Esta devia ser apenas uma Assembleia Geral. Uma Assembleia Geral como tantas outras, com a afluência maior ou menor mediante o momento que o clube atravessa, mas só uma Assembleia Geral. No entanto, a Assembleia Geral do Sporting deste sábado foi tudo menos isso e só as próprias manobras públicas ou nos bastidores que foram sendo feitas por diversos grupos ou fações deixavam antever esse mesmo cenário que se veio a confirmar. O que se ia votar? Alguns sócios mais distraídos nem sabiam o que estavam a votar, uma larguíssima maioria nunca leu sequer o que estava a votar. Tudo menos uma Assembleia Geral.

SMS, comunicado e alguns avisos em caso de nova reprovação: Direção do Sporting aposta forte na próxima Assembleia Geral

Ponto de partida para esta espécie de referendo ou sufrágio pré-eleitoral? Os dois chumbos de Relatórios e Contas e Orçamentos no último ano, que tiveram contextos e momentos diferentes mas redundaram no mesmo resultado. Primeiro, em setembro de 2020, o Relatório e Contas de 2019/20 e o Orçamento para 2020/21 foram chumbados com percentagens entre os 67% e os 69%, numa reunião magna que contou com a presença de 3.115 sócios num clima de grande crispação apesar da boa entrada de Rúben Amorim no clube. A seguir, no último mês, os Relatórios e Contas de 2019/20 e 2020/21 e o Orçamento de 2021/22 (entretanto o clube foi gerido por duodécimos) mereceram de novo voto contra entre 57% e 60%.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sócios voltam a chumbar Relatório e Contas e Orçamento em AG com críticas de (e para) Varandas – que no final pediu “séria reflexão”

“Esta noite é a noite ideal para os sócios fazerem uma séria reflexão do que querem do clube e que participação querem ter neste clube. A verdade é que sistematicamente temos um grupo de 400 pessoas que se apresenta sempre nas assembleias, com a sua orientação de voto quer o Sporting seja campeão nacional, quer ganhe a Liga dos Campeões, e estão no seu direito. É um grupo inferior a 1% dos sócios votantes e a pergunta que faço é se os 99% dos sócios votantes querem continuar que uma minoria, que se dirige sistematicamente à assembleia com o insulto e ameaça como argumento, continue a bloquear a gestão do clube. Temos os estatutos, vamos cumprir, mas é altura da grande massa associativa do Sporting pensar no que quer para o clube e que participação quer fazer”, comentou então Frederico Varandas.

Relatório e Contas e Orçamento do Sporting chumbados por quase 70% em AG tensa e com agressões (no exterior)

O que aconteceu a partir daí? A Direção pediu uma nova reunião magna apenas com dois pontos e que voltavam a sufragar os dois Relatórios e Contas “pendurados”, a Mesa da Assembleia Geral decidiu colocar o encontro em dia de jogo do futebol em Alvalade (algo nunca antes visto nos últimos longos anos) com um horário aberto de quase oito horas para votar, algumas modalidades como o andebol tiveram de mudar o seu encontro para outro pavilhão, grupos de sócios foram colocando requerimentos junto do líder da Mesa, Rogério Alves, da segunda volta em eleições passando no limite pela destituição (outros serviram sobretudo para manifestar a discordância com a forma como o processo decorreu, sem que os associados soubessem o que estava em causa), houve mobilização para passar pelo Pavilhão João Rocha.

Varandas solicita Assembleia-Geral e diz que Sporting “não deve ser refém de minorias”

Aquilo que deveria ser apenas mais uma Assembleia Geral tornou-se tudo menos isso, com comunicados do clube, SMS aos associados ou mensagens que foram trocadas em grupos. Passou a referendo. Quase a um sufrágio para medir sensibilidades, com essa certeza de que os próximos seis meses terão já uma carga mais acentuada de clima pré-eleitoral sem que se perceba quem poderá na verdade avançar contra Frederico Varandas (que mesmo sem o assumir publicamente se vai recandidatar) entre os pelo menos quatro movimentos que se têm encontrado e falado nas últimas semanas, sabe o Observador. Uma coisa é certa: os 84% de aprovação aos Relatórios que foram no fundo de Varandas são um barómetro.

SMS, equipas a votar e o feitiço contra o feiticeiro no interior do Pavilhão

“Se por alguma razão os Relatórios e Contas voltarem a ser chumbados, o que vai acontecer? Não sei mas não se demite”. Era desta forma que algumas fontes internas anteviam a Assembleia Geral deste sábado mas bastaram poucos minutos para confirmar aquilo que em Alvalade há muito se sabia: a adesão seria muito maior do que os 3.115 associados que estiveram na reunião magna de setembro de 2020, o “sim” iria imperar e por larga maioria e quaisquer vozes críticas que se ouvissem no interior do Pavilhão João Rocha, como chegou a acontecer, foram quase de imediato silenciadas com um coro de protestos que levavam Rogério Alves a pedir maior serenidade no recinto. Ou seja, e em resumo, aconteceu aquilo que acontecera nas duas reuniões magnas anteriores mas ao contrário, com quem protestava a ser “calado”.

“Sou um otimista esclarecido. Espero que os sócios discutam com serenidade e votem com liberdade”, disse à entrada Rogério Alves, presidente da Mesa, sem mais considerações antes do início de trabalhos que já contava com uma pequena fila à hora de abertura – sendo que alguns desses associados achavam que podiam só votar e ir embora, sendo que as urnas abriram apenas uma hora depois (11h30). Por volta do meio dia, e por questões logísticas de distanciamento, as portas chegaram a fechar por breves momentos, sendo que à hora de almoço, até às 14h quando houve uma interrupção, deixou de haver fila.

