higuita na baliza, com Douglas Júnior, Orazov e Tursagulov como referências, com o antigo jogador do Sporting Taynan, já vinculado agora com os espanhóis do El Pozo, como desequilibrador na ala. Todos orientados por Kaká, treinador brasileiro com vários anos de experiência no país e na seleção. Apesar do empate consentido no último minuto contra a Venezuela quando já estava apurada, a formação cazaque fez um percurso sempre seguro antes de afastar o Irão nos quartos naquele que foi o seu grande teste, ao contrário de Portugal que, após o empate com Marrocos, só bateu a Sérvia nos oitavos após prolongamento.

Brilhar, sofrer e voltar a brilhar para sofrer: Portugal vence Sérvia no prolongamento e está nos quartos do Mundial

“O nosso objetivo é muito claro: chegámos até aqui e não é aqui que queremos parar. Para o atingir, temos agora mais um jogo importantíssimo. Sinto toda a gente com enorme vontade e uma ambição gigantesca. A este nível, tudo pode acontecer mas vamos atrás do que queremos muito. Conhecemos muito bem o Cazaquistão e o seu potencial, o trabalho ainda está a ser feito, merecem inteiramente estar nas meias-finais mas só estamos preocupados connosco. Se me disserem que o Cazaquistão é o menos favorito pela estatística e histórico, ok, mas, pelo momento, não me parece”, comentara o selecionador Jorge Braz antes do encontro na Zalgiris Arena, em Kaunas, que contaria mais uma vez com forte apoio à Seleção. No final, depois da vitória da Argentina com o Brasil na outra meia-final, tudo foi decidido nos penáltis.

Portugal entrou melhor, com zonas de pressão que dependiam do portador e a rematar muito à baliza de Higuita, que ainda teve de fazer uma intervenção mais apertada num livre de André Coelho. No entanto, e contra essa corrente do jogo, foi o Cazaquistão que marcou numa boa saída concluída por Orazov. Algo de estranho de tinha passado, a Seleção pediu VAR e pela primeira vez a decisão foi positiva, com as imagens a mostrarem que a bola saíra antes do passe longo na frente. A emoção estava ao rubro e Higuita subiu pela primeira vez para fazer 5×4, que terminou com um remate de Taynan às malhas laterais (5′).

A Seleção foi melhor na maior parte do tempo, os cazaques rematando mesmo foram mais objetivos nessas tentativas que também tiveram à baliza de Bebé. Aliás, as melhores oportunidades até ao intervalo foram do conjunto adversário, com Taynan a acertar com estrondo na trave e Orazov a atirar ao poste (17′). Antes, a pontaria ou Higuita foram evitando o golo de Portugal – foi assim numa combinação entre Zicky e Pany Varela com grande defesa do guarda-redes (9′), foi assim com um remate de Miguel Ângelo por cima após mais uma fantástica assistência de Ricardinho (10′), foi assim com uma tentativa de Afonso depois de um grande trabalho de Erick para nova parada de Higuita (12′), foi assim com um “bico” de Bruno Coelho que acabou nas malhas laterais. As oportunidades mereciam um golo mas o nulo ficou até ao descanso.

O segundo tempo trouxa a eficácia desejada logo a abrir, com Miguel Ângelo a encontrar Pany Varela sozinho na esquerda para um remate de primeira que bateu no poste e entrou (22′). Portugal passava para a frente do marcador e podia. ter aumentado essa vantagem por duas vezes com o mesmo interveniente, Zicky, a trabalhar bem em posição de pivô e a rematar para defesa de Higuita. Depois, era tempo de sofrer com a insistência do Cazaquistão, que passou a jogar mais vezes com o guarda-redes avançado em 5×4 que acertou também ele no poste de longo (27′). O diamante foi mesmo de ouro, Bebé esteve ao melhor nível mas no último minuto Nurghozin, numa bola que João Matos não conseguiu aliviar, fez o empate.

O jogo foi mesmo para prolongamento, o terceiro de Portugal nesta fase a eliminar. A parte física seria um problema a ter em conta e pior ficou com o 2-1 do Cazaquistão num livre direto de Douglas Júnior logo no arranque (42′). A Seleção tinha de correr contra o tempo, teve vários remates travados por Higuita de Bruno Coelho, Miguel Ângelo, Zicky e Pany Varela e foi congelando o 5×4 pelas cinco faltas que os cazaques tinham entretanto feito. A 1.38 minutos do final, essa pressão foi mesmo premiada: Pany Varela ganhou numa dividida pela esquerda, a bola sobrou para Bruno Coelho e o número 7 marcou mesmo o 2-2. “Gente, nós vamos ganhar!”, dizia Jorge Braz enquanto eram escolhidos os marcadores das grandes penalidades, com Bebé a defender as duas primeiras tentativas e Vítor Hugo preparado para ir a seguir. Douglas Júnior falhou, Pany Varela falhou e foi Vitor Hugo a travar a quinta tentativa antes de Tiago Brito fazer o 4-3 e carimbar um momento histórico no futsal e no desporto nacional.