Passavam poucos minutos do início do debate que opôs Catarina Martins a Rui Rio quando o líder do PSD sentenciou: “A nossa linha de conduta é mais ou menos contrária“. No caso, a frase aplicava-se aos planos diametralmente diferentes dos dois partidos para fazer crescer a economia, mas, ao longo de 25 minutos em que conseguiram expor as suas ideias em áreas essenciais, percebeu-se que se poderia aplicar a tudo um pouco. Tema após tema, Catarina Martins, visivelmente mais agressiva, fez questão de atacar Rio com argumentos a puxar pela lembrança da troika — mais do que propriamente pelo PSD ‘centrão’ de Rio.

Logo no confronto inicial, ficou visível a estratégia da coordenadora bloquista de marcar as diferenças e motivar o seu eleitorado. Se Rui Rio enterrava de vez a polémica sobre a prisão perpétua —  “já disse e volto a repetir: obviamente sou contra a prisão perpétua, read my lips” — Catarina Martins escalava: o líder do PSD está a “normalizar a selvajaria da extrema-direita”.

Estava definido o tom do debate. Rio explicava, concordava, discordava, atalhava, Catarina Martins trazia a direita liberal e a herança da troika. Economia e salários? A líder bloquista puxou pelo legado de Pedro Passos Coelho, lá acrescentando também as alterações às leis do Trabalho aprovadas pelo PSD já no tempo de Rui Rio, para garantir que estas foram “um erro”, que alimentaram a precariedade e os baixos salários e que a geringonça pôs o país a crescer — o mesmo país que a direita, acusou, quer “destruir”.

Parênteses: Rui Rio, com figuras como Manuela Ferreira Leite, por exemplo, esteve entre os poucos críticos internos do antigo líder do PSD, o que aliás motivou sempre grande ressentimento da ala passista. Sobre o combate à pulsão mais liberal do partido, está bastante documentada. Ainda no 39º Congresso do PSD, Rio foi taxativo: “Não somos liberais ao jeito do laissez faire, laissez passer, que minimiza ou até despreza o Estado, mas somos pela total e completa liberdade individual, quando ela não é limitadora dos direitos de todos e de cada um.”

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Voltando ao debate. Já Rio, sempre em tom menos aguerrido, não acusava o toque e disparava de volta contra a geringonça: “Esta política nivelou por baixo. Origina salários baixo e origina imigração. Ao crescerem os salários todos, o salário mínimo cresce de uma forma sustentável”, disse. Promessas de aposta nas empresas, piscadelas de olho ao centro e um soundbite: “O Bloco quer acabar com os ricos. Eu quero acabar com os pobres”.

No SNS, mais divergências. “Atirar com mais dinheiro para o SNS não é prioridade”, argumentava Rio, colocando ênfase na necessidade de gerir melhor o que está “muitíssimo mal gerido”, organizar melhor os recursos e chamar o setor social e o privado para complementar os serviços do SNS. Com uma promessa: a ideia “não é pôr os ossos no Estado e a carne nos privados”.

Catarina Martins subia a parada: Rui Rio e a direita querem entregar o SNS aos privados. “Quando o SNS está frágil não devemos desatar a contratualizar. De hoje para amanhã estamos nas mãos dos privados. Vai ser preciso mais dinheiro público. É o melhor investimento que o Estado pode fazer”.

A terminar, mais um tema central, mais um assunto em que Catarina Martins se dedicou mais a explorar divergências. Rio argumentou que “a base” da Segurança Social deve ser, no seu entender, pública, para salvaguardar que o sistema pensões não se transforma numa bolsa de apostas, aceitando, ainda assim, discutir um sistema misto em que parte do dinheiro seja investido.

A bloquista não hesitou disparou críticas contra a proposta, que descreveu como “incompreensível” que colocará em risco todo o sistema. Para o Bloco, o aumento do salário mínimo, a diminuição do desemprego ou a ‘taxa Mortágua’ (o adicional do IMI) provaram que é possível contribuir para a sustentabilidade do sistema sem investir o dinheiro e arriscar perdê-lo.

Sem surpresas, não houve grande terreno para entendimentos e os dois saíram do estúdio como entraram: adversários — indiretos, e dificilmente a lutar pelo mesmo eleitorado — como dantes.

O diálogo mais revelador

Rui Rio – Há uma incompatibilidade completa. O BE quer mais despesa pública, ainda mais impostos… Social-democrata, o BE? Não é. O nós que queremos, a nossa linha de conduta, é mais ou menos o contrário do que o BE defende — legitimamente, temos ideias diferentes. A nossa aposta tem de ser nas empresas, na produção, no investimento, para chegar ao objetivo, que é mais consumo.

Catarina Martins – Sabe, o quadriénio em que Portugal cresceu mais e reduziu mais a dívida desde que entrou no euro foi 2015 a 2019. E portanto aquilo que fica provado, porque já provámos, é que ao contrário do que defende a direita — que é que destruindo o país ele ficará melhor — é com melhores salários que o país pode crescer. Lembro-me de dizer coisas como que aumentar o salário mínimo ia aumentar falências e desemprego. Nada disso aconteceu. Não queremos um país de baixos salários.