A possibilidade de novo recurso da Mercedes caiu, os parabéns foram dados, a sempre aguardada gala da Federação Internacional de Automobilismo (FIA) entregou o troféu ao novo campeão. A “ressaca” daquele que foi o mais memorável fim de semana da Fórmula 1 dos últimos (largos) anos começa a ser digerida mas o impacto da mesma tem vindo a sentir-se de maneira diferente entre os diferentes protagonistas da novela realizada em Abu Dhabi. A começar, claro, pelos seus principais protagonistas, dois heróis numa história sem direito a vilão que funciona como novo capítulo de uma modalidade refém de verdadeiros duelos.

Comecemos por aquele que a seguir à prova falou onde e a quem era obrigado a nível de imprensa e direitos de transmissão e “desapareceu”, Lewis Hamilton. O britânico foi a grande (e única) ausência nos testes que foram realizados nos últimos dias aos novos pneus para 2020, falhando também a própria gala da FIA – que em termos regulamentares “obriga” a que os três primeiros classificados do Mundial marquem presença. De domingo até hoje, o britânico teve apenas uma aparição e logo no castelo de Windsor, em Inglaterra, onde foi ordenado cavaleiro pelo príncipe Carlos depois da nomeação feita pela Rainha Isabel II. O piloto que foi sete vezes campeão de Fórmula 1 tornou-se apenas o quarto a merecer a distinção de Sir mas nem isso fez com que quebrasse o silêncio a que se submeteu desde domingo, voltando a sair dos radares públicos.

De acordo com a imprensa britânica, Hamilton estará num período de reflexão em casa dos pais, não apenas pela derrota na última volta de 2021 frente a Max Verstappen mas também em relação ao que será o futuro na modalidade. E as declarações de Toto Wolff, diretor da Mercedes, adensaram o cenário de uma possível retirada. “O aspeto humano é difícil para o Lewis porque o que se passou foi muito dececionante. O que espero é que possa continuar a competir porque é o melhor piloto de todos os tempos. Como piloto vai querer continuar mas é também um homem de valores claros e o que se passou é difícil de entender”, disse o responsável algumas horas depois do comunicado em que a equipa alemã “assumia” a derrota.

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Agora sim, o ponto final: Mercedes não recorre, dá os parabéns a Verstappen e Mundial de 2021 está “fechado”

Do outro lado, Max Verstappen continua a preencher todos os espaços como principal figura, seja nos testes aos novos pneus em pista, seja na gala da FIA, seja nas várias ações que tem vindo a fazer junto da Red Bull e dos (muitos) patrocinadores. Ainda assim, o neerlandês falou também do seu principal rival, mostrando-se quase solidário com o período que Hamilton está a atravessar. “Consigo entender que os primeiros dias após a corrida sejam difíceis e que ele não se sinta propriamente feliz, mas também tem de compreender que isto são corridas e este tipo de coisas podem acontecer. Deve olhar para tudo o que já alcançou, isso deveria dar-lhe algum conforto e motivação para continuar porque ainda está a lutar pela conquista do oitavo título mundial e tenho a certeza de que ele poderá voltar a fazê-lo no próximo ano. Não vejo razões para abandonar agora. Pena dele? Não sinto isso, consigo só entender que pode ser muito doloroso, mas não se pode esquecer que venceu um título desta forma”, atirou, recordando o triunfo conseguido em 2008.

“Como é a nossa relação? Por vezes odiamos-nos mas tudo bem, esse é o espírito competitivo de ambos. Ele é um piloto incrível. Ganhámos na pista. As pessoas dizem que foi uma vitória de sorte… Com certeza que sim, a vitória foi de muita sorte mas também tivemos muito azar ao longo da temporada, caso contrário o campeonato teria sido decidido muito mais cedo, mesmo com o domínio que a Mercedes tinha no final da temporada. Penso ‘Bem, às vezes um pouco de sorte na vida também é bom…'”, acrescentou.