Dias da Cunha, presidente dos leões entre 2000 e 2005 após ter entrado no clube como vice do Conselho Fiscal e Disciplinar de José Roquette, foi uma das figuras que não têm marcado presença em Assembleias Gerais mas que fez questão de passar pelo Pavilhão João Rocha. E, ao mesmo tempo que continuavam a circular mensagens por grupos de associados apelando ao voto, algumas equipas do clube foram passando também pelo local apenas para votar, casos do hóquei em patins, do andebol ou do voleibol feminino. Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, Manuel Fernandes, ex-glória do clube, e Miguel Albuquerque, antigo diretor das modalidades, também votaram na parte da manhã.

Frederico Varandas, à semelhança do vice das finanças Francisco Salgado Zenha, foi tomando a palavra ao longo da reunião mas num contexto também ele diferente. O teor da mensagem, à exceção de quando falou da dívida do clube à SAD, foi idêntico ao do mês passado, focando no sucesso desportivo de uma das épocas com mais títulos nas diversas modalidades, mas o facto de não ter a mesma oposição de outras ocasiões, o que levava depois a despiques mais diretos, alusões ao passado e críticas a esses sócios, tornou a postura do presidente leonino bem mais tranquila e assertiva – sendo que a perceção interna de uma “vitória” com números bem largos também desde cedo esvaziou possíveis focos de tensão no Pavilhão.

O aumento das filas à tarde, os Relatórios à disposição e o ambiente sem tensão

Ao contrário do que costuma acontecer nos atos eleitorais, a tarde acabou por trazer ainda mais votantes ao Pavilhão João Rocha, muito por culpa dos associados que iam a Alvalade ver a partida com o Moreirense e foram votar aproveitando a ocasião (que no fundo era o objetivo pretendido pela Direção e pela Mesa com a marcação da Assembleia Geral para um dia de jogo). As filas que se foram formando no exterior aumentaram, sendo que a espera era maior pela verificação do Certificado de Vacinação ou teste à Covid-19 negativo além do Cartão de Cidadão e do cartão de sócio. E ainda houve alguns casos que iam tentando ser resolvidos pelos serviços por esquecimentos de documentação ou quotizações por regularizar.

Filipe Soares Franco, antigo presidente do Sporting entre 2006 e 2009 após ter sido vice da Direção, foi uma das primeiras figuras na “sessão” vespertina. “Não acredito que as contas não sejam aprovadas. Acho que os sócios têm consciência do excelente trabalho que a equipa do presidente Varandas tem feito e vão dar o sim. É fundamental a aprovação das contas, até para a renovação do empréstimo obrigacionista”, referiu o ex-líder, que não costuma marcar presença em reuniões magnas do clube que envolvam Relatórios e Contas e Orçamentos mas que saiu em amena cavaqueira com dois associados.

Lá dentro, com algumas interrupções curtas pelo meio, continuavam a discursar alguns associados, quase todos neste caso defendendo a aprovação do Relatório e Contas e a favor de Frederico Varandas num recinto que ia ficando mais composto com vários sócios que passavam por uma das mais de 30 zonas de acreditação, deixavam o seu voto em urna e sentavam-se por alguns momentos numa das bancadas. Entre quem votava a favor, existia sobretudo a vontade de manifestar o apoio à atual Direção passando ao lado do que estava em causa nos Relatórios (acessíveis a todos nas entradas do recinto); entre quem votava contra, havia quem fosse apenas contra Varandas mas também quem defendesse que a forma como a Assembleia Geral foi convocada era uma vontade de reforçar a liderança sem necessidade e que não fazia sentido votar a favor um Relatório e Contas de uma época que foi gerida por duodécimos sem que se soubesse com que partes foi feita essa gestão. Houve até um requerimento não aprovado que considerava a reunião ilegal.

Estes e outros assuntos foram sendo discutidos dentro e fora do Pavilhão, num ambiente que alguns grupos temiam que pudesse “aquecer” mas que nunca teve propriamente momentos de tensão como aqueles que foram acontecendo das últimas reuniões magnas. Às 19h30, as urnas fecharam e apenas quem estava e quis ficar no Pavilhão viu a contagem dos votos, supervisionada pelo presidente da Mesa da Assembleia Geral, Rogério Alves. Depois de ter sido apontado um número superior a 6.000 associados, circularam depois informações que elevavam esse valor para os 7.000, sendo que quem saiu do recinto já não conseguiu voltar a entrar após esse horário. “Adesão? É positiva, é ver que os sócios que se preocupam com o Sporting. Fiquei com a certeza de que os sócios se preocupam com o Sporting. Estou tranquilo, super tranquilo, como sempre estive”, comentou Frederico Varandas à saída a caminho do Estádio.

Resultados são vitória esmagadora da favor do “sim” aos Relatórios (e a Varandas)

Pouco depois do final do encontro do Sporting com o Moreirense, que terminou com o triunfo dos leões por 1-0 com golo de Coates, foram anunciados no Pavilhão os resultados da votação, naquela que foi a maior de sempre olhando só para Assembleias Gerais com o intuito de sufragarem Relatórios e Contas.

Assim, o ponto 1, que dizia respeito ao Relatório e Contas de 2019/20, foi aprovado com um total de 83,94% entre 6.993 votantes, ao passo que o ponto 2, sobre o Relatório e Contas de 2020/21, passou com uma percentagem ligeiramente superior (84,5%) entre os 7.009 votantes, mais 16 do que o ponto 1.