Horner pediu “um milagre”, o safety car entrou e Max foi campeão: “Finalmente, um pouco de sorte para mim…”

Em paralelo, as opiniões continuam a dividir-se entre algumas das figuras da Fórmula 1, havendo quem defenda ao máximo Max Vestappen e quem considere ainda que Lewis Hamilton foi vítima de uma injustiça.

A vontade de um pai, o talento de um filho e um sonho: tudo o que Max Verstappen alguma vez foi para chegar aqui. E chegou

“Claro que podemos sempre melhorar mas também temos de nos saber comportar. Li hoje no jornal francês L’Équipe que o presidente do Lyon, que é um dos clubes mais importantes, foi suspenso por dez jogos por ter falado mal dos árbitros. Se calhar estamos a ser demasiado permissivos, sabem? Por um lado sinto que é importante haver diálogo entre todos os envolvidos mas também não deve ser algo que se vire contra nós. Castigo a Hamilton? Não faz sentido. O que nos daria isso? Por um lado, sinto pena pela Mercedes, porque mereciam mais, sendo oito vezes campeões de construtores, algo que é único. Mas este jovem [Verstappen] fez um trabalho incrível e é nisso que nos devemos focar. Ele conseguiu uma combinação fantástica entre provavelmente o melhor carro, a melhor equipa e o facto de nunca cometer um erro. É verdade que teve sorte na última volta, mas devemos olhar à temporada na globalidade. Teve sorte em Silverstone? No Azerbaijão? Em Budapeste? Não teve…”, comentou Jean Todt, agora ex-líder da FIA.

“Hamilton ‘roubado’? Isso é um completo e total disparate. Se pensarmos bem, na primeira volta da corrida, o Hamilton saiu de pista, enquanto que o Verstappen se manteve no circuito e não fez nada de errado. O Lewis não foi punido por isso, portanto não se deve queixar muito. Estas coisas acontecem no desporto. Não devemos culpar o diretor da corrida, que fez a coisa acertada. Gostava de saber quem é que manipulou… Foi apenas um conjunto de circunstâncias que terminaram com um Mundial de Fórmula 1 incrível e que toda a gente gostou de ver”, salientou o antigo patrão da F1, Bernie Ecclestone.

“Meu, isto foi manipulado”: a comunicação via rádio de Hamilton após ser ultrapassado (e Wolff numa festa depois do protesto)

“O que aconteceu ainda é difícil de compreender e deixa-me com um sentimento doentio. Não pelos vencedores, porque sempre soubemos que havia uma forte possibilidade de não ganharmos, mas pela forma como o Lewis [Hamilton] foi roubado. Isso deixou-me em total descrença. A decisão de uma pessoa dentro do órgão que aplicou uma regra de uma forma nunca antes vista na Fórmula 1 decidiu sozinho o Mundial. Regras são regras, não podem ser alteradas por capricho de um indivíduo no final de uma corrida. Lewis Hamilton, mostraste uma incrível integridade e dignidade perante a injustiça. És o melhor que alguma vez existiu. Espero que em março do próximo ano haja um órgão dirigente com integridade desportiva e justiça no seu seio para que possa voltar a apaixonar-me pela Fórmula 1″, escreveu Susie Wolff, também ela uma ex-piloto e mulher do diretor da Mercedes, na sua página oficial do Instagram.

A ameaça passou mesmo à prática: Mercedes apresentou protestos, FIA recusou e Max Verstappen está confirmado como campeão

E enquanto as opiniões se dividem, a Fórmula 1 voltou a partilhar aquilo que se pode classificar quase como um pedaço de história da modalidade que tão cedo não será esquecido: os 145 segundos que mediaram a saída de pista do safety car, o início da última volta do Grande Prémio de Abu Dhabi, a ultrapassagem de Max Verstappen, as duas tentativas de resposta de Hamilton e a festa após o neerlandês passar a meta.